Conheça o ART, o novo transporte coletivo sem motorista
Imagem: N509FZ/Wikipedia.

Conheça o ART, o novo transporte coletivo sem motorista

Ao consolidar as vantagens do BRT e do LRT em um único sistema, o Autonomous Rail Transit (ART) se apresenta como uma nova solução disruptiva para a mobilidade urbana.

3 de maio de 2021

Um século de política de transporte orientada para o automóvel deixou um legado no desenho urbano voltado para a priorização da infraestrutura viária e, com isso, os espaços públicos e as dimensões das calçadas foram diminuídos, a largura das vias foi ampliada para acomodar os veículos e a capacidade de deslocamento dos pedestres tornou-se difícil e perigosa. A ascensão do automóvel ofereceu mobilidade, conforto, conveniência e privacidade sem precedentes, simbolizando modernidade, progresso, poder e liberdade. No entanto, à medida que o automóvel se tornou onipresente, mostrou-se ineficiente por transportar, em média, 1,3 passageiros por veículo, provocando congestionamento, poluição atmosférica e sonora.

Atualmente, a perspectiva de uma mudança generalizada para o veículo sem motorista e demais tecnologias disruptivas voltadas à mobilidade urbana vem na mesma direção de progressos sem precedentes voltados a uma mobilidade urbana mais sustentável, como sendo essencial para a atratividade da cidade e para uma melhor qualidade de vida no ambiente urbano.

Para a área de transporte especificamente, a inovação no setor automotivo trouxe grandes avanços tecnológicos, proporcionando veículos mais seguros e econômicos. Porém, desde que Henry Ford introduziu a linha de montagem, as mudanças foram incrementais, evolutivas. Mais recentemente, nos últimos vinte anos, as ferramentas digitais alteraram a forma como as pessoas interagem entre si, baseadas em tecnologias de redes, sensores, comunicação móvel e informações em tempo real. Agora, estas tecnologias estão ingressando na área de transporte e no espaço urbano, onde tem-se o potencial de uma remodelação na forma como ocorre a interação com as novas tecnologias e com o futuro desenho das cidades. 

Sobre as novas tecnologias relacionadas ao transporte coletivo, foi desenvolvido um sistema diferente do Bus Rapid Transit (BRT) e do Light Rail Transit (LRT), chamado Autonomous Rail Transit (ART), que dispensa a utilização de trilhos e, apesar do ART conter o termo rail, trata-se de veículos sobre pneus. O ART é um sistema muito recente, provido de orientação óptica autônoma, com circulação segregada e programado para se mover nas ruas com alta precisão. O ART pode evitar os principais contrapontos do LRT, quanto ao custo e interrupção do serviço, e potencializar a vantagem do BRT, quanto à realocação do espaço viário existente para o seu uso, reduzindo o tempo de introdução do sistema. O ART já está em uso, por exemplo, na província de Hunan, no sul da China.

Tem sido objeto de abordagens constantes a relação entre as características do sistema Bus Rapid Transit (BRT) e do Light Rail Transit (LRT), em que alguns trabalhos mencionam que o LRT tem um potencial maior de minimizar o congestionamento do que o BRT, uma vez que o LRT pode atrair com maior intensidade as pessoas que utilizam automóveis em seus deslocamentos, devido à imagem que este sistema transmite quanto ao conforto, aos trens modernos e às estações normalmente localizadas próximas aos pontos de interesse, como centros comerciais.

Um dos principais contrapontos do LRT é que o sistema operacional é mais vulnerável, podendo haver interrupção na prestação do serviço, como em virtude de problemas técnicos. O BRT, neste caso, é capaz de contornar o problema, com a substituição do veículo que, porventura, apresentar avarias.

Também ocorre a abordagem de que existe um senso de condicionamento às preferências modais para o LRT sem uma avaliação dos benefícios equivalentes do BRT, frequentemente menos favorecido. Os autores relatam que existe a associação de ônibus com elementos negativos, como ruído, poluição, congestionamento em tráfego misto — ônibus e demais veículos, e à qualidade do nível de serviço.

A questão sobre qual dos dois sistemas é mais adequado — BRT ou LRT, depende das características de cada cidade, como população e demanda. Estudos apontam que o BRT apresenta uma oportunidade de investimento em cidades com até 1 milhão de habitantes, em países desenvolvidos ou em desenvolvimento.

Como vantagens em relação ao LRT, o BRT pode ser introduzido em um período menor, permite uma melhor correspondência da oferta com a demanda, podendo ser ajustada ao longo do dia, de acordo com a necessidade, e tem custo de introdução menor do que o LRT. 

Quanto ao custo de introdução do BRT, tem-se o custo das vias, as quais podem ser criadas pela realocação do espaço viário existente, bem como o custo das instalações de embarque e desembarque, além dos custos envolvendo sistemas de comunicação e sinais de trânsito.

Quanto ao custo de introdução do LRT, tem-se o custo das estruturas e das estações, bem como o custo dos sistemas de sinalização e de possíveis desapropriações, possuindo um custo maior de introdução do que o BRT.

Quanto ao custo operacional, é ressaltado que há uma grande variação nos resultados, que dependem da demanda, da taxa de ocupação, da capacidade dos veículos/composições, dificultando a comparação entre os dois sistemas. 

Com isso, tem-se que o BRT tende a apresentar o custo de investimento/km inferior ao LRT, porém os estudos pesquisados não apresentam uma definição precisa sobre as vantagens dos sistemas em relação aos custos operacionais.

Diversas cidades têm adotado estes sistemas, cada uma com as suas particularidades, os quais são considerados satisfatórios, como Curitiba, no Brasil, Bogotá, na Colômbia, e Ottawa, no Canadá, com a adoção de BRT; Viena, na Áustria, Praga, na República Tcheca, e São Petersburgo, na Rússia, com a adoção de LRT.

Pelo exposto, é possível aferir que o ART consegue consolidar as vantagens do BRT e do LRT em um único sistema, ressaltando-se: a) velocidade e capacidade, bem como qualidade da viagem e potencial de desenvolvimento do solo similares ao LRT; b) custo e tempo de introdução similares aos do BRT; c) menor possibilidade de interrupção dos serviços locais e menor impacto na economia durante as obras de introdução se comparadas com o BRT e o LRT.

A pesquisa, proveniente da tese de doutorado, realizou alguns cenários projetuais do sistema ART para a cidade de São Paulo, como uma nova tecnologia para o transporte coletivo. A proposta abrange a inclusão de ART na Avenida 23 de Maio, em substituição às faixas de ônibus atuais, visando integrar o corredor norte-sul da cidade (Avenida Tiradentes até o aeroporto de Congonhas) com alguns viadutos existentes, priorizando os que já possuem estações de metrô (linhas 1 – Azul e 5 – Lilás) e os que possuem projetos de estações em suas proximidades (linhas 6 – Laranja e 17 – Ouro).

A Figura 1 ilustra a situação atual e o cenário projetual da Avenida 23 de Maio. A proposta também contempla a ampliação do canteiro central e possibilita a integração das estações de ART com ciclovias existentes e com os viadutos; sendo estas estações dotadas de elevadores, escadas rolantes e iluminação adequada para as pessoas. As Figuras 2 e 3 ilustram as propostas.

Figura 1 – Situação atual e cenário projetual da Avenida 23 de Maio.
Figura 2 – Proposta de desenho urbano da Avenida 23 de Maio.
*Com área de embarque e desembarque para os veículos sem motorista e conexão com percursos de pedestres e transporte cicloviário.
Figura 3 – Proposta de desenho urbano da Avenida 23 de Maio.

Esta via foi selecionada devido às suas características, que possuem representatividade para o redesenho urbano, como quanto à vegetação urbana, à acessibilidade dos pedestres ao ART, à quantidade de vias, à proximidade com o sistema de transporte coletivo, bem como com o transporte cicloviário. A seleção da via também foi importante, não somente para efetuar o teste quanto ao redesenho urbano, mas para constatar que as propostas apresentadas para a via selecionada possam ser aplicadas nas demais vias com perfil semelhante, dentro da mesma classificação viária. 

Com isto, dentro de uma abordagem mais ampla, tem-se que é alta a possibilidade de replicar as propostas em outras grandes aglomerações urbanas, desde que respeitadas as suas particularidades, podendo contribuir para outros estudos e planos urbanísticos, não somente da cidade de São Paulo, que visem equacionar a incorporação das tecnologias disruptivas na mobilidade urbana e seus impactos no desenho urbano. 

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