Não devemos planejar as cidades para carros autônomos
Imagem: Grendelkhan/Wikimedia.

Não devemos planejar as cidades para carros autônomos

Carros que se dirigem sozinhos estão ganhando cada vez mais espaço. Entretanto, apressar-se para planejar as cidades para carros autônomos pode ser um erro.

15 de maio de 2018

A empresa de veículos autônomos Waymo começou a testar carros não-tripulados. Enquanto a Waymo está ocupada criando sistemas de sensores que permitem que carros dirijam de forma segura em infraestruturas urbanas já existentes, algumas cidades estão fazendo planos de construir “ruas inteligentes” que transmitem informações sobre as vias e potenciais perigos aos veículos autônomos. A história americana de infraestrutura carrocêntrica demonstra que construir infraestrutura para veículos autônomos pode ter consequências negativas duradouras.

Os carros da Waymo dependem de mapas detalhados e sensores que “enxergam” o mundo ao seu redor para seguir trajetos e evitar colisões. Mesmo que já tenha alcançado um bom nível de segurança, esses sensores continuam imperfeitos. Como aponta Tim Lee, existem razões pelas quais Waymou escolheu a cidade de Chandler, nos Estados Unidos, para os testes: a cidade é ensolarada, tem ruas largas e muito pouco tráfego de pedestres. Veículos totalmente autônomos precisarão de sensores ainda melhores que os disponíveis hoje em dia para conduzir de maneira segura em condições de neve e em ruas menos tradicionais, que podem confundir os sensores dos veículos.

Alguns analistas defendem a criação de ruas e cruzamentos ‘inteligentes’, providenciados pelo poder público, que limitariam a necessidade de sensores embutidos nos carros autônomos e, talvez, antecipariam a adoção da tecnologia em larga escala. Meu colega Brent Skorup tem a seguinte visão:

“Sensores embutidos no carro muitas vezes ficam confusos com mudanças na via (transição de chão batido para paralelepídeos ou asfalto, por exemplo), edifícios que refletem luz, pontes, e até mesmo pelo clima. Sensores nas ruas não apenas podem mitigar esses problemas, como também reduzir a carga de informação dos sistemas dos carros, porque o veículo passa a ter menos decisões a tomar.”

“Existe uma maneira de levar essa informação a veículos de maneira rápida e precisa. Assim como legisladores e urbanistas começaram a asfaltar ruas, instalar limites de velocidade e criar regras de zoneamento para acomodar os carros de Henry Ford, nós precisamos desenhar vias e infraestruturas para a primeira geração de veículos autônomos.”

A cidade de Atlanta, nos Estados Unidos, recentemente revelou um “corredor inteligente” que entrega informações sobre o meio aos carros. O plano é que linhas de ônibus sem motoristas eventualmente levem passageiros por esse corredor. Cidades estão apenas começando a apresentar suas propostas de infraestrutura desenhada para veículos autônomos, mas nos últimos dois anos os engenheiros da Waymo conseguiram aumentar em três vezes a distância que seus sensores podem enxergar, e reduziram o custo desses sensores em 90%.


Ao invés de seguir novas tendências de transporte, urbanistas podem focar em iniciativas centradas em pessoas, e deixar que aqueles que desenham os veículos autônomos trabalhem dentro das suas limitações.


Até o dia em que ônibus autônomos completarem seus testes nos corredores inteligentes de Atlanta, táxis autônomos que não dependem de qualquer infraestrutura específica talvez já sejam uma cena comum em Phoenix. Os modelos anteriores de veículos autônomos do Google já registraram milhões de quilômetros em diversas cidades dos Estados Unidos.

O rápido avanço dos sensores mostra que as tecnologias que fazem dos veículos autônomos uma realidade viável vão ser atualizadas constantemente em um mercado competitivo. O atraso entre a proposta de lei, a votação e a implementação de projetos públicos significa que a tecnologia de ruas “inteligentes” vai provavelmente estar obsoleta no momento em que as administrações das cidades as implementarem.

Carros autônomos provavelmente se sairão melhor dependendo deles mesmos do que de infraestruturas fixas. Quando veículos autônomos formarem uma parcela maior do tráfego, eles já serão capazes de obter informações extremamente detalhadas das vias urbanas em tempo real. Cada membro da rede vai se beneficiar da informação providenciada por outros veículos, e provavelmente providenciará seus próprios dados em troca do acesso a essa rede.

Aqueles que apoiam o investimento em ruas inteligentes têm observado que veículos autônomos que dependem de mapas não funcionam tão bem em subúrbios com menor tráfego e em áreas rurais. Eles estão certos, mas nós devemos aprender com a desastrosa história americana de subsidiar subúrbios em detrimento das áreas urbanas. Se os governos das cidades tiverem sucesso em criar infraestrutura que beneficiem veículos autônomos, eles passarão a considerar parte do seu trabalho planejar onde e como pessoas vão fazer suas decisões com essa nova tecnologia. A tecnologia atual pode permitir que veículos autônomos funcionem melhor em áreas urbanas muito frequentadas, mas deve ser papel dos empreendedores superar esses desafios em locais com menos tráfego, ou residentes de regiões suburbanas e rurais terão que suportar os custos — ou colher os benefícios — de suas decisões de estilo de vida.

Da mesma maneira, investimento público em ruas inteligentes terão suas próprias consequências não intencionais que legisladores dificilmente conseguirão prever, ou mesmo lidar depois que elas aparecerem. Se legisladores pensam que infraestrutura extra é necessária para que veículos autônomos funcionem eficientemente, o ideal é permitir que empresas concorrentes instalem essa infraestrutura elas mesmas, com dinheiro dos seus bolsos. Isso evitaria a instalação de tecnologia ultrapassada, e aumentaria as chances de consumidores e empresas de veículos autônomos de internalizarem os custos com transporte — custos estes que um fornecimento público iria impor ao público geral.

Aqueles que apoiam as ruas inteligentes têm argumentado em favor do seu uso para implementar taxas de congestionamento baseadas na demanda, otimizar eficiência em cruzamentos, e definir percursos de veículos pelas cidades mais rapidamente. Mas existem poucos motivos para imaginar que prefeituras colocariam isso tudo em prática. Taxas de congestionamento têm se mostrado uma decisão politicamente arriscadas. Líderes em São Francisco e Washington têm decidido segurar a ativação total dos sistemas de cobrança inteligente (com base em oferta e demanda) por estacionamento por medo das implicações políticas dessas medidas.

Ao invés de esperar que prefeituras implementem taxas de congestionamento para carros autônomos, empresas de táxis autônomos podem estar em uma posição melhor de internalizar custos de congestionamento e cobrar por isso. Juntando isso a seu sistema de preços, os veículos em rede vão permitir que seus passageiros cooperem e alcancem seus destinos de maneira mais rápida e segura.

Ao invés de seguir novas tendências de transporte, urbanistas podem focar em iniciativas centradas em pessoas, e deixar que aqueles que desenham os veículos autônomos trabalhem dentro das suas limitações. O rápido progresso da Waymo em produzir sensores melhores a custos menores mostra que os desafios tecnológicos que ainda restam aos veículos autônomos serão superáveis em um curto período de tempo.

Enquanto esses desafios ainda existem, os maiores obstáculos para a adoção difundida dos veículos autônomos serão legais e culturais. Motoristas, pedestres e ciclistas não seguem a lei 100% do tempo — eles seguem normas que geralmente permitem que pessoas cheguem onde querem chegar de maneira segura. Policiais e juízes impõem suas regras com essas normas em mente. Veículos autônomos, no entanto, seguirão 100% da sua programação. Um carro autônomo vai respeitar o limite de 40km/h em uma avenida larga, enquanto veículos dirigidos por humanos ao redor dele vão seguir a 80km/h. Assim que veículos autônomos se tornarem maioria, pedestres vão saber que eles podem atravessar tranquilamente na frente deles — legalmente ou não. Regras existentes precisarão ser alteradas para melhor refletir práticas de direção, para que veículos autônomos possam coexistir com motoristas humanos.

O lançamento da Waymo mostrou que um ambiente político de inovação sem necessidade de permissão é a única condição necessária para a adoção de veículos autônomos. Cidades podem acomodar melhor a iminente revolução no transporte ao colocar nas mãos das empresas de tecnologia a responsabilidade de encontrar maneiras de fazer seus produtos funcionarem com a infraestrutura existente, e permitindo que cidades cresçam organicamente enquanto tecnologias evoluem.

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