O que o Parque Ibirapuera em São Paulo tem a ver com o Nobel de Economia?
Na perspectiva do desenvolvimento econômico, vemos que alguns aspectos da configuração urbana de São Paulo são excludentes.
É possível — ou desejável — limitar os deslocamentos em uma metrópole a viagens a pé de menos de 15 minutos para todas as necessidades diárias, incluindo o trajeto casa–trabalho?
27 de junho de 2021A Cidade de 15 minutos surge em um contexto onde prefeitos e urbanistas estão constantemente em busca de novos slogans para demonstrar sua criatividade. Os prefeitos agora devem ter uma “visão”, ao invés de simplesmente serem clarividentes e bons gestores do capital representado pela infraestrutura e amenidades urbanas.
Essa confusão é muitas vezes promovida pelos urbanistas que consideram a cidade um objeto que deve ser planejado de antemão por brilhantes especialistas, imposto em nome da eficiência aos habitantes que, por sua vez, não têm nem visão, nem genialidade.
Nos últimos anos, a visão dos prefeitos foi expressa através de termos que mudam conforme a moda: desenvolvimento sustentável, cidade inteligente, cidade resiliente, cidade habitável e, mais recentemente, a cidade pós-pandêmica.
Esses slogans tinham a vantagem de ter uma conotação positiva sem incorrer em uma obrigação quantificável por parte do político. Ninguém pode ser contra o desenvolvimento sustentável ou a cidade inteligente. Mas não existe indicador para provar que uma política urbana garanta o desenvolvimento sustentável mais do que outra. Assim, iniciativas que tendem a aumentar a densidade urbana ou a reduzi-la podem ser facilmente justificadas em nome do desenvolvimento sustentável, da habitabilidade ou da resiliência.
Devemos, portanto, saudar a inovação vinda do município de Paris que, ao promover a Cidade de 15 minutos, oferece uma “visão” que contém o seu próprio indicador de desempenho. Carlos Moreno, que se define como “professor de Universidades, especialista em cidade”, é a inspiração e o principal promotor da Cidade de 15 minutos, que se tornou a política oficial da prefeita de Paris, Anne Hidalgo, desde a sua campanha de reeleição em março de 2020.
Em que consiste a Cidade de 15 minutos? Carlos Moreno define isso claramente em sua palestra TED de outubro de 2020: “Como podemos fazer isso? A primeira cidade a adotar a Cidade de 15 minutos foi Paris. A prefeita Anne Hidalgo sugeriu um ‘big bang de proximidade’ que inclui, por exemplo, uma descentralização massiva, o desenvolvimento de novos serviços para cada bairro.”
O município de Paris, com 2,18 milhões de habitantes, é o único afetado por esta política da Cidade de 15 minutos. O município constitui a parte central de uma metrópole de 12 milhões de habitantes.
Portanto, aqui está o problema. Em uma metrópole de 12 milhões de habitantes, é possível — ou desejável — limitar seus deslocamentos a viagens a pé de menos de 15 minutos para todas as necessidades diárias, incluindo o trajeto casa–trabalho?
E se os parisienses não limitarem suas viagens diárias a 15 minutos a pé, haveria assim uma falta de acesso a comércio, serviços e empregos? Ou seria uma escolha que expressa prioridades diferentes das promovidas pela prefeita de Paris?
Iremos, portanto, avaliar a acessibilidade atual dos comércios de alimentos, creches e escolas de ensino fundamental e de empregos. E, em seguida, comparar essa acessibilidade com a meta de no máximo 15 minutos de caminhada.
Se acharmos que existe uma grande diferença entre a meta e o tempo de viagem atual, questionaremos as medidas que o município de Paris pode tomar para cumprir esses objetivos de campanha. Sem dúvida, será necessária imaginação ou talvez um golpe de estado municipal, já que negócios, serviços e empregos dependem da oferta e da demanda. Um município não pode criar uma padaria ou um bar, apenas impedir, através de leis, que sejam criados.
Uma pessoa que se desloca por Paris a pé anda a uma velocidade média de cerca de 4,5 quilômetros por hora. Nessa velocidade, ela cobre uma distância de 1.125 metros em 15 minutos.
Para cumprir os objetivos traçados por Moreno, é necessário, assim, que os estabelecimentos que atendem as necessidades do dia a dia e os empregos de uma família parisiense estejam a um raio de 1.125 metros de cada residência. Ou seja, teoricamente, dentro de um círculo com raio de 1.125 metros, portanto, com uma área de 398 hectares. Na realidade, se considerarmos o traçado das ruas de Paris, o acesso de 15 minutos se reduz a um polígono de cerca de 300 hectares (Figura 1).
Na escala de Paris, um polígono de 300 hectares representa 3,4% da área habitada do município de Paris (Figura 2). A proposta de Carlos Moreno, portanto, equivale a sugerir que cada família parisiense viva em uma quase-autarquia de apenas 3,4% do território municipal!
Vamos ver quantas empresas, serviços e empregos estão disponíveis hoje em uma área limitada a 300 hectares.
Vamos examinar as rotas definidas pelo professor Moreno para “acessar a alimentação e educação”. A maioria das lojas — mercearias, padarias, bares, restaurantes — que dão acesso aos alimentos é privada. Seu tamanho e localização, portanto, dependem da oferta e da demanda por esses serviços. O município não tem meios legais para criar e administrar uma padaria, por exemplo, em um determinado local. O número de lojas de alimentos dentro de um perímetro de 300 hectares, correspondente a uma caminhada de 15 minutos, depende, portanto, da densidade da população neste perímetro, e do mercado correspondente desta demanda potencial.
A densidade média da área habitada de Paris (256 habitantes por hectare) implica uma população de aproximadamente 77.000 habitantes em um perímetro de 300 hectares. É do tamanho de uma pequena cidade. Portanto, podemos deduzir que, dentro do município de Paris, a densidade residencial é tal que uma grande variedade de empresas podem ser estabelecidas para atender esta população a uma distância de caminhada de 15 minutos.
Estudos realizados pela APUR em lojas parisienses confirmam que dentro de um polígono correspondente a uma caminhada de 15 minutos, há uma média de 59 padarias e 197 lojas de alimentos (Figura 3). O banco de dados da APUR também tem uma lista dos restaurantes em Paris. A densidade de restaurantes em Paris permite o acesso a pé a uma ampla variedade de estabelecimentos.
Portanto, não é essencial “redesenhar” a cidade de Paris para garantir o acesso à alimentação em menos de 15 minutos a pé. O professor Moreno gostaria de inventar um novo urbanismo “onde as pessoas podem realmente se encontrar e caminhar até a padaria”?
Boas notícias, esta cidade já existe, é Paris! A abundância e variedade de padarias não se deve a um planejamento municipal meticuloso, mas a mecanismos de mercado. Se um dia os parisienses preferissem o arenque aos croissants para o café da manhã, o mercado se ajustaria e os comerciantes de arenque substituiriam gradualmente as padarias.
As escolas públicas, creches e outros serviços públicos também estão vinculados à demografia da população atendida e devem atender aos padrões estabelecidos pelo Ministério da Educação Nacional. A reitoria, representante do estado em Paris, decide sobre a abertura ou encerramento de classes para as escolas públicas.
O mapa da Figura 4 mostra a distribuição de creches e escolas de ensino fundamental em Paris. Sua distribuição geográfica reflete a demografia — incluindo o número de crianças em idade escolar, de diferentes arrondissements, que chamaremos aqui simplesmente de “distritos”.
A reitoria sempre esteve particularmente atenta à acessibilidade das escolas e ajusta constantemente o seu número para refletir o rejuvenescimento ou envelhecimento da população dos vários distritos de Paris. Assim, entre 2015 e 2018, doze escolas tiveram que ser fechadas e cinco novas escolas foram abertas em diferentes distritos. A demografia dos diferentes distritos de Paris não é homogênea, a população de alguns está envelhecendo, outros estão ficando mais jovens. Um excelente artigo publicado no Le Monde em 2019 mostrou o problema demográfico que a educação enfrenta em Paris.
Se a população continuar envelhecendo, o número de escolas diminuirá, tornando-as menos acessíveis. No entanto, podemos ver no mapa da Figura 4 que em todos os distritos de Paris, creches e escolas primárias são acessíveis em 15 minutos a pé de qualquer ponto do município. Um número significativo de alunos também frequenta colégios privados, aumentando a densidade na cidade e, consequentemente, a sua acessibilidade. Portanto, não há necessidade de “redesenhar” a cidade para garantir acesso à educação em menos de 15 minutos. Um corpo de funcionários competentes garante um equilíbrio ideal entre sua acessibilidade e sua viabilidade pedagógica quando a demografia de um bairro muda.
Os critérios de Carlos Moreno, portanto, não são revolucionários para a cidade de Paris em termos de proximidade com comércio e serviços diários. A alta densidade de Paris e a ausência de zoneamento de usos separando funções permitem, de fato, essa proximidade. O mesmo não aconteceria nos subúrbios parisienses, onde as densidades são muito mais baixas e as lojas são menos uniformemente distribuídas na área construída.
Carlos Moreno também fala em redistribuir geograficamente os estabelecimentos culturais: artes visuais, teatros e shows. Ele recomenda reutilizar as escolas como centros comunitários e culturais fora do horário escolar. Parece mais problemático. Ele diz que quer fazer da escola o principal ponto de atração dos distritos.
Quantos parisienses preferem assistir a um concerto, balé ou ópera em uma escola do bairro, em vez de ir à Ópera Garnier, à Bastilha ou ao Bataclan? O grande número de salas de espetáculos em Paris, facilmente acessíveis por redes de metrô e ônibus, oferece uma escolha de shows de qualidade internacional. Devemos substituir esses prestigiosos estabelecimentos por espetáculos de bairro para ter a satisfação de passear por ali e economizar cerca de vinte minutos no tempo de transporte? Se fôssemos promover uma política de acesso a equipamentos culturais, seria mais racional promover um transporte mais rápido para os principais centros culturais de Paris, como museus e teatros, em vez de atomizar esses centros dispersando seus shows e exposições nas escolas dos distritos.
A oferta de empregos a menos de 15 minutos a pé de casa é um problema em uma escala diferente daquela de comércio, serviços e educação.
Na verdade, enquanto estes últimos já estão amplamente acessíveis em menos de 15 minutos, o mesmo não acontece com os empregos. As estatísticas da IAU Île-de-France sobre a duração das viagens de casa para o trabalho (Figura 5) mostram que apenas 12% da população ativa parisiense consegue chegar ao trabalho em menos de 15 minutos. Esta é uma estatística pré-pandemia e inclui aqueles que trabalham em casa. As viagens diárias entre casa e trabalho de 55% dos parisienses com trabalho excedem 30 minutos.
É certo que a maioria dos passageiros prefere viagens mais curtas. Será que as regulamentações de planejamento urbano que impedem a criação de empregos em Paris são responsáveis por esses longos deslocamentos de casa para o trabalho? Ou será que os parisienses que trabalham acabam fazendo uma opção equilibrada entre o tempo de viagem e a qualidade do trabalho?
Existem 1,8 milhões de empregos em Paris para apenas 1 milhão de trabalhadores. Estas vagas estão aproximadamente distribuídas em todos os distritos, exceto no 12.º e 16.º, que têm uma densidade de empregos de menos de 100 por hectare. Os distritos mais acessíveis por transporte público têm densidades de empregos acima de 250 por hectare. Em média, existem 171 postos de trabalho por hectare na cidade de Paris. Ou seja, uma parisiense tem acesso, em média, a cerca de 51.300 empregos a uma caminhada de 15 minutos de sua casa! Essa acessibilidade em no máximo 15 minutos a pé varia de 21.300 empregos para uma pessoa que mora no 16.º distrito a 185.400 empregos para o 2.º distrito!
A região de Île-de-France é dividida em três zonas: o município de Paris; a “petite couronne” (literalmente “pequena coroa”), ou anel interno; e a “grande couronne” (“grande coroa”), ou anel externo. Estas últimas áreas correspondem, respectivamente, aos subúrbios mais próximos e mais distantes. Sessenta por cento dos empregos parisienses são ocupados por trabalhadores que não residem em Paris, mas nas pequenas e grandes coroas. No entanto, 30% dos parisienses trabalham fora do município de Paris. E, ainda, 17.900 deles escolheram um local de trabalho fora dos subúrbios, mesmo fora da região de Île-de-France!
Para o professor Moreno, isso pode parecer um paradoxo, mas é exatamente como funcionam os mercados de trabalho nas principais cidades do mundo. Os empregos nas economias avançadas são cada vez mais especializados.
Os empregadores da região metropolitana de Paris procuram talentos que podem ser encontrados entre os 5,8 milhões de trabalhadores da região metropolitana. Os trabalhadores, por outro lado, procuram um equilíbrio ótimo entre a duração da viagem e as vantagens do emprego pretendido — interesse no trabalho, salário, qualidade do ambiente, estabilidade e outros.
Por que uma família não se muda para morar perto do emprego ideal quando o encontra? A localização da casa também é o objeto de um equilíbrio ótimo entre os locais de trabalho dos membros ativos da família, a qualidade das escolas, o ambiente residencial, o preço da habitação, etc.
Cada família decide sobre seu equilíbrio ideal. Não existe um equilíbrio médio comum a todas as famílias. Essa soma de equilíbrios ideais cria o que Jane Jacobs chama de ordem urbana espontânea. Esses equilíbrios podem mudar ao longo da vida de uma família. A ordem espontânea que governa a forma como os trabalhadores se movem em uma área metropolitana deve, portanto, ser medida com frequência, mas não pode ser imposta de cima para baixo. A política do prefeito e do planejador da cidade deve, portanto, tentar encurtar os tempos de viagem, melhorando a velocidade do transporte, e não tomar o lugar dos cidadãos na decisão de onde devem morar e trabalhar.
O professor Moreno decidiu que todos os parisienses encontrariam o equilíbrio ideal para suas compras, a educação de seus filhos, suas atividades de lazer e seus empregos. O ideal, para ele, é o que está a 15 minutos a pé da sua casa! Ficar 40 minutos de metrô ou trem para chegar ao trabalho não vale a pena, se há empregos perto de você, fique com eles! Quer gastar 25 minutos em um ônibus para ir à ópera? Em vez disso, vá ao show na escola local!
O surpreendente do conceito de Cidade de 15 minutos é que o município de Paris promete mudanças em áreas sobre as quais não tem controle. Localização de empresas, serviços e empregos depende em grande parte do setor privado e das leis de oferta e demanda. Empregos promissores a 15 minutos da casa de todas as famílias parisienses, portanto, não fazem sentido. A cidade, por outro lado, é responsável pela gestão do espaço público que, por definição, não está sujeito às regras do mercado. Em particular, o município deve definir a superfície ideal a ser destinada a pedestres, veículos de duas rodas, transporte público, carros particulares, táxis, caminhões de entrega e demais. É um problema difícil.
O município também é responsável pelo ambiente urbano, árvores, parques, mobiliário urbano, limpeza, segurança, ruído, poluição. Tarefas não faltam. E essas tarefas também requerem compromissos que são muito difíceis de estabelecer equitativamente entre os diferentes grupos sociais.
Diante das enormes dificuldades de gestão de uma cidade como Paris, questiona-se como uma ideia utópica como a de uma Cidade de 15 minutos pode ter surgido e se imposto. É uma distração deliberada? Quando a população dos bairros históricos de Paris reclama das pichações, ruído, poluição, argumenta que o município está preocupado com “novos modelos econômicos que incentivem os pequenos negócios”. Ou que o município vai criar “laboratórios de produção nos centros esportivos” e realizar “a transformação das escolas em centros comunitários noturnos”. Todas essas iniciativas certamente resolverão seus problemas.
Se a Cidade de 15 minutos continuar sendo um slogan de campanha, será uma distração infeliz. O que não é dramático, já que esse slogan será substituído por outro em alguns meses. Mas imagine que esse acesso de 15 minutos seja levado a sério e que o município decida regular a localização dos diferentes tipos de negócios na capital.
Identificará o número de cabeleireiros e sapateiros em cada distrito e regulará sua localização: faltam cabeleireiros no distrito 16, há demais no 5! Poderia ser pior para os empregos. Poderíamos pedir aos empregadores que favoreçam o emprego de pessoas da vizinhança e proíbam a ocupação das vagas de trabalho por quem vem das periferias. Ou talvez incentive o emprego local, dando um subsídio de trabalho de 15 minutos!
Assim, uma utopia inicialmente risível poderia gradualmente se transformar em uma tirania mesquinha que gradualmente sufocaria a economia parisiense. Isso não é novo.
Alexis de Tocqueville, em seu livro “A democracia na América”, havia intitulado um capítulo “Que tipo de despotismo as nações democráticas devem temer”. Ele então fala de um governo democrático com “seus braços sobre a sociedade inteira; cobre a sua superfície com uma malha de pequenas regras complicadas, minuciosas e uniformes, através das quais os espíritos mais originais e as almas mais vigorosas não poderiam vir à luz para ultrapassar a multidão; não esmaga as vontades, mas as debilita, curva e dirige; raramente força a agir, mas se opõe sem cessar à ação; nunca destrói, impede de nascer; nunca tiraniza, mas constrange, comprime, enerva, extingue e embota, e enfim reduz cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos e diligentes, dos quais o governo é o pastor.”
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COMENTÁRIOS
tudo o que vejo e uma prisao tecnocrata utilizando IA
reconhecimento facial
vc nao pode ficar mais que 15 minutos fora de casa
quem ficar mais q 15 minutos sofrera sançoes do governo.
ou seja seu credito social vai ser azul ou vermelho
se for vermelho vc nao podera sair de casa.
VAI ser O INFERNO NA TERRA
Numa cidade como São Paulo, como seria a cidade de 15 minutos? Tudo no seu bairro?