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Dois dos nomes mais respeitados da pesquisa em moradia são Lance Freeman e Jenny Schuetz. Freeman é professor de urbanismo na Universidade de Columbia e autor de uma série de artigos examinando mudanças em vizinhanças, e considerando se e quando gentrificação leva ao deslocamento de residentes dessas vizinhanças (é raro). Schuetz é uma economista urbana que hoje trabalha para aFederal Reserve e tem escrito uma série de artigos impressionantes sobre assuntos que vão da execução de hipotecas, passando por economia de bairro, até os efeitos que regulações sobre o uso da terra têm sobre os preços das habitações. No início do ano, Freeman e Schuetz escreveram, juntos, um novo artigo sobre políticas de acessibilidade para a revista trimestral Cityscape, do Departamento de Moradia e Desenvolvimento Urbano.
O artigo formula a questão “Producing Affordable Housing in Rising Markets, What Works?” (Produzir Moradias Acessíveis em Mercados em Crescimento: O que Funciona?, tradução livre)”. O texto observa uma variedade de políticas locais e estaduais que subsidiam ou facilitam a construção de moradias mais acessíveis, incluindo leis estaduais de fair share, subsídios diretos, financiamento proveniente de aumento dos impostos e zoneamento inclusivo.
No nosso grupo de pesquisa City Observatory, somos muito céticos quanto à eficiência do zoneamento inclusivo. Ao mesmo tempo em que essa prática recebe menções honrosas como política preferida de muitos defensores de moradias acessíveis, existe muito pouca evidência de que ela já tenha tido mais do que um efeito simbólico na solução do problema de acessibilidade em qualquer cidade. Além disso, por suas exigências essencialmente transferirem o custo das moradias acessíveis para empreendimentos novos, eles aumentam seus custos, e provavelmente reduzem o número de unidades construídas — o que tende a agravar a escassez de moradia e acelerar os preços ainda mais.
Aqui está a evidência quantitativa: Freeman e Shuetz reuniram dados de 150 programas diferentes de zoneamento inclusivo, em cinco regiões diferentes dos Estados Unidos. Para ilustrar a escala desses programas relativos ao mercado, eles mostram o número total de unidades existentes em 2000 nas jurisdições com zoneamento inclusivo e, para referência, mostram o número de unidades financiadas pelo Low Income Housing Tax Credit (LIHTC) — programa federal de incentivo ao desenvolvimento de habitações acessíveis.
Eles concluem:
“Produção anual média sob programas locais de zoneamento inclusivo variam sistematicamente por regiões, mas em todas as áreas eles contribuíram com uma quantidade modesta de moradias acessíveis. […] Expressas como uma fração do estoque habitacional existente, moradias acessíveis produzidas por zoneamento inclusivo formam menos de 0,1% das moradias existentes em todas as regiões.”
Uma das grandes questões sobre zoneamento inclusivo é se os custos adicionais impostos aos empreendedores aumentam o preço e diminuem a oferta de moradias providenciadas pelo mercado, reduzindo os (pequenos) lucros das unidades acessíveis. Em Seattle, Dan Bertolet calculou que, se o custo adicional das exigências do zoneamento inclusivo impedirem que apenas dois novos prédios de apartamentos sejam construídos, ele vai mais que contrabalancear o efeito de oferta positiva das construções inclusivas. Freeman e Schuetz tocam brevemente nessa questão. Eles observam:
“Estudos existentes encontraram resultados variados de programas de zoneamento inclusivo locais, com alguma evidência de que esses zoneamentos contribuem para o aumento dos valores das moradias, reduzem o número de novas construções, e levam à construção de unidades menores, mas esses efeitos variam de acordo com região e período.”
Nas recomendações de políticas públicas, no entanto, eles são bem claros: governos locais deveriam reduzir zoneamentos que acarretam no aumento de preços e exigências de construções e deveriam aumentar o potencial construtivo de áreas residenciais, permitindo mais apartamentos e unidades de habitação. Se você leva esse conselho minimamente à sério, deveria pensar duas vezes antes de impor uma ordem de zoneamento inclusivo em um novo empreendimento.
Governos locais deveriam reduzir zoneamentos que acarretam no aumento de preços e exigências de construções e deveriam aumentar o potencial construtivo de áreas residenciais.
Nós entendemos que programas de zoneamento inclusivo são atraentes, e eles não parecem custar dinheiro nenhum: você exige que empreendedores construam uma ou duas habitações acessíveis para cada 10 novos apartamentos. Talvez sua cidade ofereça um bônus de densidade, ou facilite a entrega de permissões, mas diferente das habitações públicas convencionais, a cidade não precisa desembolsar nada do seu dinheiro para garantir mais habitações acessíveis. É por isso que Evan Roberts, do StreetsMN, descreve zoneamento inclusivo como politicamente compreensível, mas uma terrível política. É o tipo de solução que é congruente com a explicação moralista do problema da acessibilidade: é culpa dos gananciosos empreendedores e dos impiedosos donos de apartamentos, então é apenas justo obrigar eles a pagar pela solução. Ao mesmo tempo que parecem interessantes, no entanto, zoneamentos inclusivos têm tido, no melhor dos casos, resultados insignificantes, e os riscos que suas exigências diminuam a oferta — aumentando os valores dos aluguéis — deveriam persuadir os políticos a olhar para ele de maneira mais ampla se eles realmente querem achar soluções práticas para esse problema.
Este artigo foi originalmente publicado na seção Commentary do site CityObservatory, por Joe Cortright em 25 de abril de 2017. Foi traduzido por Gabriel Prates e revisado por Anthony Ling.
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Se a produção de habitações acessíveis é tão pouco significante, como pode alterar o mercado a tal ponto? De qualquer forma, se não há procura pelos apartamentos, ainda é vantagem aos construtores executá-los em busca das isenções? Se o incentivo também passa por aumento das taxas construtivas, isso não compensaria a “menor produção habitacional”?
Oi Guilherme, obrigado pelo comentário! Tento responder as tuas perguntas:
O número de habitações acessíveis produzidas através de tal política é pequeno, o que não significa que o mercado não é alterado. Se, por exemplo, o zoneamento inclusivo ser obrigatório a partir de construções de determinado tamanho ou em determinadas regiões, gerará uma distorção no mercado que inibirá a construção nessas áreas devido à alteração do produto imobiliário e ao aumento de custos. Ou seja, uma baixa produção de unidades com uma grande alteração do mercado.
Quanto à sua segunda pergunta, acredito que seja justamente o ponto do artigo: os construtores, mesmo com algumas isenções, acabam construindo poucas unidades deste tipo dada à baixa demanda.
Não entendi exatamente sua última pergunta: a compensação é em relação à o quê? Você está se referindo à margem do incorporador para estes empreendimentos?
Anthony, acredito que o comentário do Guilherme se refira ao fato que, baseado na legislação municipal vigente hoje na cidade de São Paulo (PDE – 2014 / LPUOS – 2016), no caso da necessidade de atendimento à Cota de Solidariedade na proporção de 10% do total das UHs produzidas para empreendimentos com mais de 20.000m² de área construída computável, o empreendedor se vale, na mesma proporção, de um acréscimo de 10% sobre seu Ca máx.
Acho interessante o ponto de vista defendido pelo teu artigo, principalmente se combinada com a leitura do “A cota não tão solidária do Plano Diretor de São Paulo”. Mas eu me questiono, junto ao Guilherme, como a mistura de classes sobre determinado empreendimento numa proporção tão ínfima (de 10%) possa gerar processos tão fortes de “contágio do mercado”. Garantir população de baixa renda em áreas mais centrais/abastecidas de infra-estrutura, geralmente em frente à eixos estruturadores onde a oferta de transporte público é parte estruturante do conceito não me soa negativo em sentido algum. Me parece que todos os entraves mencionados quanto à falta de aplicabilidade da cota (no caso estrangeiro, zoneamento inclusivo) estão DIRETAMENTE relacionados à não vontade do mercado e da elite em que esta mistura aconteça, fundamentado em questões muito mais “socio-espacialmente” e economicamente segregacionistas do que numa falha prática do instrumento enquanto conceito (como a dificuldade de se conseguir financiamentos). Também queria chamar outro ponto quanto ao processo de filtragem = isto não estimularia um movimento concêntrico das elites aos centros e intensificaria processos de periferização?
Também gostaria que me indicasse cases/artigos que falam do aumento do potencial construtivo como instrumento de democratização do espaço urbano. Obrigado!
Obrigado pelo seu comentário. Também concordo que garantir acesso à população de rendas mais diversas à áreas centrais seja um objetivo principal que nossas cidades devem ter. Aliás, este é um dos grandes motivos de existência deste Caos Planejado é este. Também me parece correta a sua interpretação de que o mercado acaba por preferir produtos de maior valor agregado nestes centros. No entanto, a minha análise é de que este motivo ocorre pela série de restrições que existem à construção de produtos diferentes, ou de mais produtos, nestes centros urbanos, que já se relaciona com o seu ponto final em relação ao aumento do potencial construtivo.
Acessibilidade imobiliária segue as mesmas regras de oferta e demanda a qualquer mercado. Com demanda crescente por espaço, se limitarmos a oferta o preço irá aumentar. Com este aumento de preço, o que resta a construir são produtos direcionados a uma elite. Em algumas áreas da cidade, inclusive, há grupos de interesse que lutam para preservar este privilégio, justamente limitando o potencial construtivo no seu bairro para evitar tal democratização. Escrevi a respeito, com o exemplo dos Jardins em São Paulo, no artigo a seguir: https://caosplanejado.com/jardins-para-poucos-a-luta-da-elite-paulistana-pela-exclusao-da-cidade/
Sobre o conceito de forma geral, sobre o impacto do zoneamento no acesso à moradia, existem vários papers tratando do assunto, e este artigo do Caos Planejado referencia uma série deles, com um belo resumo sobre o tema: https://caosplanejado.com/o-impacto-do-zoneamento-no-acesso-a-moradia/
Quanto à sua pergunta sobre filtragem: entendo este fenômeno como o inverso da gentrificação. Se a gentrificação é definida como uma substituição de moradores mais pobres por moradores mais ricos, a filtragem é a substituição de moradores mais ricos por moradores mais pobres. Filtragem foi o que ocorreu em grande parte dos centros históricos das cidades brasileiras, por exemplo, que se desvalorizaram durante as décadas de 70, 80 e 90 e que somente a partir do século 21 se viu, em alguns casos, seu preço aumentar.
Espero que estes comentários tenham ajudado, e fico a disposição para qualquer conversa.
COMENTÁRIOS
Se a produção de habitações acessíveis é tão pouco significante, como pode alterar o mercado a tal ponto? De qualquer forma, se não há procura pelos apartamentos, ainda é vantagem aos construtores executá-los em busca das isenções? Se o incentivo também passa por aumento das taxas construtivas, isso não compensaria a “menor produção habitacional”?
Oi Guilherme, obrigado pelo comentário! Tento responder as tuas perguntas:
O número de habitações acessíveis produzidas através de tal política é pequeno, o que não significa que o mercado não é alterado. Se, por exemplo, o zoneamento inclusivo ser obrigatório a partir de construções de determinado tamanho ou em determinadas regiões, gerará uma distorção no mercado que inibirá a construção nessas áreas devido à alteração do produto imobiliário e ao aumento de custos. Ou seja, uma baixa produção de unidades com uma grande alteração do mercado.
Quanto à sua segunda pergunta, acredito que seja justamente o ponto do artigo: os construtores, mesmo com algumas isenções, acabam construindo poucas unidades deste tipo dada à baixa demanda.
Não entendi exatamente sua última pergunta: a compensação é em relação à o quê? Você está se referindo à margem do incorporador para estes empreendimentos?
Abs!
Anthony, acredito que o comentário do Guilherme se refira ao fato que, baseado na legislação municipal vigente hoje na cidade de São Paulo (PDE – 2014 / LPUOS – 2016), no caso da necessidade de atendimento à Cota de Solidariedade na proporção de 10% do total das UHs produzidas para empreendimentos com mais de 20.000m² de área construída computável, o empreendedor se vale, na mesma proporção, de um acréscimo de 10% sobre seu Ca máx.
Acho interessante o ponto de vista defendido pelo teu artigo, principalmente se combinada com a leitura do “A cota não tão solidária do Plano Diretor de São Paulo”. Mas eu me questiono, junto ao Guilherme, como a mistura de classes sobre determinado empreendimento numa proporção tão ínfima (de 10%) possa gerar processos tão fortes de “contágio do mercado”. Garantir população de baixa renda em áreas mais centrais/abastecidas de infra-estrutura, geralmente em frente à eixos estruturadores onde a oferta de transporte público é parte estruturante do conceito não me soa negativo em sentido algum. Me parece que todos os entraves mencionados quanto à falta de aplicabilidade da cota (no caso estrangeiro, zoneamento inclusivo) estão DIRETAMENTE relacionados à não vontade do mercado e da elite em que esta mistura aconteça, fundamentado em questões muito mais “socio-espacialmente” e economicamente segregacionistas do que numa falha prática do instrumento enquanto conceito (como a dificuldade de se conseguir financiamentos). Também queria chamar outro ponto quanto ao processo de filtragem = isto não estimularia um movimento concêntrico das elites aos centros e intensificaria processos de periferização?
Também gostaria que me indicasse cases/artigos que falam do aumento do potencial construtivo como instrumento de democratização do espaço urbano. Obrigado!
Caro Felipe,
Obrigado pelo seu comentário. Também concordo que garantir acesso à população de rendas mais diversas à áreas centrais seja um objetivo principal que nossas cidades devem ter. Aliás, este é um dos grandes motivos de existência deste Caos Planejado é este. Também me parece correta a sua interpretação de que o mercado acaba por preferir produtos de maior valor agregado nestes centros. No entanto, a minha análise é de que este motivo ocorre pela série de restrições que existem à construção de produtos diferentes, ou de mais produtos, nestes centros urbanos, que já se relaciona com o seu ponto final em relação ao aumento do potencial construtivo.
Acessibilidade imobiliária segue as mesmas regras de oferta e demanda a qualquer mercado. Com demanda crescente por espaço, se limitarmos a oferta o preço irá aumentar. Com este aumento de preço, o que resta a construir são produtos direcionados a uma elite. Em algumas áreas da cidade, inclusive, há grupos de interesse que lutam para preservar este privilégio, justamente limitando o potencial construtivo no seu bairro para evitar tal democratização. Escrevi a respeito, com o exemplo dos Jardins em São Paulo, no artigo a seguir: https://caosplanejado.com/jardins-para-poucos-a-luta-da-elite-paulistana-pela-exclusao-da-cidade/
Sobre o conceito de forma geral, sobre o impacto do zoneamento no acesso à moradia, existem vários papers tratando do assunto, e este artigo do Caos Planejado referencia uma série deles, com um belo resumo sobre o tema: https://caosplanejado.com/o-impacto-do-zoneamento-no-acesso-a-moradia/
Quanto à sua pergunta sobre filtragem: entendo este fenômeno como o inverso da gentrificação. Se a gentrificação é definida como uma substituição de moradores mais pobres por moradores mais ricos, a filtragem é a substituição de moradores mais ricos por moradores mais pobres. Filtragem foi o que ocorreu em grande parte dos centros históricos das cidades brasileiras, por exemplo, que se desvalorizaram durante as décadas de 70, 80 e 90 e que somente a partir do século 21 se viu, em alguns casos, seu preço aumentar.
Espero que estes comentários tenham ajudado, e fico a disposição para qualquer conversa.
Um abraço,
Anthony