10 cidades que estão projetando ruas para crianças
No programa Street for Kids, várias cidades ao redor do mundo implementaram projetos de intervenção para tornar ruas mais seguras e convidativas para as crianças.
Confira um resumo das principais escolas de urbanismo e entenda o que defendem e qual foi o resultado de suas aplicações.
6 de abril de 2022Os municípios, assim como as pessoas, são dinâmicos e vão se transformando para acompanhar e se adaptar às mudanças sociais, econômicas e ambientais de seu tempo. Da mesma forma, a visão sobre como a cidade ideal deveria ser planejada foi sendo influenciada pela realidade e pelo pensamento vigente de cada época.
A industrialização, o maior número de indivíduos saindo das áreas rurais para as urbanas, o crescimento populacional, o desenvolvimento de novos materiais e tecnologias construtivas, o domínio dos automóveis como meio de transporte e, mais recentemente, a busca por outras formas de ocupar e se deslocar pelas localidades impactaram as teorias urbanísticas ao longo da história e resultaram na estruturação dos municípios atuais — com seus acertos e problemas.
Cinco escolas de urbanismo foram fundamentais para estabelecer as regras que orientaram a divisão dos espaços e o uso do solo e moldaram as localidades como as conhecemos hoje: Cidades-jardim, Modernismo, Novo Urbanismo, Cidade para as pessoas e Cidade de 15 minutos. Saiba mais sobre os princípios de cada um desses movimentos a seguir.
Distritos autônomos, igualitários, com forte senso comunitário e que uniam as qualidades da vida no campo com as dos centros mais desenvolvidos eram defendidos pelo planejador inglês Ebenezer Howard na virada do século 19 para o 20.
As cidades-jardim eram a sua solução para os obstáculos do pós-revolução industrial, como a poluição nos municípios, as ocupações irregulares e a migração de pessoas que vinham das zonas rurais para as urbanas em busca de melhores condições e de oportunidades de emprego.
A primeira vez que Howard apresentou o seu modelo de localidade foi em 1898 e, em 1902, com a publicação do livro “Cidades-jardim do Amanhã”, a proposta se disseminou pela Inglaterra e por outros países.
Para elaborar o seu conceito, o planejador definiu um diagrama com três ímãs: dois deles traziam os pontos positivos e negativos dos municípios e do campo e o último aliava as vantagens de cada uma das outras duas esferas. Assim, as cidades-jardim seriam a consequência da junção dos benefícios de cada uma das realidades.
Estruturados em círculos que partiam de uma grande região central destinada a um parque, os distritos eram compostos por uma área para os prédios públicos, instrumentos culturais e hospital, seguida por outras para comércio e serviços, moradias, agricultura e indústrias. Esses ambientes eram cercados por um cinturão verde que tinha o objetivo de limitar a sua expansão e a comunicação entre os locais era feita por meio de uma rede de vias interligadas.
Letchworth e Welwyn foram as primeiras cidades-jardim implementadas por Howard na Inglaterra, em 1903 e em 1920, respectivamente. No Brasil, elas serviram de inspiração para a criação dos bairros Jardim América e Cidade Jardim em São Paulo (SP), e influenciariam o desenho de Maringá (PR) e Goiânia (GO). A falta de densidade e a separação entre o viver e o trabalhar são algumas das críticas à concepção do planejador inglês, como as feitas pela arquiteta Frances Holliss em artigo para o jornal The Guardian.
A visão utópica de Howard e a definição de um zoneamento funcional acabaram transformando esses lugares em cidades-dormitórios, nas quais os moradores dependem de seus veículos para acessarem serviços e chegarem aos seus empregos.
Segundo Frances, apesar da pandemia de coronavírus ter reacendido o interesse por localidades que aproximam as habitações da natureza, deveria estar em debate se as cidades-jardim funcionariam atualmente ou se são apenas um olhar nostálgico para o passado.
Enquanto os municípios evoluíam e suas populações aumentavam significativamente, uma nova maneira de planejar e construir marcou a arquitetura especialmente na primeira metade do século 20. O modernismo valorizou o minimalismo, a funcionalidade, a ordem e o zoneamento funcional.
Os princípios desse movimento, que teve seu apogeu entre os anos 1930 e 1960, foram reunidos na Carta de Atenas, divulgada em 1933, durante o Congresso Internacional de Arquitetura Moderna (CIAM). O projeto da Cidade Radiante (La Ville Radieuse), do arquiteto e urbanista suíço e naturalizado francês Le Corbusier — um dos principais nomes dessa escola de urbanismo —, traduz esses conceitos em que uma localidade funcionava como uma máquina. Apresentado pela primeira vez em 1924 e publicado em livro em 1933, o complexo nunca saiu do papel.
A rejeição aos ornamentos foi outra característica do modernismo, assim como a preferência pelas formas básicas e composições assimétricas, o uso racional de materiais como concreto aparente, aço e vidro e a inovação estrutural, como define o Royal Institute of British Architects.
A divisão rígida dos municípios de acordo com as atividades humanas — morar, trabalhar, lazer e passear — e a facilidade de identificar o lugar de cada uma dessas funções é outra importante particularidade do movimento. O arquiteto alemão Mies van der Rohe resumiu em uma frase a proposta defendida pelos modernistas: “menos é mais”.
A influência de Le Corbusier, assim como da escola de Bauhaus, alcançou profissionais de todo o mundo, incluindo brasileiros como Oscar Niemeyer e Lúcio Costa. No País, essa vertente de pensamento foi impactada também pelas transformações que ocorreram no segmento cultural, impulsionadas principalmente pela Semana da Arte Moderna de 1922.
A meta de arquitetos, paisagistas e engenheiros era desenvolver uma linguagem própria, independente dos ideais europeus, adaptada aos materiais, formas e à cultura nacional. Brasília é o símbolo mais importante da aplicação dos parâmetros do modernismo, com seu layout geométrico e ordenado, zoneamento por função e priorização da locomoção de carro em detrimento dos transportes público e ativo — caminhar e pedalar.
A expansão dos arranha-céus, formação dos subúrbios e planejamento urbano focado nos automóveis são resultados da adoção dos critérios do movimento nas cidades, afirma o arquiteto e urbanista Paulo Sá Vale.
Os conjuntos habitacionais e as vilas operárias, financiados pelo Banco Nacional de Habitação (BNH), são outros exemplos modernistas do Brasil. O urbanismo moderno se estendeu à legislação nacional e está presente ainda em planos diretores e leis de zoneamento de municípios que optam pela separação das áreas pelo seu uso e incentivam a disseminação de bairros e unidades residenciais independentes.
As cidades compartimentadas, onde as moradias ficavam longes dos centros urbanos e das ruas principais, se replicaram durante a segunda metade do século 20 e começaram a apresentar impactos negativos na economia, no meio ambiente e na saúde das comunidades.
No final dos anos 1980 e início de 1990, inúmeros urbanistas, planejadores, arquitetos, engenheiros e desenvolvedores estavam frustrados com a forma como os municípios vinham sendo desenhados e propuseram uma abordagem diferente: o novo urbanismo.
O movimento buscava uma volta aos princípios que norteavam as localidades e vilas erguidas nos últimos séculos, com habitações e comércio próximos, espaços públicos qualificados e acessíveis, e vias e quarteirões atrativos e caminháveis.
Conforme informações do Congresso para o Novo Urbanismo (CNU), entidade sem fins lucrativos fundada em 1933 e sediada em Washington D.C. (EUA), essa escola se concentra no design urbano em escala humana e surgiu para oferecer alternativas ao tipo de expansão das cidades que se tornou comum no pós-Segunda Guerra Mundial — com zoneamento de uso único e construções de baixa densidade.
Os parâmetros que orientam o movimento foram consolidados na Carta do Novo Urbanismo e ajudaram a criar e popularizar muitos dos padrões e estratégias que são vistos atualmente em diversos municípios, como a utilização mista do solo, desenvolvimento orientado ao trânsito, design tradicional de bairro e ruas completas.
Entre os pioneiros dessa linha de pensamento estão arquitetos como Peter Calthorpe, Andres Duany, Elizabeth Moule, Elizabeth Plater-Zyberk, Stefanos Polyzoides e Daniel Salomon, cofundadores do CNU.
Os critérios do novo urbanismo podem ser aplicados tanto na concepção de projetos como na revitalização e preservação de ambientes urbanos. Outra característica fundamental do movimento é a priorização do placemaking e do planejamento de lugares públicos, pensados a partir da perspectiva de como os indivíduos vão usufruí-los e os envolvendo nas decisões.
Outro diferencial em relação ao modernismo é que as vias são desenhadas para as pessoas e não mais focadas nos carros, incluindo outras maneiras de deslocamento, como caminhadas, ciclismo e o transporte coletivo.
Aproximar as residências de facilidades como comércios, cafés e praças é outra meta do novo urbanismo, assim como disponibilizar calçadas melhores e mais seguras e espaços sustentáveis que promovam a interação e a convivência. Essa escola acredita ainda na restauração dos centros urbanos, na reconfiguração de subúrbios extensos em comunidades de bairros variados e na conservação de ambientes naturais. Os esforços dos novos urbanistas têm sido no sentido de voltar a contar com localidades vibrantes.
Há mais de 50 anos, o arquiteto e urbanista dinamarquês Jan Gehl estuda os efeitos nocivos do modernismo nos municípios e defende a adoção de um planejamento urbano que tenha as pessoas em seu centro, que resulte em lugares ao nível dos olhos.
Formado nos anos 1960, foi após se casar com uma psicóloga e ouvir dela e de seus amigos que os profissionais da arquitetura não procuravam entender os indivíduos e nem projetar para eles que Gehl passou a se interessar e pesquisar sobre como as formas de construir localidades refletiam na vida de seus moradores. Dentro desse conceito, ele fundou o Gehl Architects, em 2000, com o intuito de prestar consultoria para empreendimentos focados nos cidadãos e em oferecer espaços mais qualificados.
Com a experiência acumulada durante sua trajetória, o profissional lançou o livro “Cidade Para Pessoas”, em 2010, reunindo suas ideias sobre como desenhar municípios no século 20, disponibilizar lugares agradáveis e acessíveis para caminhar e pedalar e como instalar mobiliário urbano que convide os indivíduos a aproveitá-los e terem uma vida comunitária.
Na publicação, Gehl reforça que as localidades devem ser vivas, seguras, sustentáveis e saudáveis e que a paisagem urbana precisa ser pensada através dos cinco sentidos humanos e experimentada na velocidade de um passeio a pé e não na de um automóvel, ônibus ou trem.
Crítico de cidades ordenadas e com as funções separadas, como a capital brasileira, o arquiteto prioriza em seus complexos o desenvolvimento de bairros de “alta densidade, uso misto, habitáveis, sociáveis, sustentáveis e adaptáveis”, como descreve o site do seu escritório.
Para ele, as estruturas devem também ter a sua mobilidade planejada de maneira holística, integrando distintos modais e dando opções de locomoção de baixo carbono para os cidadãos. A escala humana é assinalada em todas as suas entrevistas, como na participação que fez no TEDx Talks, no qual falou sobre sua visão para criar e revitalizar espaços urbanos e ainda sobre o que chama de “síndrome de Brasília”.
De acordo com o arquiteto, o modernismo durante décadas fez com que os profissionais perdessem a capacidade de desenhar municípios para as pessoas, o que acabou levando ao estabelecimento de localidades grandes, frias e sem vida.
E a capital do Brasil é, segundo Gehl, um marco dessa maneira de edificar. “Brasília é fantástica do avião, do helicóptero, com parques enormes e monumentos, com tudo ordenado e separado. O que não é grande na cidade é como os indivíduos são tratados, em como eles se deslocam e caminham por ela”, disse.
Ele comentou também que os lugares, desde os anos 1960, foram invadidos pelos automóveis, que passaram a guiar a concepção das cidades e que é preciso reverter essa lógica colocando os residentes em destaque no planejamento urbano. Os princípios do profissional já foram implementados em mais de 200 municípios, como Nova York, Moscou, Copenhagen, Londres, Sydney, São Paulo (SP) e Palhoça (SC).
Nos últimos anos, a prefeitura de Paris colocou em evidência o conceito de cidade de 15 minutos ao anunciar a descentralização da capital francesa com a remodelação de bairros e a definição de novas centralidades.
Elaborada pelo pesquisador franco-colombiano e professor associado da Universidade Paris 1 — Panthéon Sorbonne, Carlos Moreno, a abordagem urbanística prevê o desenvolvimento de locais onde as pessoas encontrem tudo o que precisam para o seu dia a dia a uma distância de até um quarto de hora de suas moradias. A ideia reaproxima as habitações do trabalho, do lazer e do comércio, evitando longos trajetos e a perda de tempo.
Em seu site, Moreno detalha que a proposta busca trazer diversidade para os municípios por meio de interações sociais, econômicas e culturais, promover um “adensamento substancial, ao mesmo tempo, em que aumenta os pontos de encontro e convívio públicos e otimizar o leque de serviços através da tecnologia digital e de modelos colaborativos e de partilha, além de transformar as ruas em ambientes de mobilidade sem carbono — a pé ou de bicicleta”. O trabalho do professor é inspirado no pensamento da escritora Jane Jacobs de que o segredo para tornar as cidades em espaços vivos é a proximidade das diversas funções que ocorrem nelas.
Nesse contexto, ele argumenta que as localidades precisam ser redesenhadas para que os cidadãos se reconectem aos seus bairros. “É uma tentativa de transformar a vida em uma escala humana em vez de dividir o ambiente urbano em um tamanho desumano e forçar a nossa adaptação”, ponderou Moreno em sua apresentação no TED Talks.
Quatro pilares fundamentam a teoria do pesquisador: ecologia, proximidade, solidariedade e participação. O objetivo com esses parâmetros é projetar lugares mais sustentáveis e verdes, com curtos deslocamentos entre as múltiplas atividades de seus moradores e possibilitar que vínculos entre vizinhos sejam criados.
Autor do livro “Direito da cidade, da cidade-mundo à cidade do quarto de hora”, Moreno afirma que sua proposta abrange ainda três características: municípios planejados no ritmo dos indivíduos e não dos veículos, cada metro quadrado de uma região deve servir para diferentes tarefas e as áreas devem ser pensadas para evitar locomoções frequentes.
A cidade de 15 minutos é também uma resposta à necessidade de economia de tempo, sugerindo uma velocidade de vida distinta, em que se gaste apenas um quarto de hora para ser realizar atividades comuns da rotina diária. Além do impacto positivo no bem-estar das pessoas, os benefícios abrangem o meio ambiente, com redução da poluição.
Artigo publicado originalmente em Somos Cidade em 24 de março de 2022.
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