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Como melhorar a segurança das cidades através do urbanismo
As regras e decisões sobre o planejamento das localidades afetam como as pessoas irão usar e ocupar os espaços urbanos. Lugares com pouca gente nas vias públicas e sem infraestrutura passam um sentimento maior de insegurança e tendem a registrar índices de criminalidade mais elevados. Rever leis de zoneamento e o design dos municípios, em conjunto com outras medidas, podem contribuir para mudar esse cenário e trazer mais segurança as cidades.
Diferentes aspectos pesam no momento de escolher o caminho a ser percorrido em uma determinada região da cidade. A presença de mais indivíduos circulando nas ruas, uma boa iluminação, uma calçada qualificada e a existência de estabelecimentos comerciais diversos ao longo do trajeto são elementos que transmitem uma sensação de segurança maior e que resultam na utilização mais intensa desses locais. A violência nos municípios é consequência de uma série de fatores, como a desigualdade social e econômica, a falta de políticas públicas que assegurem o acesso aos serviços e à moradia e também das normas que orientam o desenho dos espaços.
A relação entre o urbanismo e a insegurança vem sendo debatida há décadas por especialistas e estudiosos dessa área, como a escritora e ativista norte-americana Jane Jacobs. Em suas observações sobre como os bairros antigos de distintas localidades funcionavam, a autora de “Morte e Vida de Grandes Cidades” criou o conceito de “olhos da rua”. Ela verificou que em comunidades densas e mistas, com pessoas passeando nas vias, comerciantes abrindo as suas lojas e com os residentes dos andares baixos de prédios com cafés, bares, restaurantes e outros negócios no térreo acompanhando o movimento nas calçadas, havia vida nos ambientes públicos e ocorria uma ligação entre os seus usuários, que faziam um monitoramento espontâneo dos lugares, detalhou o arquiteto, urbanista e fundador e editor do Caos Planejado, Anthony Ling, no podcast “Olhos da Rua”, que tratou da questão dos municípios e o crime.
No contexto brasileiro, salienta o profissional, as regiões mais caminháveis são onde o contato do comércio com os indivíduos acontece nas vias, o que ocorre, geralmente, nas partes mais velhas das cidades, como os centros históricos, bairros que se desenvolveram antes da influência do modernismo e da sua visão de locais que devem funcionar como máquinas e que possuem uma separação entre habitação, trabalho e lazer. “Os nossos centros foram esvaziados, eles tiveram uma perda de população e uma carência de investimentos públicos durante muito tempo e se tornaram áreas com alguns núcleos de maior criminalidade, em muitos casos”, acrescentou.
Para o arquiteto, hoje estamos em uma situação semelhante à experimentada por Jane Jacobs nos anos 1960, isso porque há muitos cidadãos que ainda acreditam que é a estrutura urbana dos centros que está errada e que leva à pobreza e à insegurança e que outra forma de urbanismo deveria ser construída. Ling se refere ao panorama em que a escritora estava inserida, no qual os Estados Unidos viviam um forte movimento de renovação das comunidades mais pobres, com uma política para os municípios que – em vez de levar serviços, infraestrutura e assistência social – previa a demolição desses bairros e a edificação de grandes conjuntos residenciais seguindo a lógica da arquitetura modernista. Ao mesmo tempo, o país atravessava um período acentuado de instalação de rodovias entre as cidades e também cortando internamente as localidades tradicionais.
Com relação aos Planos Diretores e às regras urbanas que norteiam os municípios, o arquiteto argumentou que elas acabaram estabelecendo cidades onde há poucas pessoas morando em um terreno central das localidades, com infraestrutura e empregos, que é pouco eficiente do ponto de vista econômico, pois permite uma ocupação de “baixíssima densidade”. “Se a gente for olhar a expansão dos lugares de uma maneira macro, a sucessão desse tipo de bairro e a restrição de potencial construtivo nas regiões mais centrais vão empurrando os indivíduos para cada vez mais longe”, ressaltou.
Vários municípios, complementou Ling, têm uma legislação que, de certa forma, se baseia em preceitos do modernismo, que levam à idealização de prédios isolados em um lote, com recuos obrigatórios, e a espaços habitacionais com uma característica semelhante: um imóvel por terreno. A insegurança, em conjunto com o urbanismo criado no Brasil, destacou o arquiteto, causaram a fortificação das cidades, com ruas cercadas por muros, onde “tudo o que acontece no ambiente público é o trânsito de veículos e do transporte coletivo”. Esse cenário mais o estímulo ao uso dos carros geraram, na opinião do profissional, vias mais hostis à caminhabilidade, barulhentas e com calçadas e ciclovias inadequadas e esburacadas. “A área pública, que ao meu ver deveria ser o foco do planejamento urbano, ficou esquecida, quase como um lugar residual”, ponderou.
Ter ruas mais vivas, que devolvam a sensação de segurança aos cidadãos, é um caminho para que os usuários voltem a se apropriar e ocupar as localidades. E uma maneira de fazer isso, segundo Ling, é contar com uma zeladoria básica dos espaços coletivos que cuide do patrimônio tombado, da iluminação, da qualidade dos ambientes e das calçadas e da limpeza e manutenção da infraestrutura disponível, bem como uma revisão das atuais normas urbanas e de edificação.
Qualificação das regiões como ferramenta de combate à criminalidade: o caso de Medellín
Os municípios da América Latina estão entre os mais violentos do mundo, como demonstra ranking realizado em 2023 pelo Conselho Cidadão para a Segurança Pública e a Justiça Penal do México. Entre as 50 cidades listadas, 40 delas estão nessa região: 16 no México (com as duas primeiras posições: Colima e Obregón), 10 no Brasil (entre elas estão Curuaru-PE, Macapá-AP e Porto Velho-RO), 8 na Colômbia, 2 em Honduras, 1 em Trinidad e Tobago, 1 no Haiti (Porto Príncipe, que ficou em terceiro lugar), 1 no Equador e 1 na Jamaica.
Melhorar as áreas coletivas das comunidades, conceber pontos de interação entre as pessoas e reconectar bairros são algumas das iniciativas que podem ser implementadas para reduzir a violência nas localidades. Porém, resolver os problemas urbanísticos de forma isolada não é o suficiente para acabar com a criminalidade em muitos lugares dos municípios. É preciso, defende o arquiteto e urbanista Anthony Ling, que haja uma abordagem interdisciplinar para solucionar ao mesmo tempo as dificuldades sociais, de segurança e dos espaços públicos das cidades, como foi feito em Medellín, na Colômbia.
A localidade, marcada pelo narcotráfico e pelos mais altos índices de homicídio no planeta – em 1991, a taxa foi de 380 assassinatos por 100 mil habitantes, conforme artigo do Arq.Futuro –, começou a modificar a sua realidade através da combinação de estratégias em diferentes frentes de trabalho. Após uma primeira ação policial e militar, um conjunto de políticas públicas foi desenvolvido para garantir a continuidade da queda dos indicadores de violência, diminuir as desigualdades sociais e urbanas e levar serviços de órgãos governamentais aos bairros pobres. A integração entre as comunidades e a mobilidade foram alguns dos segmentos aprimorados em Medellín, como aponta matéria do Somos Cidade, possibilitando que os indivíduos se deslocassem com mais segurança e facilidade entre suas casas, empregos, comércios, serviços e atividades de lazer.
A revitalização da Comuna 13, viabilizada por meio do programa Projeto Urbano Integral (PUI) a partir de 2004, teve como coordenador o arquiteto colombiano Gustavo Restrepo e envolveu, entre outras medidas, a instalação de 12 escadas rolantes no bairro, seis para subir e as outras seis para descer. Além disso, ruas foram alargadas, ambientes públicos idealizados, escolas e postos de saúde erguidos e um teleférico foi implementado para ligar a região a outras do município.
Um dos destaques das alterações promovidas em Medellín, assinalado pelo Arq.Futuro, foram as bibliotecas-parques, prédios coloridos e pensados como áreas para a convivência social e para o desenvolvimento cultural e educacional da população. De um lugar inseguro, a comunidade virou, com as obras concretizadas, um ponto turístico devido à arte urbana que surgiu no espaço. Em uma de suas passagens pelo Brasil, Restrepo reforçou que a solução definida para Medellín foi estabelecida com base na situação vivida e nas particularidades da cidade e que uma nova cultura cidadã foi essencial para que o plano desse certo.
Conheça quatro iniciativas que transformam ambientes coletivos em destinos mais seguros
Além de aperfeiçoar os bairros, recuperando vias e calçadas, qualificando a infraestrutura e os serviços públicos prestados e reconectando as regiões de uma localidade como estratégia para reduzir a violência urbana, é preciso pensar na oferta de áreas coletivas que sejam inclusivas, reúnam distintas atividades e pontos de contato com a natureza, para a contemplação, prática de exercícios e de relaxamento, agrega artigo do ArchDaily. Essas características ajudam a tornar esses espaços mais diversos e frequentados, o que reflete na segurança de seus usuários. Saiba mais sobre quatro ações efetuadas com esse propósito exemplificadas pela publicação.
Superquadra de Sant Antoni, Barcelona (Espanha)
Parte do programa de superquadras do município espanhol, que está reformulando o desenho urbano do bairro Eixample através da união de quadras em unidades maiores, criando praças nos cruzamentos e ruas verdes que priorizam os pedestres e ciclistas, a superquadra Sant Antoni foi concebida pelo Leku Studio, em 2019. Um kit de ferramentas de elementos de mobiliário modular, um guia de estilo gráfico para as sinalizações, padrões e comunicação e uma metodologia de implementação foi idealizada para ser aplicada em todas as superquadras. Esses materiais contemplam desde o tipo de bancos, mesas, desenhos geométricos nas vias até o paisagismo desses novos ambientes.
Praça Azatlyk, Naberezhnye Chelny (Rússia)
Com uma área de 78 mil m², a principal praça da antiga cidade soviética fundada no final da década de 1970 foi mudada para aprimorar a vida na localidade e ao ar livre e aproximar as pessoas da natureza e de um lugar de lazer renovado. Realizado pelo escritório de arquitetura DROM, entre os anos de 2017 e 2019, o projeto levou dinamismo a um equipamento urbano que era subutilizado e estava sem conexão com o restante do município, de acordo com material da empresa. O eixo principal da praça foi deslocado para junto da fileira de árvores existente e várias estruturas foram colocadas ao longo do trajeto, como bancos, plataforma panorâmica com balanços, cafeteria, playground, barracas de comida e arquibancada.
Redesenho da margem da orla do lago Paprocany, Tychy (Polônia)
A iniciativa, concretizada em 2014, incluiu a instalação de um passeio de madeira sinuoso com vista para o lago da cidade polonesa, uma nova praia e uma academia ao ar livre. Desenvolvido pelo escritório de arquitetura RS+Robert Skitek, o complexo valoriza a paisagem natural e amplia a oferta de atividades de lazer para os residentes e visitantes de Tychy. Com diferentes espaços e mobiliário para a contemplação e descanso, o ambiente revitalizado conta com uma área de 20 mil m². Em um trecho do percurso há uma abertura com uma rede esticada sobre a água e bancos criados especialmente para a margem do lago, que funciona também como uma arquibancada para acompanhar as competições esportivas que acontecem ali.
Terminal e Parque Urbano em São Luís (Maranhão)
Localizado no Centro Histórico do município maranhense e com uma área de 225,8 mil m², a recuperação do espaço foi planejada com o objetivo de melhorar a segurança nessa região, a interligação com o entorno e o patrimônio existente e incentivar os negócios dos microempreendedores presentes no ambiente. Idealizado pelo escritório de arquitetura Natureza Urbana, o projeto qualificou a mobilidade no lugar, com foco no acesso ao transporte público e nos pedestres, com o aperfeiçoamento de calçadas e a implementação de ciclovias. Efetuado em 2020, o trabalho abrangeu também a construção de uma pista de skate, playground e área para a prática de esportes. Além disso, a reordenação da praça e do terminal, segundo apresentação da companhia, trouxe uma melhor distribuição dos pontos comerciais e a eliminação de barreiras físicas e visuais, compondo pequenas praças com equipamentos urbanos dinâmicos.
Artigo publicado originalmente em Somos Cidade, em março de 2024.
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