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Além da moradia, Hong Kong é um caso singular de mobilidade: apenas 7% da população trabalhadora utiliza o carro como meio de transporte no trajeto casa–trabalho, cerca de 80% da população trabalhadora utiliza alguma forma de transporte coletivo (metrô, ônibus, micro-ônibus, bonde) e 10% anda a pé. Ou seja, mais de 90% das viagens motorizadas são realizadas por transporte público, a taxa mais alta do mundo.
O metrô, por exemplo, é um caso único em termos operacionais. O metrô de Hong Kong foi inaugurado em 1979, quando a cidade já era extremamente densa e verticalizada, uma paisagem talvez parecida com a Zona Sul do Rio de Janeiro. A primeira linha era uma simples ligação leste–oeste em Kowloon que, em seguida, expandiu-se para ligar a ilha ao continente. Hoje o sistema abrange uma área muito ampla, sendo próximo de duas vezes a extensão do metrô de São Paulo com um número semelhante de estações. No ano de 2000, em um processo de privatização onde o governo de Hong Kong continua detentor de maioria das ações, o metrô abriu o capital na bolsa de valores de Hong Kong, criando a MTR como é atualmente conhecida. São alguns os fatores surpreendentes deste sistema: primeiro, ele atinge uma taxa de 99,9% de pontualidade, e o valor das tarifas cobre 187% do seu custo operacional, a fração mais alta do mundo. Como comparação, em São Paulo e Nova York este valor fica em torno de 50%. A eficiência operacional levou a empresa a operar redes de metrô em cidades do mundo inteiro, como Londres, Estocolmo, Macau e Sydney. A sua capacidade é cerca de sete vezes o BRT de Curitiba, com uma velocidade 75% mais rápida: a capacidade necessária e as condições geográficas de Hong Kong talvez não permitam a implementação de um sistema de BRT como uma solução que temos visto no Brasil.
Na expansão da linha, a empresa funciona como uma incorporadora imobiliária, adquirindo e desenvolvendo terrenos ao redor das estações por onde as expansões ocorrerão, trabalhando diretamente com desenvolvimento imobiliário e também estabelecendo parcerias com outras incorporadoras, onde estabelecem esquemas de captura de valor para os terrenos beneficiados. Enquanto o CEO da empresa, ao escrever para a consultoria McKinsey, advoga o modelo como um exemplo, outros autores descrevem o formato como algo fora das regras convencionais do transporte de massa, dado que o controle estatal tanto da empresa quanto da terra leva a diversos casos de desapropriação em benefício da empresa. Assim, mesmo com uma excelente receita vindo das passagens, 80% do seu lucro vem da incorporação imobiliária. Hong Kong consegue operar um sistema de metrô de forma extremamente eficiente e sem o subsídio de recursos públicos, porém, em um sistema dificílimo de copiar em outras cidades, não apenas em relação ao formato misto da empresa, mas também devido às altas densidades de Hong Kong que geram grande demanda ao longo de toda a linha.
Em seu recente livro “Order Without Design”, Alain Bertaud cita Hong Kong, junto com Singapura, como uma das poucas cidades geridas em tempo real utilizando indicadores de desenvolvimento urbano. Por exemplo, no site do seu Departamento de Planejamento é possível encontrar dados em relação ao percentual de utilização de terra para cada uso, a razão entre aluguel e renda como fator de acessibilidade à moradia, o preço médio de imóveis tanto comerciais quanto residenciais, o tamanho médio por unidade de moradia, o tipo de transporte para escola ou trabalho dividido por faixa etária e gênero. Os dados referentes a moradia, por exemplo, são publicados mensalmente em um relatório acessível pela internet. Até onde eu saiba, não há cidades brasileiras que fazem este tipo de acompanhamento, indispensável para uma gestão urbana adequada dadas as transformações constantes de cidades dinâmicas.
Este, ainda, é mais um fator que Hong Kong se difere da China. Dados são acessíveis e transparentes, enquanto na China existe não apenas a barreira da língua, mas a informação é opaca. Como pesquisa para as demais cidades chinesas, busquei a maioria da informação em papers acadêmicos, enquanto para Hong Kong a maioria dos dados tinha sido publicado pela própria cidade. Também é a única cidade chinesa onde é possível utilizar o Google Maps Street View — para as demais a função pode ser acessada apenas pela concorrente chinesa Baidu Maps, dada a saída das operações da Google na China.
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