Deixando as vias expressas para trás
Imagem: Open Grid Scheduler/Grid Engine.

Deixando as vias expressas para trás

Vias expressas são soluções obsoletas. O investimento no transporte público e ativo é essencial para que as cidades em desenvolvimento superem as vias expressas e pulem direto para o futuro sustentável.

18 de outubro de 2021

As vias expressas são estradas de acesso limitado em áreas populosas, desenhadas para permitir o tráfego motorizado em alta velocidade por longas distâncias. Algumas passam pelos centros das cidades, enquanto outras circundam o centro urbano.

A iniciativa já foi o auge do design de transporte na década de 1950, mas hoje são tão obsoletas quanto disquetes. A caminhada, a bicicleta e o transporte público são mais sustentáveis, seguros, saudáveis, eficientes e produtivos. Para contribuir com o tema, o Instituto de Políticas de Transporte & Desenvolvimento (IPTD) produziu o material Vias Expressas vs. Ruas Completas, com o objetivo de comparar ambas em termos de saúde, eficiência, habitação e qualidade ambiental e de vida.

(Fonte: ITDP)

Vias expressas não são só obsoletas: elas são tóxicas. São maléficas para a população e para o planeta. Elas afastam as pessoas, dividem comunidades e aprofundam a segregação ao impedir trajetos que antes poderiam ser feitos a pé. Nesse sentido, sacrificam a vida cotidiana nos bairros para facilitar o tráfego de carros.

Também levam ao crescimento do que é ecologicamente e financeiramente insustentável, além de subsidiar o desenvolvimento espraiado que, por sua vez, destrói terras agrícolas e hábitats naturais. As vias expressas encorajam as pessoas a dirigir, piorando a poluição do ar e acelerando o processo de mudanças do clima. 

Vias expressas não fornecem acesso seguro ou mais equitativo a bens ou serviços (Imagem: Fernando Stankuns)

Aqueles que são a favor defendem que elas aliviam os congestionamentos, diminuem os tempos de viagem e até reduzem as emissões de poluentes. Mas, na verdade, causam o fenômeno da indução da demanda que, ao aumentarem a conveniência em termos de velocidade e tempo de viagem, encorajam a preferência pelo automóvel.

Poucos anos após a abertura de novas vias, o congestionamento, a poluição e outros impactos prejudiciais da motorização tornam-se piores e os benefícios esperados não se materializam.

Os efeitos nocivos das vias expressas são tão evidentes que a maior parte das cidades em países de maior renda estão parando de construí-las. Cidades como Seul, Nova York, São Francisco, Utreque e Milwaukee começaram a destruí-las. Apesar do custo, a demolição resulta em cidades mais saudáveis e com melhores condições de habitabilidade.

Nem todas as cidades de alta renda cometeram o erro de construir essas vias no século XX. Vancouver — a única cidade grande norte-americana sem vias expressas na região central — investiu esses recursos na mobilidade a pé, por bicicleta, no transporte público e no Desenvolvimento Orientado ao Transporte (DOT). Não por coincidência, Vancouver está sempre no topo dos rankings de qualidade de vida do continente.

Repetindo erros do passado

Mesmo com os países desenvolvidos demolindo suas vias expressas, muitos países com média e baixa renda continuam no caminho contrário. Os projetos de construção das vias geralmente são financiados pelo governo nacional e local, mas em alguns casos por bancos de desenvolvimento bilateral ou multilateral.

Ironicamente, esses bancos são frequentemente financiados por esses países que deixaram de construí-las em suas próprias cidades. O argumento para a construção de novas vias é o mesmo de 50 anos atrás: reduzir o congestionamento. Contudo, com os dados que temos atualmente, sabemos que isso nunca acontecerá.

Mudando o velho padrão de mobilidade

Devido a crise da Covid-19, muitos governos vão estimular programas que financiem infraestruturas para impulsionar o crescimento econômico. Financiamentos relacionados a Covid-19 devem ser gastos com soluções inovadoras e sustentáveis.

Centenas de cidades ao redor do mundo têm expandido rapidamente suas rotas cicláveis, enquanto outras estão acelerando os planos de expansão da rede de ciclovias.

Para permitir uma recuperação da crise sanitária de forma sustentável e eficiente, as cidades devem tornar essas infraestruturas permanentes. Bancos de desenvolvimento multilateral e bilateral, e outras corporações de fomento devem financiar a mobilidade sustentável em vez de projetos de vias expressas tóxicas.

A elevada Cheonggye Freeway, em Seul, Coreia do Sul, foi demolida criando um espaço verde de 9 km que melhorou a qualidade de vida local e estimulou a demolição de outras 15 vias expressas. (Imagem: Ted McGrath)

A educação e a conscientização sobre avanços serão essenciais para permitir que as instituições financeiras e os governos optem pelo transporte sustentável como solução. Um salto para a mobilidade urbana sustentável é possível. Um exemplo é a cidade de Bogotá, que em meados dos anos 1990 cresceu rapidamente e precisou decidir como expandir seu sistema de transporte.

A JICA (Japanese International Cooperation Agency) ofereceu recursos para financiar um sistema de vias expressas, mas a cidade optou por uma estratégia de mobilidade que inclui um sistema de Bus Rapid Transit (BRT).

Hoje, o BRT transporta mais de 1,8 milhões de passageiros por dia, mais pessoas do que seria possível nas vias expressas propostas, por uma fração do custo de construção. A cidade ainda investiu em um sistema de bicicletas compartilhadas e em 45 km de caminhos verdes conectando bairros de baixa renda ao centro da cidade.

Artigo publicado originalmente em ITDP Brasil em 11 de maio de 2021.

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