A cidade que terceirizou tudo
Imagem: Wikipedia.

A cidade que terceirizou tudo

A discussão sobre a terceirização de serviços tem sido tema recorrente no Brasil. Mas e se serviços públicos municipais fossem terceirizados?

18 de maio de 2015

Oliver Porter criou e implementou o modelo de parceria público-privada (PPP) para Sandy Springs, na Georgia. Ele serviu como principal conselheiro para várias outras, cidades novas e cidades considerando a conversão para o modelo da PPP, tanto nos Estados Unidos como no Japão. Ele já escreveu três livros sobre o assunto e aceitou sentar com a Foundation for Economic Education (FEE), que por sua vez autorizou a publicação da entrevista no Caos Planejado.

FEE: Você pode descrever resumidamente o que Sandy Springs conseguiu fazer — ou seja, nos passar um esquema do seu modelo?

Porter: O modelo de Sandy Springs é uma parceria público-privada (PPP) onde a cidade contrata o setor privado para todos os seus serviços básicos exceto segurança pública — ou seja, policiamento, bombeiros e tribunais. O modelo tem sido um grande sucesso, tanto financeiramente quanto às necessidades dos cidadãos, nos sete anos desde a incorporação da cidade. Financeiramente: a cidade não aumentou impostos; pagou por um enorme programa de aproveitamento financeiro a partir de economias no orçamento operacional; construiu um fundo de reserva de U$35 milhões apesar da recessão; e tem zero dívidas de longo prazo — ou seja, nenhum empréstimo, nenhuma obrigação e, o mais importante, todas obrigações relativas a pensões e outros benefícios foram financiadas.

FEE: O modelo salvou quanto dinheiro dos contribuintes?

Porter: Inicialmente cerca de U$20 milhões por ano, equivalente a 40% do orçamento para a “cesta” de serviços sendo oferecidos. Estes serviços incluem: administração; recursos humanos; finanças; contabilidade; compras; tecnologia da informação; operações administrativas da polícia, dos bombeiros e da justiça; parques e áreas de lazer; transporte (manutenção de vias e calçadas e engenharia de trânsito); desenvolvimento comunitário (planejamento, zoneamento, licenciamento e aplicação das regras); e administração do programa de recursos. Ao longo de todo período dos contratos fico confortável em dizer que mais de U$140 milhões foram economizados dos recursos de quem paga imposto.

FEE: Isto é realmente impressionante. Mas e a qualidade dos serviços?

Porter: Os serviços foram substancialmente melhorados no modelo da PPP. Pesquisas, tanto internas quanto nacionais, tem avaliado os serviços de Sandy Springs como excelente. O melhor indicador para a satisfação dos cidadãos pode ser que desde primeira eleição depois que a cidade foi formada, o percentual mais baixo de votos que qualquer incumbente recebeu foi de 84 por cento. Isso certamente indica um algo índice de satisfação dos eleitores com a eficiência e efetividade de resposta do modelo.

FEE: O The New York Times, que não é conhecido pela sua afinidade com nada que seja privado, escreveu uma história bastante favorável ao seu trabalho de terceirização em Sandy Springs. Vários pontos foram concedidos, embora relutantes. Mas uma das preocupações do autor era de que só funcionou em Sandy Springs porque é uma área afluente, que serviços governamentais terceirizados não funcionariam em áreas mais pobres. O que você acha desta preocupação?

Porter: Primeiro, deixe-me dizer que embora Sandy Springs seja relativamente afluente ela não é um gueto de ricos. Infelizmente, haviam áreas da cidade que eram muito abaixo da renda média da sua região metropolitana. Sandy Springs é um caldeirão de culturas com uma população que inclui 30 por cento de minorias étnicas — uma parcela crescente da população — e mais de 55 por cento de pessoas que moram em apartamentos*. Cinco outras cidades novas com índices variados de afluência adotaram o modelo de PPPs e todas tiveram bons resultados. Na minha opinião, o modelo é ainda mais adequado para comunidades menos afluentes. Essas comunidades precisam da economia de recursos que o modelo oferece, ainda mais do que em áreas ricas. Aliás, tudo o que estou falando sobre governos municipais se aplica também a condados.

FEE: Detroit está insolvente. É uma cidade que está basicamente morrendo. Se você pudesse falar qualquer coisa para o novo gestor “emergencial” — Kevyn Orr — O que você diria?

Porter: Espero ter a oportunidade de encontrá-lo no mês que vem. Eu diria: “Se você está em um buraco, pare de cavar!”. Em uma crise, passos pequenos e incrementais não são suficientes. Iniciativas audaciosas são necessárias. Primeiro, procure métodos alternativos para prover serviços como as PPPs; Segundo, considere a venda de ativos da Prefeituras para levantar recursos que podem ser usadas para pagar suas dívidas.

FEE: Alguns leitores desta publicação ficam preocupados com a formação de uma relação corrupta entre empresas privadas e o governo ao longo do tempo. Você se preocupa com a corrupção do sistema de Sandy Springs?

Porter: Não. Todos governos mostraram um calcanhar de Aquiles que permite corrupção. O modelo tradicional para cidades não é immune. No entanto, há menos oportunidade para isso no modelo de PPPs do que seria normalmente. O fato de políticos eleitos serem proibidos de se intrometerem nas operações do dia a dia — incluindo licitações, contratações e demissões de funcionários e a concessão de autorizações, licenças etc. — mitiga acordos impróprios. Todos contratos são concedidos através de licitações competitivas que são abertas para avaliação pública. Os primeiros contratos foram rigidamente avaliados por um comitê cidadão, depois por um grupo voluntário apontado pelo governador, e finalmente pelo conselho eleito. Seguidamente, as PPPs diminuem a oportunidade para um comportamento tão inaceitável. Diferente de cidades tradicionais, as empresas contratadas tem o lucro como motivação que serve como um incentivo natural para reduzir custos e operar de forma eficiente. Assim, comportamentos como a contratação de amigos e parentes, ou a prática de “molhar a mão”, que algumas vezes prevalecem em governos tradicionais, deixam de ser um problema neste modelo.


“Quando eu interajo com tais grupos [políticos] eu digo que o seu principal trabalho é servir o cidadão, não gerar empregos, e que parte do seu descritivo de trabalho deveria ser de constantemente considerar métodos alternativos de providenciar este serviço.”


FEE: Alguém já copiou seu modelo?

Porter: Sim, pelo menos outras cinco cidades. Existem milhares de cidades e condados existentes que poderiam se beneficiar deste modelo. A única barreira à adoção do modelo de PPPs é a política. Políticos eleitos na forma tradicional de governo tem medo de considerar um modelo mesmo que possa oferecer um serviço melhor a um custo menor. Quando eu interajo com tais grupos eu digo que o seu principal trabalho é servir o cidadão, não gerar empregos, e que parte do seu descritivo de trabalho deveria ser de constantemente considerar métodos alternativos de providenciar este serviço.

FEE: Esperamos publicar esta conversa em uma edição que tratará sobre poder. Como você sabe, a forma que o poder politico funciona, em parte, é protegendo interesses vigentes, muitos dos quais tem muito a perder ao mudar o status quo. Nos parece que o maior obstáculo para adotar o seu modelo é este mesmo poder e aqueles que se beneficiam com a sua existência. O que é necessário para deslocar estes grupos de interesse para que as pessoas possam ver os benefícios da terceirização?

Porter: Infelizmente, uma crise financeira pode ser necessária: falência, ou quase isso. Várias cidades estão próximas deste ponto. Se passivos não financiados fossem propriamente reconhecidos, um número ainda maior está se aproximando do estado de crise. Para cidades que ainda não estão em crise, há vários passos que deveriam ser tomados para abrir as portas para eficiência. Primeiro, é preciso um herói, um político eleito, ou um cidadão de destaque, que está preparado para enfrentar o fogo que pode vir destes grupos de interesse vigentes. Este patrocínio deveria levar a um estudo de baixo custo comparando seus atuais custos operacionais — e isto é muito importante — e os custos para pensões e outros benefícios da cidade tradicionais para o modelo de PPPs. Não há risco para uma cidade fazer tal estudo, e o custo é baixo comparado ao benefício em potencial. Se o estudo mostrar o potencial para ganhos substanciais, a cidade deveria lançar chamadas de propostas para a PPP. Novamente, não há risco. Se as propostas não mostrarem ganhos substanciais (em maioria dos casos elas vão) a cidade não tem nenhuma obrigação em seguir em frente.

FEE: Governos estaduais poderiam fazer alguma coisa para ajudar municípios a adotarem seu modelo?

Porter: Até agora, estados fizeram muito pouco. No entanto, há muito que pode ser feito. Obviamente o passo mais eficaz seria uma exigência de que cidades pelo menos considerassem modelos alternativos. O financiamento de estudos comparativos seriam um passo ainda melhor. A eliminação de barreiras legais ao modelo de PPP que existe em alguns estados é, também, necessária e desejável.

Devo adicionar que ONGs e veículos de mídia também deveriam discutir reformas municipais. The Freeman está de parabéns para tratar sobre o assunto.


* NT: Nos EUA é comum associar a moradia em apartamento a uma renda mais baixa.


Este artigo foi publicado originalmente no site da Foundation for Economic Education em 28 de maio de 2013. Foi traduzido por Anthony Ling com autorização da FEE.

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  • O artigo não contextualiza nem contrapoem.Trata o caso isoladamente.Sandy Springs faz parte região metropolitana de Atlanta,50Km do centro.Sandy Springs é um enclave de alta renda numa região metropolitana desigual. Na entrevista isto é referido mas omite-se a sua dimensão.
    Dados renda Atlanta:West End Station-$19,447 vs Sandy Springs:$73,302. Este modelo não é nenhuma novidade, sendo o caso mais emblemático no Brasil AlphaVille-SP. Passa pela terceirização de serviços antes prestados pelo poder público, com o sobrecusto da remuneração do capital
    Entrevista refere que o modelo é ainda mais adequado para população de baixa renda. Não apresenta nenhum dado que sustente esta afirmação e o artigo nunca a questiona. Omite o processo de gentrificação ocorrido em Sandy Springs. Ver aqui. https://www.atlantastudies.org/excluded-from-everybodys-neighborhood-constructing-sandy-springs-new-city-center/
    O modelo de terceirização condominial para baixa renda foi adotado pelo PMCMV. A manutenção dos espaços de lazer, iluminação comum etc são terceirizados pelo condominio.Os resultados são os piores. Moradores não suportam essa despesa. casos 40% dos moradores abandonam ou vendem
    Sem recursos os espaços comuns dos condominios de baixa-renda degradam-se iniciando um ciclo de precarização. Sem poder público presente grande parte dos condominios do PMCMV estão ocupados por milicias que extorquem moradores em troca de segurança privada entre outros serviços
    não é viavel uma vez que a privatização depende da sua rentabilidade este modelo atende apenas à alta renda. A quebra de receitas públicas das áreas de alta renda resulta na diminuição de recursos para atender a população de baixa renda. Reforça desigualdade e segregação espacial
    O bias neoliberal tende estudar casos isolados de “sucesso” não fazendo a mediação da dinamica urbana como um todo. Tem por base o mito que gestão privada é mais eficiente por natureza quando existem exemplos de gestão pública exemplar e casos de gestão privada ruinosa.

    • Caro Nuno, obrigado pelo seu comentário.

      Acho necessário explicar o contexto da postagem: primeiro, não é um artigo, é uma entrevista com um dos responsáveis pela implementação da forma de governança urbana. Segundo, não visa ser um texto acadêmico onde se faz uma análise extensa do contexto histórico ou de contraposições, mas sim relatar um caso prático implementado na cidade de Sandy Springs. Como comentei para você no Twitter, prezamos pelo embasamento técnico, neste caso o caso prático, mas não nos posicionamos como uma fonte de pesquisa acadêmica: o próprio formato do site, a extensão das postagens e o público mais amplo que tentamos atingir impede este formato.

      Isso dito, os estudos acadêmicos que li sobre o caso de Sandy Springs são talvez inconclusivos, tanto dado o pequeno tamanho da cidade para que seja comparável a uma grande metrópole assim como a falta de uma base de dados de outras cidades que implementaram modelos parecidos para termos mais casos de informação para fazer uma comparação precisa.

      No entanto, é relevante mostrar o caso aqui no site dado o modelo inovador de gestão urbana, mostrando a possibilidade de outros formatos. E que fique claro: o Caos Planejado não se posicionou sobre a iniciativa, tendo aqui apenas o relato de quem implementou o projeto, não registrando aqui “bias neoliberal” “identificando casos de sucesso”. Mesmo assim, no caso específico de Sandy Springs me parece muito possível que tenha sim sido um sucesso: a crítica que você faz sobre o novo Downtown da cidade pouco ou nada tem a ver com o processo de terceirização, dado que o próprio artigo inicia relatando que o projeto foi aprovado pela Câmara de Veradores (City Council) de transformação da cidade — a forma de implementação, se é por empresas públicas ou privadas, no caso desta crítica específica, não entra em discussão, mas sim as decisões tomadas a nível da própria Prefeitura.

      Quanto a comparação com os empreendimentos do Minha Casa, Minha Vida, no meu entendimento não é adequada. Primeiro, o MCMV é resultado de um programa público de moradia social considerado falho em uma série de medidas de forma praticamente unânime por pesquisadores de diferentes pontos de vista ideológicos, desde o endividamento dos moradores até o isolamento urbano-social dos empreendimentos nas periferias das cidades, praticamente sem acesso à empregos, serviços e transporte. Ou seja, é insuficiente atribuir a alta taxa de abandono destes empreendimentos às despesas pagas em condomínio. Outro ponto aqui é que não estamos falando em terceirização condominial como você se refere: caso o modelo de Sandy Springs fosse proposto para o MCMV teria que ser algo onde a prefeitura contrata uma empresa para prestar serviços para os empreendimentos do MCMV, já que não se falou neste artigo no repasse dos custos aos moradores, mas sim na terceirização de operações municipais. As áreas de alta renda da cidade continuariam pagando seus impostos para uma Prefeitura que, então, terceirizaria serviços operacionais para áreas de baixa renda. Até onde eu saiba não existe, no Brasil, um município composto apenas de empreendimentos do MCMV de baixa renda para que sua comparação seja adequada.

      Espero que este comentário tenha contribuído para o seu entendimento sobre a questão e o posicionamento do Caos Planejado a respeito do tema.

      Att,
      Anthony