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Reflexões sobre a decadência de um famoso prédio paulistano
Se hoje a principal preocupação é construir mais para atender uma elevada demanda por imóveis, em um futuro não tão distante o desafio talvez seja também pensar no que fazer com mais prédios abandonados por causa de seus elevados custos de manutenção
Quem já não se sentiu tentado a largar tudo e comprar uma daquelas casas em vilarejos históricos da Itália, cercadas por paisagens idílicas, vendidas por apenas 1 mísero euro?
Minha intenção aqui, porém, não é discutir esses custos, mas pensar nos motivos que explicam o abandono daqueles imóveis, a saber: a falta de herdeiros que reivindiquem as propriedades e os altos custos de manutenção, cujo pagamento se tornou inviável para os antigos proprietários.
Esses fatores, somados a outros como mudanças nas características da economia e migração da população mais jovem para os grandes centros urbanos em busca de mais oportunidades de estudo e trabalho, explicam em grande medida o abandono das antigas casas na Itália – e também podem estar por trás de alguns casos de abandono no Brasil.
Uma reportagem recente do Domingo Espetacular sobre a decadência do famoso Edifício Penthouse – aquele no bairro do Morumbi, com as piscinas na varanda, vizinho da favela de Paraisópolis – trouxe novos elementos à discussão e me levou a tentar estruturar algumas reflexões neste artigo.
Vista aérea do famoso Condomínio Penthouse, no Morumbi, vizinho à favela de Paraisópolis, com suas piscinas nas varandas desenhadas para receberem a luz do sul. Embora ainda hoje o condomínio, em oposição à favela seja símbolo da desigualdade social brasileira, a verdade é que ele e muitos outros da vizinhança enfrentam um processo de degradação e decadência, guardando muito pouco do luxo e do status de outrora. Vídeo: Ricardo Cyrillo
Conforme apresentado no episódio “O declínio do Morumbi” do “São Paulo nas Alturas”, o bairro, que nos anos 1980 se encontrava entre os cinco mais valorizados da cidade, hoje não se encontra nem entre os vinte. E não apenas porque outras regiões se valorizaram mais, mas, também, porque ele vem passando por um intenso processo de desvalorização associado a problemas de violência, insegurança e mobilidade – estes agravados pelas características suburbanas do bairro, com imóveis de uso predominantemente residencial protegidos por muros altos e dependência do automóvel para todo tipo de locomoção.
Entre as diversas variáveis que afetam o valor de um ativo imobiliário estão seus custos de manutenção: quanto maiores os custos de manutenção (que vão acompanhar o imóvel ao longo de toda a sua vida), tudo o mais constante, menor tende a ser o valor do ativo. No limite, a combinação de desvalorização de uma região e custos crescentes de manutenção pode levar à perda total de valor do imóvel.
No caso específico do Condomínio Penthouse, que conta com apenas 13 apartamentos, chama atenção na reportagem o valor do aluguel mensal de apenas R$ 1.200, apesar da sacada com piscina e da extensa metragem (380m²). No mesmo quadro, a explicação: o condomínio no valor de quase R$ 5.000. O elevado custo condominial afeta também o preço dos imóveis no prédio: ainda segundo a reportagem, um imóvel ali valeria “apenas” R$ 900 mil (muito menos do que o preço de imóveis semelhantes em outros bairros “nobres” de São Paulo), e há relatos de que, em um passado recente, outro apartamento ali teria sido vendido por “apenas” R$ 500 mil.
No prédio há imóveis vazios e a reportagem mostra que ele apresenta claros sinais de degradação, também por sofrer com a inadimplência dos poucos proprietários, processo que tende a se transformar em uma espécie de círculo vicioso até o completo abandono do edifício.
É importante ressaltar que a população de São Paulo deve crescer nos próximos anos, de forma que o aumento da oferta de moradia ainda é uma medida urgente para combater o enorme déficit habitacional e o aumento dos preços dos imóveis. Conforme argumentei em artigo anterior aqui no Caos Planejado, contudo, é fundamental que a discussão a respeito da verticalização e do aumento da oferta venha acompanhada pela preocupação não somente de onde, mas também de como construir mais.
Trazendo as tendências demográficas e econômicas que já mencionei, de queda da taxa de natalidade, aumento do custo de vida e menor crescimento da renda, para o cenário que já observamos no Morumbi, por exemplo, não parece um absurdo imaginar o Condomínio Penthouse completamente abandonado daqui a algumas décadas ou mesmo anos – isto concomitantemente ao aumento da oferta advindo de novas construções na cidade como um todo, por mais paradoxal que possa parecer.
Vista aérea Morumbi. Foto: Fernando Stankuns/Flickr
O problema, é verdade, parece mais grave neste condomínio e talvez no Morumbi como um todo, mas pode não estar restrito ao bairro. A partir da década de 1970, pelo menos até o início dos anos 2000, boa parte dos prédios construídos nos bairros ditos “nobres” de São Paulo era direcionada para as típicas famílias de classe alta da época (casal branco e heterossexual com pelo menos dois filhos), além de ter sido influenciada pela legislação em vigor.
De maneira geral, são torres isoladas no lote, sem comércio no térreo, protegidas por grades ou muros; contam com poucas unidades por andar, quase sempre apartamentos que podem ser considerados grandes, além de possuírem portaria e áreas comuns como quadras, piscinas, academia, salão de festa e brinquedoteca.
Os custos de pessoal na portaria, segurança e limpeza, somados às despesas com a manutenção de elevadores e áreas comuns, tudo dividido por um número relativamente pequeno de apartamentos, muitas vezes acabam resultando em um valor muito alto da taxa condominial.
Em bairros valorizados, que continuam atraindo novos moradores com alto poder aquisitivo, esse valor pode não chegar a ser um problema. Medidas como terceirização de serviços de portaria, segurança e limpeza, bem como implantação de portaria eletrônica, já vêm sendo adotadas por muitos prédios com o objetivo de reduzir os custos da administração condominial. Não é difícil imaginar também, em um futuro próximo, que muitos desses prédios passem por processos de retrofit para transformarem suas poucas unidades grandes em mais unidades menores.
Em bairros que virem a sofrer com desvalorização, contudo, talvez nem essas medidas sejam suficientes para evitar o abandono de imóveis nos próximos anos ou décadas. E, como não é fácil prever todos os aspectos do futuro das cidades (quem há 40 anos apostaria na decadência do Morumbi, ou em uma mudança tão radical na configuração das famílias?), talvez ao menos devêssemos tentar aprender alguma coisa com a decadência do Morumbi e os problemas associados aos elevados custos de manutenção predial.
Uma característica fundamental de cidades, bairros ou imóveis resilientes é sua capacidade de se adaptar às transformações da economia, do meio ambiente, das modas e dos costumes ao longo do tempo. Em São Paulo, poucos edifícios se mostram tão resilientes quanto os nossos charmosos predinhos, construídos principalmente até a década de 1970.
Ao ocuparem a totalidade do lote, permitiram que muitos apartamentos fossem construídos em terrenos relativamente pequenos. Não têm recuos frontais e laterais nem vagas de garagem, além de quase sempre contarem com térreos ativos, o que contribui para a vitalidade urbana. Sem grandes áreas comuns, sem porteiros e sem elevadores, têm um custo de manutenção muito mais baixo, mesmo no caso de unidades maiores, pensadas inicialmente para famílias com filhos.
Em bairros que se desvalorizaram em algum momento da história recente (como o Bixiga entre os anos 1980 e 2000, por exemplo), o baixo custo de manutenção viabilizou o acesso à moradia para uma população de menor renda em uma região central da cidade. Em bairros que se valorizaram com o surgimento de novas torres residenciais de alto padrão, muitos antigos moradores continuaram morando nos predinhos, o que garantiu alguma diversidade e vitalidade urbana a esses bairros (acredito que seja o caso da Vila Pompeia, bairro onde vivo).
Parece um problema para o futuro da cidade, portanto, que praticamente não estejam sendo construídos predinhos atualmente, e que o adensamento construtivo se dê majoritariamente com prédios altos subindo no lugar de antigas casas, sem um meio-termo.
O premiado Tico Ribeira do Vale, no Brooklin: um dos raros exemplos de predinho que surgiu em São Paulo em meio à nova onda de verticalização da cidade. Foto: Tico SP/Pedro Kok.
Independentemente disto, caso se mantenham as tendências de natalidade, custo de vida e renda, temo que muitos prédios construídos entre as décadas de 1970 e 2000 já estejam condenados ao abandono. Afinal, diante da nova configuração das famílias, com mais gente vivendo sozinha, casais com menos filhos ou sem filhos, cai a demanda por unidades maiores, especialmente se associadas a custos de manutenção elevados em locais com problemas de mobilidade e segurança, por exemplo.
A cidade, vale lembrar, é um organismo vivo. Muitas áreas um dia valorizadas, se desvalorizam em outro momento; certas regiões abandonadas, por outro lado, voltam a receber moradores, investimentos e a se valorizar. Tendências mais estruturais relacionadas à renda e à configuração das famílias, por sua vez, podem alterar de maneira mais profunda a demanda por imóveis no curto e no longo prazo.
Embora os custos de manutenção tenham levado ao abandono das casas italianas hoje vendidas a 1 euro, é preciso reconhecer que elas têm lá seu charme e podem representar oportunidades tanto em termos turísticos como para quem pode trabalhar remotamente e deseja se refugiar em um cenário histórico e bucólico.
Já em relação aos prédios decadentes do Morumbi, tenho dificuldade de manter o mesmo otimismo. Com custos de manutenção elevados, sem valor histórico ou arquitetônico, em um local sem grandes atrativos, com sérios problemas de mobilidade e segurança, eu, tentando imaginar um futuro não tão distante, confesso que não consigo vislumbrar compradores para imóveis abandonados em condomínios como o Penthouse. Ainda que venham a ser oferecidos por, sei lá, 1 mísero real.
Vitor Meira França é economista pela FEA-USP e mestre em economia pela EESP-FGV
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