Bairros nunca tiveram o propósito de serem imutáveis
As mudanças nos bairros e nas cidades ao longo dos anos é natural e tentar impor restrições para elas é um equívoco.
A escolha pelo uso de carros particulares é compreensível para além da chamada “cultura do automóvel”. Mas será que os motoristas realmente pagam pelos impactos que causam?
31 de janeiro de 2022A escolha pelo uso de carros particulares é compreensível para além da chamada “cultura do automóvel”. A possibilidade de um transporte que leva da origem direto ao destino, com horário flexível e que oferece sensação de segurança justifica seu uso, especialmente em locais onde os sistemas de transportes mais sustentáveis não atendem toda a população de forma satisfatória. Mas será que os motoristas realmente pagam pelos impactos que causam?
Pesquisadores explicam que um dos principais fatores atrativos à utilização dos carros é o fato dos motoristas pagarem apenas por uma pequena fração do custo real de dirigir. A infraestrutura ofertada é o que economistas denominam como “bem livre”, ou seja: quanto mais opções confortáveis ao automóvel, mais rapidamente a demanda por ele crescerá.
E os custos associados a isso não estão, como se poderia imaginar, ligados somente à instalação e manutenção de infraestruturas tais como vias, túneis, mergulhões, pontes e espaços para estacionamento. Os impactos ambientais, sociais, econômicos e na saúde oneram de forma significativa os cofres públicos ano após ano.
Custos que, em geral, são financiados pela população sem distinguir aqueles que andam de carro daqueles que utilizam o transporte público ou ativo. Em outras palavras: toda a sociedade paga por um modo de transporte não acessível a todos e extremamente negativa. Arca, coletivamente, seja com recursos e/ou com a própria saúde e qualidade de vida.
Mudar a lógica do modelo rodoviarista para outro mais democrático requer não só medidas que atraiam as pessoas para formas menos impactantes de circulação, mas também medidas que desestimulem o uso de carros em áreas urbanas. Políticas de cobrança para usuários cativos do carro, apesar de inicialmente não serem bem recebidas pela opinião pública, possuem potencial para tornar o espaço viário mais acessível.
A precificação pelo uso do automóvel é uma realidade em diversas cidades do mundo, especialmente no Hemisfério Norte. Políticas ligadas à boa gestão de estacionamentos e a cobrança por acesso a determinadas áreas da cidade ou pelo uso de determinadas vias podem ajudar a promover a mobilidade sustentável nas cidades.
As políticas de precificação têm como objetivo principal mostrar o real custo de dirigir, conforme explica Dana Yanocha, Gerente de Pesquisa do ITDP Global. A especialista afirma que as medidas dessa natureza visam influenciar a demanda por carros e, que apesar de serem relativamente recentes, têm potencial gerador de receita para as municipalidades.
As afirmações de Dana podem ser confirmadas tanto pela literatura quanto pelos exemplos já consolidados pelo mundo. A especialista explica ainda que, para que haja aceitação por parte da sociedade é fundamental que exista transparência no manejo dos recursos e que os resultados possam ser vistos e vivenciados pela população.
A precificação pode ser dividida em algumas categorias principais: gestão de estacionamento, precificação por congestionamentos, por ocupação do veículo e por emissões. Os objetivos específicos podem variar de acordo com a estratégia adotada, e incluem: redução de congestionamentos, da emissão de gases de efeito estufa (GEE) e da poluição do ar, facilitação das atividades econômicas locais, melhora no acesso à cidade de forma inclusiva e, por fim, ampliação da receita municipal no setor. São alguns exemplos:
• A precificação por congestionamento (por área ou corredor);
• A precificação baseada na distância (baseadas nos quilômetros percorridos, ou aplicadas nos combustíveis, ou seguros veiculares);
• A precificação por ocupação (destinando pistas exclusivas para veículos com mais viajantes e tarifando as demais);
• A precificação por emissão de poluentes (que veremos mais detalhadamente no próximo artigo desta série).
O grande desafio por trás dessas medidas é a equidade. É fundamental que estas existam como ferramentas redistributivas, e não ampliadoras das desigualdades existentes. Nas cidades com transporte público desigual, precário e excludente, que e obrigam os cidadãos a percorrer longas distâncias em condições degradantes rotineiramente, a precificação pode ampliar a imobilidade da população periférica.
Devemos considerar que essa é a realidade experienciada em muitas cidades brasileiras, e que muitas vezes a escolha pelo automóvel particular ou pela moto é inevitável — ainda que signifique o endividamento de grupos economicamente vulneráveis. Assim, medidas de precificação acabariam por onerar exatamente este grupo.
Falar em políticas de precificação é, em outras palavras, falar em arrecadar recursos para reinvestimento no transporte público de qualidade, na ampliação da malha cicloviária, na melhoria da qualidade das calçadas e espaços públicos.
Não só no que tange a infraestrutura, mas também ao custo, à segurança, conforto e conveniência. Medidas como as citadas, quando implementadas considerando a equidade, podem promover cidades mais socialmente justas, inclusivas e felizes.
Publicado originalmente em ITDP Brasil em 15 de setembro de 2021.
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