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Ainda que o objetivo do novo decreto da Prefeitura de Porto Alegre seja incentivar a retomada econômica da construção civil, na prática, iremos, mais uma vez, beneficiar os grandes projetos, penalizando as pequenas e médias construções.
22 de julho de 2020A Prefeitura da capital gaúcha sempre se orgulhou, ao menos no discurso, da participação popular nas tomadas de decisões. Conforme descrito no próprio Plano Diretor de Porto Alegre, a revisão de 2010 “foi o encontro de duas consagradas bandeiras: a Porto Alegre do Planejamento Urbano e da participação dos cidadãos, através do Orçamento Participativo, e a Porto Alegre dos Conselhos Municipais e da Governança Solidária Local”.
Apesar de afirmar que o planejamento urbano nunca havia sido tão debatido, houve muitas críticas ao processo. Algumas pessoas, como João Telmo de Oliveira Filho e Fernando Weiss Xavier, afirmam que as audiências possuíam um caráter deliberativo, marcado pela forte atuação de agentes do setor imobiliário a favor dos temas de seus interesses.
O regime volumétrico do Plano Diretor é fortemente indutivo de tipologias em uma ou mais torres sobre bases extensivas, com afastamentos progressivamente maiores em função da altura, o que privilegia o remembramento de lotes e escolha de glebas de maior tamanho. Ou seja, em Porto Alegre, normalmente um terreno acaba sendo mais valorizado quando junta-se à algum vizinho. Isso acaba beneficiando as grandes incorporadoras que conseguem fazer um investimento maior.
O controle excessivo do planejamento impede que o desenvolvimento urbano responda às demandas dinâmicas de transformação, gerando resultados indesejáveis. A produção imobiliária se adaptou a este cenário e, de certa forma, o retroalimenta, promovendo a verticalização de “projetos carimbos” que possibilitam a reprodução da planta e reduzem custos, além de valorizar os apartamentos mais altos.
É sabido que certos agentes do setor imobiliário possuem forte influência sobre a legislação urbana de Porto Alegre. Também não se pode negar a importância que grandes atores têm para o desenvolvimento da cidade, o que talvez justificasse o tratamento diferenciado que sempre receberam por parte do poder público. Todavia, cada vez mais essa influência ultrapassa os limites de uma competição justa no mercado imobiliário.
O Decreto nº 20.655, de 13 de julho de 2020, como forma de incentivo à retomada econômica da construção civil, determinou análise prioritária de processos de licenciamento urbanístico e ambiental para empreendimentos não residenciais com área total construída igual ou superior a 1000m²; empreendimentos residenciais com área total construída igual ou superior a 5000m²; e empreendimentos voltados à prestação de serviços de farmácia e médico-hospitalares, como hospital geral, hospital especializado, policlínica, clínica geral e clínica especializada. Alguns condicionantes foram incluídos, como o comprometimento de iniciar a obra ou concluir as fundações em até um ano após a aprovação do projeto, e o protocolamento em até 30 dias para a concessão do benefício.
A Prefeitura mostra boas intenções na sua vontade de reaquecer o mercado imobiliário com grandes empreendimentos, ajudando em uma fase complicada de Licenciamento em Porto Alegre, agravada em meio à pandemia. Nos últimos anos, para se aprovar um projeto arquitetônico na capital gaúcha levava-se, com prazo bastante otimista, pelo menos seis meses. Uma dificuldade, entretanto, que todos têm que passar independente do tamanho do seu projeto. O que o Decreto faz, na prática, é mais uma vez penalizar as pequenas e médias construções, que levarão ainda mais tempo tramitando, embora possa ter menor complexidade do que grandes projetos.
Uma série de dúvidas adicionais surgem sobre a validade do decreto. Por que favorecer atividades como farmácias, que não só parecem estar presentes em cada esquina como é um dos poucos negócios que conseguiram aumentar seus lucros durante a pandemia? Ainda, até que ponto o prazo de um ano para iniciar a obra ou concluir fundações é condicionante, dado que este é o tempo usual nas práticas de mercado da cidade? E dada a limitação na agilidade do licenciamento, se projetos grandes terão prazos reduzidos, projetos menores terão seus prazos aumentados?
O poder público deveria trabalhar para todos, sem o favorecimento de “campeãs municipais”. Para realmente reaquecer a economia precisamos de um Escritório de Licenciamento ágil, necessidade histórica da cidade e que nenhuma gestão conseguiu resolver de forma estrutural. O foco deveria estar em desburocratizar etapas de aprovação de projeto, agilizar os despachos que levam mais de mês apenas para enviar a documentação ao setor responsável, ou mesmo criar a figura do arquiteto e urbanista responsável pelo projeto, assim como o engenheiro é responsável pelo cálculo estrutural — com responsabilização jurídica — eliminando a necessidade de revisão por parte da prefeitura.
É importante destacar que a administração pública vem trabalhando neste objetivo de desburocratizar a aprovação e licenciamento das edificações. A digitalização do arquivo do Escritório de Licenciamento, ou a tramitação online de serviços urbanísticos e ambientais são bons exemplos desta gestão. Mais recentemente o Decreto n° 20.542 de abril de 2020 passou a dispensar a vistoria para expedição da Carta de Habitação, deixando a responsabilidade para o arquiteto ou engenheiro da obra.
A complexidade regulatória já beneficia as grandes incorporadoras que têm departamentos especializados não só em entender o processo regulatório como influenciá-lo. A prefeitura, ao agilizar determinadas aprovações, está optando por ajudar alguns, ferindo o princípio da isonomia que lhe cabe. É preocupante este incentivo aos grandes com a ausência de políticas claras aos pequenos e médios incorporadores que, embora mais distribuídas pela cidade, representam uma importante parcela do mercado.
Nota de edição: em sua versão original, o texto indicava desconhecimento em relação à emissão de Cartas de Habitação dispensando vistoria. No entanto, na mesma data da publicação, foi verificado que estas emissões já foram, de fato, realizadas.
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