Bairros nunca tiveram o propósito de serem imutáveis
As mudanças nos bairros e nas cidades ao longo dos anos é natural e tentar impor restrições para elas é um equívoco.
Existem políticos propondo mais controle estatal sobre imóveis. Confira 4 momentos em que o controle de aluguéis foi implementado no Brasil – e falhou.
23 de fevereiro de 2018Em 21 de fevereiro de 2018, o deputado federal Jean Wyllys publicou em sua página no Facebook um Projeto de Lei de sua autoria que propõe “parar o aumento dos aluguéis”. Essa não é a primeira vez que um político pretende fazer o controle do valor de aluguéis no país. A medida já foi implementada em quatro outras ocasiões — todas com resultados diferentes do esperado. Não é à toa que o tema é um dos poucos onde há um razoável consenso entre economistas independente do espectro político, como Paul Krugman e Matthew Yglesias.
Quando aplicado, o controle de aluguéis reduz a quantidade e a qualidade das moradias disponíveis.
Conheça as experiências brasileiras:
É no final do século 19, em um cenário de crise financeira a partir das políticas inflacionárias de expansão do crédito e da oferta monetária, que Floriano Peixoto assume a presidência da república em 1891. Sem compreender que era a inflação a causa por trás do aumento de preços, culpando os “especuladores”, “Floriano decreta baixa no aluguel da casa de operários… faz demolir o cortiço cabeça de porco, pertencente ao Conde d’Eu, e decreta lei ordenando a criação de casas populares e operárias”.
Os registros históricos são poucos referentes às consequências da medida, talvez de pequeno impacto devido ao curto período do governo de Floriano Peixoto. No entanto, a medida representava seu governo de cunho autoritário e centralizador, e estava claramente equivocada na identificação da origem do aumento de preços de aluguel. Aliado a isso, a demolição do Cabeça de Porco também era alinhada com o entendimento da época de que cortiços eram locais inerentemente insalubres devido à aglomeração de pessoas em espaços pequenos, a chamada teoria “miasmática” refutada anos depois.
Getúlio Vargas foi o presidente responsável por instituir uma série de políticas públicas de cunho social, como a criação da Carteira de Trabalho. Entre as políticas do “pai dos pobres” estava um Decreto-Lei de 20 de Agosto de 1942 que instituiu que “Durante o período de dois anos (…) não poderá vigorar em todo o território Nacional, aluguel de residência, de qualquer natureza, superior ao cobrado a 31 de dezembro de 1941”.
As consequências da lei, aponta Nabil Bonduki, foi o colapso da produção rentista e a crise da moradia dos anos 40. O país assistiu a uma escassez assombrosa na oferta de aluguéis, a partir do momento em que os empreendedores pararam de construir de habitações que suprissem a essa necessidade — isso em uma época que o fluxo migratório das zonas rurais para as cidades crescia intensamente.
A lei viria a ser um dos principais fatores para o surgimento e popularização das favelas, especialmente na cidade de São Paulo. A drástica redução no número de unidades de baixa renda no mercado, somado ao número crescente de despejos, empurraram os mais pobres (despejados e migrantes recém-chegados) para a autoconstrução em terrenos públicos, como já havia acontecido no Rio de Janeiro por consequência de políticas de remoção como o Bota Abaixo.
A terceira tentativa de controlar os preços de aluguéis veio doze anos depois, das mãos de outra figura importante da história nacional nascido em São Borja, no Rio Grande do Sul. Em 13 de março de 1964, em comício na Central do Brasil, o então presidente João Goulart anunciava uma série de medidas, como a nacionalização de refinarias de petróleo, a desapropriação de terras para a reforma agrária e, mais uma vez, o congelamento dos preços dos aluguéis.
O Decreto viria a ser publicado no dia seguinte, com uma tabela de valores: um quarto não poderia custar mais de 1/5 do salário mínimo. Um quarto e cozinho, 2/5 do salário. Uma habitação com sala, 3 quartos e serviço de empregados não poderia passar de 1 salário mínimo e meio. As consequências que o decreto teria no mercado habitacional do país são uma incógnita, já que as reformas propostas desencadearam o golpe militar dezoito dias após o comício.
A medida populista não teve tempo de apresentar resultados. Dezoito dias depois do “comício das reformas”, Jango foi deposto pelo Golpe Militar de 1964, dando início a um período obscuro da história brasileira.
Mais de vinte anos depois da tentativa frustrada de Jango, o Brasil ainda se recuperava das décadas de ditadura e enfrentava uma das maiores crises econômicas das sua história, com o fantasma de “hiperinflação” assombrando sua população. Em fevereiro de 1986, o presidente Sarney apresentou seu plano na guerra a inflação: o Plano Cruzado.
O plano visava controlar a inflação por meio de políticas de renda apoiadas no congelamento dos preços — incluindo o do aluguel. O resultado, como é possível imaginar, foi a escassez do mercado imobiliário no país, agora somada ao desaparecimento de uma série de outros produtos das prateleiras dos mercados brasileiros.
Os principais prejudicados, no entanto, foram os proprietários de imóveis para aluguel, como explicam Carla Rossi e Ernesto Moreira Guedes Filho: o governo poderia argumentar que havia um benefício “desejável” para os locatários em geral, mas isso, se ocorresse, seria temporário. Na verdade, o investimento em casas de aluguel era desestimulado, prejudicando os locatários pela insuficiência de oferta adequada.
Não é a primeira vez que alertamos para os perigos do controle de aluguel aqui no Caos Planejado. A medida já foi testada uma série de vezes e os resultados mostram que ela não só não é eficiente, como prejudica principalmente aqueles que pretende ajudar. Não duvidamos da boa intenção de Jean Wyllys ao enviar a proposta, mas é sua responsabilidade se informar sobre as possíveis consequências daquilo que propõe.
Como sugestão de leitura ao deputado, o economista sueco Assar Lindbeck:
“Próximo do bombardeamento, o controle de aluguéis parece ser em vários casos a técnica mais eficiente conhecida para se destruir cidades”.
Este artigo foi editado em 23 de novembro de 2018 para inclusão da experiência de controle de aluguéis no governo de Floriano Peixoto.
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COMENTÁRIOS
É de bom grado, o governo/congresso ficar de fora de negociações entre Locador e Locatário. A interferência do congresso só pode dar “merda”, e sempre visam aprovar leis para interesses particulares, jamais pensam na população menos favorecida.
A interferência só vai causar mais demanda por moradia, no caso para locação, mesmo que seja neste momento de pandemia do Convid-19. Como podem ditar regrar também, para suspender ações de despejo, e o direito de propriedade vai pro “lixo”, infelizmente são os próprios congressista que não respeitam a Constituição, é lamentável.
“Boa-vontade”, como meu pai diz, de boas intenções o inferno já tá cheio.
ótimo texto! controle de preços não dá certo em nenhum lugar do mundo, só provoca escassez daquilo que é controlado.
Ótimo texto! Há apenas um errinho em “o governo poderia argumento”. No mais, muito bom!
Não duvidam da boa intenção de Jean Wyllys, este sujeito nunca teve boa intenção, pelo contrario a intenção é a desarmonia institucional. Basta ler os indicadores econômicos para ver que nunca tivemos uma deflação nos valores dos alugueis e compra de imóveis como nos últimos anos, por sinal após treze anos do PT no poder e com um controle surreal sobre a economia, levando o País a maior crise financeira do ultimo seculo, controlando principalmente o valor de combustíveis.
Haha faltou o crédito: Prof Pasquale =]
Duvidem sim da “boa-vontade”.