Podcast #105 | Arborização urbana
Confira nossa conversa com a engenheira florestal Isabela Guardia sobre arborização urbana.
Frente a uma população que experimenta diariamente maus exemplos de como uma cidade deve operar, alguns paradigmas, fenômenos e medidas dificultam o planejamento e funcionamento de “cidades para pessoas”.
8 de outubro de 2020Viver, trabalhar e experimentar cidades com ruas, centros e parques vibrantes, passeios com dimensões adequadas, transporte público eficiente e um baixo nível de congestionamento são desejos de muitas pessoas ao redor do mundo. Atingir estas condições não é uma tarefa fácil, e cidades que possibilitam tais situações certamente não as obtiveram através de um planejamento orientado ao automóvel.
Frente a uma população que experimenta diariamente maus exemplos de como uma cidade deve operar, alguns paradigmas, fenômenos e medidas dificultam o planejamento e funcionamento de “cidades para pessoas”.
O termo “cidades para pessoas” tem relação direta com a obra Cities for People de Jan Gehl, onde o autor caracteriza diversas maneiras e soluções para uma cidade ser viva, segura, sustentável e saudável. Em suma, “cidades para pessoas” refere-se a contextos onde o pedestre é visto como o elemento principal para o planejamento e desenvolvimento urbano da localidade.
Uma parcela significativa responsável pela manutenção de maus exemplos pertence a governantes, formuladores de políticas e planejadores urbanos que ainda se baseiam num planejamento de transporte ultrapassado (paradigma predict and provide, ou “prever e prover”).
O planejamento de transporte orientado ao automóvel está diretamente ligado ao conceito car dependency, a dependência ao automóvel, representado por um desenho urbano que prioriza os carros em relação aos modos alternativos (transporte coletivo e modos ativos). Com isto, centros urbanos, áreas periféricas, cidades de médio e pequeno porte continuam a “oferecer” experiências desagradáveis diariamente aos seus cidadãos gerando inúmeros problemas para que os próprios responsáveis (como do setor de planejamento de transporte) possam corrigir.
São abundantes os problemas gerados pela disponibilização de uma quantidade significativa de área do espaço público ao automóvel. O congestionamento é um dos principais e está diretamente ligado a questões sociais, econômicas, ambientais e políticas. O tempo desperdiçado principalmente no deslocamento habitual (casa–trabalho), o estresse diário, os investimentos públicos equivocados em infraestrutura, a emissão de gases poluentes, doenças respiratórias e antecipação de milhares de mortes nas grandes cidades são apenas alguns dos distúrbios ocasionados por um planejamento urbano orientado ao automóvel.
Além dos problemas caracterizados anteriormente, a urbanização e espraiamento urbano também são pontos importantes para demonstrar porque cidades enfrentam tantos distúrbios no âmbito da mobilidade, acessibilidade, gerenciamento do espaço público e no empobrecimento da paisagem urbana.
Evidentemente, quando menciono a urbanização como um problema, me refiro à urbanização apoiada por um planejamento ortodoxo incapaz de entender e atender às reais necessidades da população.
A suburbanização já é uma questão onde os pontos negativos sobressaem-se explicitamente através da inviabilidade da diversidade urbana por meio de áreas monofuncionais, do estímulo à segregação social urbana e pela intensificação de problemas de mobilidade. A importância de regiões metropolitanas com alta densidade populacional é essencial para que alguns fenômenos comecem a ser mitigados. Entretanto, a alta densidade populacional não é capaz de resolver sozinha os problemas. No contexto brasileiro — país com distâncias continentais —, mesmo em diferentes estados, as experiências urbanas, em geral, são idênticas: o choque de cultura raramente acontece e as pessoas não distinguem como uma cidade pode funcionar sem ser refém do carro.
Outra fração responsável pela dificuldade de planejar “cidades para pessoas” é atribuída às pessoas que já têm a preferência pelo carro, que resistem e/ou não têm a intenção de mudar. Claramente os diversos fenômenos, paradigmas e medidas previamente citados impulsionam diariamente a manutenção dessas preferências menos sustentáveis.
Dentre as cidades que enfrentam problemas de desigualdade espacial entre o carro e pedestre, o entendimento por parte da população de que o veículo privado é o meio de locomoção mais adequado é assustador. Estes usuários desconhecem o poder que tanto o transporte coletivo como os modos ativos de transporte podem desempenhar na vida urbana. A crença de que o aumento e o alargamento de vias são a solução para os problemas de mobilidade — infelizmente — é uma verdade absoluta para muitos destes indivíduos.
Outra questão encontrada frequentemente é o transporte coletivo sendo sinônimo de transporte para pobres, assim como relatos de alguns usuários trabalharem e/ou fazerem hora extra para comprar um carro e deixar de usar o transporte coletivo. Em contextos que predominam estes pensamentos, o transporte coletivo não consegue ser atrativo e dispõe de baixa qualidade no nível de serviço e de conforto, em um ciclo retroativo negativo.
A população mais pobre, geralmente a que mais utiliza transporte coletivo em países subdesenvolvidos, bem como os responsáveis pela sua manutenção e existência, infelizmente não tem poder aquisitivo para experimentarem bons exemplos em cidades como Amsterdã, Hamburgo, Barcelona e Copenhague e certificarem-se como estes hábitos são acertados e importantes a serem mantidos para o desenvolvimento sustentável de uma cidade.
Já pessoas que têm a oportunidade e a disponibilidade de experimentarem bons exemplos e mesmo assim continuam com preferências pelo carro podem ser divididas em dois grupos: usuários que querem mudar seus hábitos para deslocamentos mais sustentáveis e se deparam com a falta de infraestrutura, frustração e desapontamento para realização de tal atividade, e usuários que resistem a mudança de hábito, acreditando que bons exemplos são exclusivos de determinadas localidades e/ou reivindicam equivocadamente soluções imediatas como metrô e VLT — sem avaliar a viabilidade econômica desses modos assim como a dificuldade para implementação.
Em virtude da dependência do automóvel ainda presente em muitas cidades ao redor do mundo, os maus exemplos cotidianos parecem estar longes de desaparecer, consequentemente inviabilizando as “cidades para pessoas”. Por fim, mesmo com algumas cidades mobilizando-se através de planos e estratégias para fornecer infraestrutura a pedestres, usuários de micromobilidade e transporte coletivo, a falta de convicção por parte de diversos governantes e planejadores urbanos para restringir ou, pelo menos, diminuir o incentivo aos veículos privados, apresenta-se ainda como o fator crucial para ocorrer mudanças capazes de alterar paradigmas.
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COMENTÁRIOS
Quando li sobre “frustação” das pessoas com o transporte de massa ao tentar usá-lo ou a falta de vontade de mudar seus hábitos fiquei pensando: certo, mas as pessoas que tem certa condição financeira que moram afastadas do centro não irão nem mesmo tentar usar esses transportes enquanto eles não oferecerem vantagens para elas.
Afinal de contas, ao menos aqui em Brasília, em média se demora o dobro do tempo para ir à qualquer lugar de transporte coletivo seja ele qual for. (E isso, entre super lotação e mal atendimento fazem com que a prioridade primeira de pessoas de TODAS as rendas aqui seja o seu “carrinho”)
Ao mesmo tempo, a falta de manutenção e aprimoramento desses meios pelo estado e ainda mais grave, a excessiva regulação desses serviços vinculados à uma barreira de entrada gigantesca e o monopólio criado por esse mesmo estado nunca deixarão que esses problemas sejam resolvidos.
A exemplo, todas as empresas de bicicletas, patinetes, caronas, carro compartilhado que já deixaram de funcionar por perseguição estatal. Empresas que estavam solucionando o microdeslocamento, que estavam diminuindo a necessidade de estacionamentos nos centros…
Fora desses empreendimentos grandes, pegar uma vã, mesmo com todos os documentos e manutenções em dia e fazer transporte, que seja em áreas que são deficitárias, é crime. Onde moro, uma área nobre de Brasília, as pessoas são obrigadas a caminhar até 5km até a parada de ônibus mais próxima porque só há 1 ônibus que só passa 1 vez por dia. E isso se repete em bairros pobres e ricos da cidade. Não é “privilégio” de ninguém.
Como resolver os problemas de deslocamento com o estado agindo como âncora a cada passo? Querer que todas as pessoas morem em cubículos no centro ou que as cidades se dividam em vários pequenos centros como propunham várias propostas modernistas simplesmente “não vai rolar”.
Olá Luiz Felipe, agradeço o interesse no tema e os argumentos citados. Referente à frustração, diz respeito também aos veículos de micromobilidade, não restringindo-se apenas ao transporte coletivo. A falta de infraestrutura e um nível de serviço deficitário só aumentam o desinteresse e a vontade dos cidadãos pela utilização dos meios de transporte anteriormente citados. Assim, a população tende a utilizá-los – infelizmente – somente por necessidade. Brasília com certeza não é a única a sofrer deste problema.
No momento não tenho dados e informações atualizadas sobre os distúrbios que Brasília enfrenta diariamente, no entanto, alguns paradigmas e fenômenos não são específicos de uma localização ou tão difíceis de entender. Levando em consideração seus argumentos – sobre os obstáculos impostos pelo setor público –, é realmente lamentável e ao que tudo indica, será difícil abreviar esta questão tão cedo. Eu parto sempre do princípio de que o setor público (governantes, planejadores urbanos e formuladores de políticas) é o maior interessado no estímulo e desenvolvimento do transporte coletivo e dos modos ativos, bem como da restrição de veículos privados. Entretanto, é perceptível a permanência de um planejamento orientado aos automóveis em muitos centros urbanos. Promover acessibilidade aos cidadãos independentemente da localização e rendimento é primordial, visto que o transporte público é uma maneira real de fomentar equidade na vida urbana. Além disso, benefícios econômicos, sociais e ambientais são reais.
A respeito das suas perguntas, o desenho, zoneamento, implantação e a forma como decorreu a expansão urbana de Brasília explicam muito dos distúrbios encontrados. Quando entramos no mérito do fácil acesso das zonas periféricas até o centro, ou vice-versa por meio do carro em comparação ao transporte coletivo, os fenômenos causados pelo espraiamento urbano começam a manifestarem-se. E quando a cidade tem uma infraestrutura que estimula e “convida” o deslocamento por meio de veículos privados, realmente é muito pior. O Plano elaborado para a região metropolitana de Copenhague (The Finger Plan) demonstra muito bem como um planejamento correto da expansão urbana gera acessibilidade aos cidadãos por meio do transporte coletivo em áreas periféricas. Além deste plano, indico a visualização de políticas e projetos de Desenvolvimento Orientado ao Transporte Sustentável (DOTS) para perceber que não necessariamente as cidades precisam restringirem-se à habitação em áreas centrais. Entretanto, estes projetos requerem planejamento, organização e alta densidade populacional ao longo dos eixos para que o transporte coletivo seja atrativo, efetivo (nível de serviço) e viável economicamente.
Por fim, se o setor público não estiver interessado em promover mudanças, reformulando suas políticas e ações, problemas como a falta de serviço decente ao cidadão em zonas periféricas permanecerão e cada vez mais pessoas irão comprar carros, não trocando 20/30 minutos de viagem por 60 via transporte coletivo – mesmo sabendo dos impactos causados pelo carro. Manifestações e protestos são ferramentas importantes para gerar – se não mudanças – ao menos atenção dos órgãos responsáveis. A busca por “vozes importantes” como líderes comunitários, políticos e profissionais notáveis apoiados pela mídia, seguramente darão respaldo as reivindicações. Além disso, a necessidade de exibir dados, imagens e relatos que comprovem as adversidades da população, sustentarão ainda mais a indispensabilidade de haver mudanças.