Bairros nunca tiveram o propósito de serem imutáveis
As mudanças nos bairros e nas cidades ao longo dos anos é natural e tentar impor restrições para elas é um equívoco.
Ouro Preto, Singapura, Elon Musk, Food Trucks e a nova Lei de Regularização Fundiária Urbana. Confira os 5 artigos mais acessados do site em 2017.
29 de dezembro de 2017O ano de 2017 foi intenso para o Caos Planejado.
Lançamos o primeiro livro com conteúdo do site, o Guia de Gestão Urbana, organizamos cursos e o 1º Concurso de Artigos, e publicamos alguns dos textos de maior sucesso da página em seus 3 anos de existência.
Para celebrar o sucesso do ano, juntamos os 5 artigos mais acessados do site em 2017.
Confira!
Publicado em fevereiro, o texto de Luiz Eduardo Peixoto analisa o modelo de habitação popular da capital paulista apelidado de “Cingapura”. Criados na gestão de Paulo Maluf e inspirados em modelos da cidade-nação de Singapura, os prédios “Cingapura” tiveram, na verdade, pouca semelhança com sua inspiração — e, como era de se esperar, os resultados apresentados também foram consideravelmente diferentes.
“Alguns anos após o início de implementação dos ‘Cingapuras’ paulistanos, porém, já se tornaria evidente os mundos de distância entre os dois projetos. Na fonte de inspiração para o programa malufista, os edifícios tem pelo menos 20 andares de apartamentos — ou até 40 andares, como em Kuala Lumpur, na vizinha Malásia. Em geral os primeiros andares são ocupados por comércio do mais diverso, desde mercados e conveniência geral, até restaurantes, livrarias e mecânicas.
Já no modelo de Maluf, os edifícios raramente passam dos cinco andares de apartamentos. Os arredores em geral são áridos, com ausência frequentemente completa de comércio formal — nunca, no entanto, de informal, o que evidencia a demanda existente. O foco foi exclusivo em moradores pobres, com a opção, proposital ou não, de inclusive afastar os conjuntos de áreas socialmente mais prósperas da cidade.”
Anthony Ling publicou em julho seu texto rebatendo os argumentos de Elon Musk para a criação da Boring Company, empresa que pretende construir túneis para carros em grandes centros urbanos.
“São dois os principais motivos pelos quais temos congestionamento: o primeiro é o incentivo histórico ao uso do automóvel individual em grandes cidades. Na maior parte das grandes cidades isso se manifestou, entre outros fatores, pelo investimento pesado em rodovias, pela priorização do automóvel sobre o pedestre em ambientes urbanos, pelo zoneamento de atividades, pelo incentivo à compra de residências suburbanas, pela limitação da área construída em regiões centrais, pela obrigatoriedade de construir vagas de estacionamento em empreendimentos, e pelo oferecimento gratuito de vagas de estacionamento em áreas públicas. Uma cidade com túneis, vias largas e altas velocidades, onde é difícil até mesmo atravessar a rua, é danosa para trânsito de pedestres, o que por sua vez inibe o uso de qualquer outro modo de transporte diferente do automóvel. Assim, o primeiro grande motivo do congestionamento é a priorização artificial do uso do automóvel no ambiente urbano.
O segundo grande motivo pelo qual cidades são congestionadas é que, dada essa realidade, não há nenhum tipo de controle sobre a demanda de veículos em operação em determinado momento ou via. As cidades são planejadas para sermos dependentes do automóvel individual, e ruas são oferecidas gratuitamente aos motoristas, que basicamente são subsidiados por todos aqueles que não andam de carro. Na maioria das cidades brasileiras, por exemplo, apenas cerca de um terço dos deslocamentos são realizados por automóvel, uma minoria no contexto da cidade como um todo. Ao permitir a utilização generalizada e irrestrita do sistema viário, motoristas caem na “tragédia dos comuns”, e vias se tornam escassas em vários momentos do dia.”
Os food trucks, que vêm se popularizando cada vez mais no Brasil, têm sido alvo de regulamentações de prefeituras. Luan Sperandio explica como essa regulamentação, ao invés de dar mais segurança aos consumidores, pode colocar em risco o futuro do fenômeno no Brasil.
“O mercado de food trucks é um fenômeno de empreendedorismo dentro da economia do compartilhamento. Quanto mais competitivo é um mercado, mais incentivos ele gera para a eficiência dos competidores. A regulamentação, no entanto, pode coibir, mesmo que em parte, a concorrência.
Muitas das intervenções defendidas para os food trucks, vale ressaltar, embora tenham o suposto propósito de proteger o consumidor, possuem pontos negativos preocupantes. Preliminarmente, porque não são demandadas pelos consumidores, mas sim pelos donos de bares e restaurantes que estão perdendo para a concorrência, o que indica o fenômeno da captura regulatória, já exposto.”
O texto vencedor do Concurso de Artigos do Caos Planejado, de Natanael Kafuri, é uma análise de uma das cidades mais reguladas do Brasil, e dos efeitos dessa ‘proteção’ em quem a habita de verdade.
“Nota-se, com isso, que optar por uma legislação proibitiva é mais fácil do que promover um diálogo amplo sobre tratamento urbano e preservação patrimonial. É mais prático permitir a construção das famosas “janelas falsas” nas faces frontais das edificações para ocultar as entradas de garagem do que discutir sobre o impacto dos carros no centro histórico, sobre a eficiência do transporte público e sobre a capacidade das vias de absorver todo o fluxo de veículos. É vantajoso fatiar o território em zonas, com parâmetros urbanísticos variando entre pouco e nada. Essa triste realidade, que prioriza uma “Ouro Preto oficial”, acaba por segregar a Ouro Preto real.
A cidade segregada tira da sua população o sentimento de pertencimento, de comunidade. Os moradores da “Ouro Preto real” não vivem a “Ouro Preto oficial”. Os espaços não são para eles, bem como as atividades culturais, os produtos do comércio, muito menos as moradias. Os preços dos imóveis no centro histórico de Ouro Preto são extremamente elevados, assim como o custo de vida. As poucas famílias de classe média baixa que sobreviveram à ação do mercado imobiliário lidam com a dificuldade de conservar seus imóveis dentro dos regimentos preservacionistas vigentes. A legislação, por exemplo, não propõe cessão do direito de construir.”
O texto mais acessado de 2017 é a análise de Victor Carvalho Pinto da Lei de Regularização Fundiária Urbana, sancionada pelo presidente Michel Temer. Divulgada como solução pelo governo e como uma afronta ao meio ambiente pelos críticos, a Lei, como normalmente acontece, não é nem uma, nem outra. Victor é Consultor Legislativo do Senado Federal na área de Desenvolvimento Urbano e Doutor em Direito Econômico e Financeiro pela USP.
“Um dos principais argumentos do governo em defesa da Lei 13.465/2017 é o de que a constituição de direitos de propriedade sobre os imóveis irregulares favorece o crescimento econômico, pois incentiva o investimento não apenas no próprio imóvel, mas também em atividades econômicas variadas, mediante a obtenção de empréstimos junto a instituições financeiras que tenham por garantia o bem regularizado.
Como já apontado, a Lei não ensejará nenhum tipo de regularização em massa, devido à necessidade de elaboração de projeto urbanístico específico para cada assentamento e ao despreparo dos municípios para essa tarefa. Independentemente desse fato, deve-se considerar, ainda, o irrealismo da expectativa de que esses títulos venham a ser aceitos pelo sistema financeiro como garantia de financiamentos.”
Aos nossos leitores, colaboradores e parceiros: obrigado por um 2017 maravilhoso, e feliz ano novo!
2018 vem aí, e traz novidades.
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