A claustrofóbica Hong Kong: prisão ou salvação?
Imagem: Benny Lam.

A claustrofóbica Hong Kong: prisão ou salvação?

Você sabe quem são os moradores de Hong Kong e por que ela recebe milhares de migrantes por ano?

10 de março de 2013

Recentemente a dura realidade da pobreza de Hong Kong foi exposta pelos fotógrafos Michael Wolf e Benny Lam em duas séries diferentes. Michael Wolf retrata o lado externo: a verticalidade, repetição e superdensidade dos arranha-céus do atual território especial chinês.

Já Benny Lam captura o interior destes apartamentos, que, já pequenos, são divididos em unidades ainda menores para diminuição de custos e aumento da densidade. Ambas séries chocaram o mundo ao mostrar o espaço claustrofóbico e pobre em uma cidade que normalmente ostenta riqueza.

De sites especializados em arquitetura e design, como Phaidon e ArchDaily, a veículos importantes de notícias, como ABC News e Business Insider, choveram artigos, protestos e comentários denunciando os precários direitos à moradia existentes na cidade causados pelo mercado, evidenciando a crescente desigualdade e os perigos da aglomeração humana.

Algumas reportagens comparam as unidades com celas de prisão, usando a palavra “jaula” para descrevê-las. Realmente, desavisados que abrem estas fotos confortavelmente tomando seu café da manhã tem um duro choque de realidade. No entanto, acho que a indignação deve ser colocado em perspectiva.

Fachada prédios
Architecture of Densitiy, por Michael Wolf.

Hong Kong foi “devolvida” à China em 1997 e hoje é uma região especial no meio do regime do Partido Comunista: muito além da maior liberdade econômica em relação ao resto do país (mesmo com a abertura comercial nas últimas décadas, Hong Kong está anos-luz à frente do capitalismo de estado chinês), a ilha é um ambiente onde os direitos humanos, a liberdade de expressão, a propriedade (não há desapropriações em massa como na China ou mesmo no Brasil) são respeitados, com uma democracia sólida e uma economia verdadeiramente de mercado. Além disso, tem um PIB per capita nominal de U$46.193 (2017) contra U$8.826 (2017) do resto da China.

Microapartamento
Trapped – Sub-divided Units, por Benny Lam.

No que é chamada de “China continental”, cidadãos sofrem restrições migratórias e precisam de vistos especiais para sair da própria cidade onde moram, além de terem sites como Facebook, Twitter e Google restritos pelo governo (chineses certamente não terão permissão para ler esta postagem).

Além disso, até 2015, eles sofriam multas pesadas se tivessem mais que um filho, experimento que resultou em uma proporção de 115 homens para cada 100 mulheres nascidas em 2016: devido à preferência cultural do país, meninas são abortadas para que o casal não pague as multas estabelecidas pelo governo. As crianças, então, muitas vezes optam por trabalhar para sobreviver, quando não são escolhidas para “servir à nação”, não para o exército, mas para treinamentos forçados de ginástica olímpica.

O nível dos absurdos do governo chinês faz a nossa corrupção e ineficiência parecer respeitável: até 2001, segundo o Ministério de Saúde chinês a homossexualidade era considerada uma doença mental. Além disso, quem mora em cidades respira o ar mais poluído do mundo (na comparação, São Paulo seria uma cidade chinesa “limpa”), ainda assim, é uma melhoria na qualidade de vida comparado ao campo. É fácil de ver que a ditadura permanece forte na China, embora é constantemente denunciada por figuras internacionais como o arquiteto e artista plástico Ai Weiwei.

A discrepância nas instituições e na qualidade de vida entre Hong Kong e o resto do país causa uma migração interna ilegal anual de cerca de 54.000 pessoas na direção da ilha, na maioria, pobres vindos da precária zona rural, sem saneamento básico, com taxas de mortalidade infantil seis vezes mais altas que nas zonas urbanas chinesas. Estas milhares de pessoas correm riscos altíssimos cruzando fronteiras proibidas para chegar em Hong Kong.

Prédios Hong Kong
Architecture of Densitiy, por Michael Wolf.

A causa destes micro-apartamentos finalmente se torna visível: muita gente com poucos recursos quer morar em Hong Kong, que tem pouquíssimo espaço. Por motivos geográficos e regulatórios (a cidade ocupa apenas 6,8% da sua área para habitação), as únicas maneiras de permitir que todos possam morar ali é através da verticalização e da diminuição do tamanho dos apartamentos.

O incrível de tudo isso é que, mesmo assim, a demanda é tão grande que os preços de imóveis são absurdamente altos: “se você não está disposto a pagar por este preço, há outras centenas que estão à procura”. Aparentemente é o preço que as pessoas estão dispostas a pagar para fugir do autoritarismo chinês.

Microapartamento
Trapped – Sub-divided Units, por Benny Lam.

Ao chegarem na ilha, suas condições de vida são deploráveis, não só comparados à média de Hong Kong, como comparado à média brasileira. Mas se a pequena ilha proibisse esta verticalização ou a vida em micro apartamentos — o que os artigos sobre as galerias fotográficas sempre sugerem — ela nunca conseguiria receber estes pobres migrantes, já que os padrões mínimos seriam muito além do que estes novos moradores conseguiriam pagar. Estas pessoas simplesmente permaneceriam na prisão mais espaçosa do mundo, a zona rural chinesa.

Uma das alternativas sendo estudadas para mitigar estes efeitos é a implementação de limites aos preços dos aluguéis. No entanto, caso assim fosse, novos apartamentos não apareceriam com este valor reduzido: eles simplesmente deixariam de existir, dada a limitação de preço, ou a fila para consegui-los seria tão grande que muitos simplesmente morariam nas ruas. Controle de preços gera escassez, seja no Plano Cruzado ou no mercado imobiliário: Jane Jacobs também percebeu este efeito em “The Nature of Economies”.

Hong Kong
Architecture of Densitiy, por Michael Wolf.

O julgamento a partir de imagens soltas, sem conhecer o contexto, sempre pode levar a conclusões perigosas. Ao termos contato com visuais chocantes, esquecemos das atrocidades da ditadura chinesa. Esquecemos da nossa própria realidade: a do déficit habitacional, das favelas e da exclusão do pobre através das regulamentações elitistas que limitam a oferta de moradia e estabelecem padrões de qualidade inatingíveis.

Não percebemos a parte positiva que as imagens mostram: o acesso à produtos industrializados e máquinas (chaleiras elétricas, as tradicionais panelas de arroz, ventiladores e geladeiras), acesso a informação e comunicação (computadores, celulares, televisões, livros, calculadoras e revistas), infraestrutura (água, energia, gás) e comida, que não precisa ser caçada ou colhida pelo próprio consumidor — facilidades que elas não tinham no lugar de onde a maioria delas veio.

Infelizmente não há alternativa mágica para, da noite para o dia, solucionar a pobreza de centenas de milhões de camponeses. Nenhum cidadão, em qualquer lugar do mundo, se sentiria confortável em sua cidade ao saber que, nos próximos 5 anos, 300 mil chineses pobres chegariam para morar próximo ao seu bairro (alguns dos próprios moradores de Hong Kong já protestam contra a onda migratória, felizmente com pouco resultado).

Também é raro encontrar aqueles que, com todos os problemas sociais que as sociedades enfrentam, apoiam aumentos de impostos para construir moradias mais dignas para imigrantes, mesmo que de outras cidades. E quando apartamentos são enfim produzidos para atender estes pobres humanos aqueles que os produzem são criticados e punidos.

Sua ajuda é importante para nossas cidades.
Seja um apoiador do Caos Planejado.

Somos um projeto sem fins lucrativos com o objetivo de trazer o debate qualificado sobre urbanismo e cidades para um público abrangente. Assim, acreditamos que todo conteúdo que produzimos deve ser gratuito e acessível para todos.

Em um momento de crise para publicações que priorizam a qualidade da informação, contamos com a sua ajuda para continuar produzindo conteúdos independentes, livres de vieses políticos ou interesses comerciais.

Gosta do nosso trabalho? Seja um apoiador do Caos Planejado e nos ajude a levar este debate a um número ainda maior de pessoas e a promover cidades mais acessíveis, humanas, diversas e dinâmicas.

Quero apoiar

LEIA TAMBÉM

COMENTÁRIOS

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

  • O texto parece um “vale tudo para não viver no comunismo chinês” com generalidades sem nenhuma fonte, com argumentação rasa e de senso comum e ainda por cima não destrincha as mazelas da vida em espaços tão apertados e tão densos como a questão da mobilidade urbana, gestão do lixo e acesso à serviços que eram os tópicos que eu esperava ler ao abrir um artigo de um site sobre arquitetura e urbanismo. Decepcionado com o nível dessa matéria

    • Oi Daniel, obrigado pela leitura e pelo comentário crítico. O formato de textos do Caos Planejado é relativamente enxuto, e a ideia deste texto era apresentar os principais motivos pelos quais Hong Kong é tão densa. Temos, no Caos Planejado, artigos muito mais completos sobre a urbanização de Hong Kong, que complementam este texto:

      https://caosplanejado.com/urbanizacao-na-china-hong-kong-1/
      https://caosplanejado.com/urbanizacao-na-china-hong-kong-parte-2/
      https://caosplanejado.com/entenda-como-funciona-o-metro-de-hong-kong/

      De qualquer forma, no caso dos exemplos que você deu, 97% da população de Hong Kong tem acesso a saneamento básico — a China tem aumentado rapidamente a população coberta por saneamento básico, atingindo 92% em 2020, mas até o ano 2000, realidade esta que levou à migração durante décadas, este valor era de 57%. Quanto à mobilidade urbana, na realidade, a densidade de Hong Kong permite a estruturação de um dos sistemas de metrô mais eficientes do mundo, assim como a gestão de um serviço de transporte alternativo complementar que permite viagens flexíveis para moradores de baixa renda. Os links que passei acima descrevem melhor este modelo.

      Espero que tenha ajudado!
      Anthony

  • Pedro, não me basearia por índices. Todos eles são por si só facilmente manipuláveis e parte de estratégias de manipulação política. Definitivamente não refletem a realidade da população.

    • Lucas, você tem razão. Talvez renda per capita seja um indicador substituto ao índice citado pelo Pedro. Um valor geral que, embora uma média, é um indicador do qual podemos extrair informação pouco manipulada.

      Abs
      Anthony