O que o Parque Ibirapuera em São Paulo tem a ver com o Nobel de Economia?
Na perspectiva do desenvolvimento econômico, vemos que alguns aspectos da configuração urbana de São Paulo são excludentes.
O engajamento comunitário e a produção de capital social são fatores-chave para tornar as cidades mais seguras.
18 de novembro de 2020A segurança nas ruas vai muito além de policiamento e iluminação. Embora estes fatores possam ser importantes em determinados contextos, o engajamento comunitário e a produção de capital social são fatores-chave para tornar as cidades mais seguras. “Sentir-se seguro é crucial para que as pessoas abracem o espaço urbano”, afirma Jan Gehl.
O Guia Global de Desenho de Ruas define rua como “a unidade básica do espaço urbano através da qual as pessoas vivenciam a cidade”. As ruas são espaços dinâmicos que buscam se adaptar ao longo dos anos para combater os desafios diários — herdados de um planejamento urbano ortodoxo — e os do amanhã. A rua — sustentada pelo assíduo uso do pedestre — é fundamental para auxiliar no alcance de metas e objetivos urbanos como qualidade de vida, saúde e segurança pública, sustentabilidade ambiental e econômica e equidade social.
Desde o advento do carro nas cidades, o crescimento do tráfego — infelizmente — vem acompanhando do crescimento no número de acidentes. É necessário que as vias urbanas possibilitem e comportem o fluxo — preferencialmente contínuo — de diversificados tipos de mobilidade, seja veículos motorizados e não-motorizados, individuais e coletivos, rápidos e lentos.
No entanto, esse fluxo não pode provocar e/ou estimular uma distribuição desigual de infraestrutura aos veículos motorizados quando comparado aos modos ativos. O uso demasiado do automóvel nas vias urbanas não quer dizer que não há pessoas suficientes para utilizar o espaço público. Afinal, nem todos pedestres são motoristas, mas todos os motoristas são pedestres.
Em virtude da falta de convicção de formuladores de políticas e planejadores urbanos para barrarem tais ocorrências, passeios públicos abreviam-se diariamente e por consequência a segurança nas ruas. Dessa forma, problemas como a “falta de espaço” para circulação de pedestres e para implementação de mobiliário público, assim como obstáculos nos passeios — para obra/construção e sinalização de veículos motorizados — geram insegurança para as pessoas, principalmente para as com mobilidade reduzida. Além destes fatores dificultarem a inclusão social através de oportunidades para um determinado público, eles originam um problema ainda mais grave: ausência de pedestres circulando.
Considerando que as ruas sejam o elemento mais importante no desenvolvimento das cidades, elas devem ser adequadas para caminhar, permanecer, encontrar pessoas, manifestar, protestar, brincar e exercitar-se. Em suma, as ruas devem ser seguras para quaisquer que sejam as atividades e meios de transporte. Jane Jacobs afirma que “as ruas das cidades servem a vários fins além de comportar veículos; e as calçadas — a parte das ruas que cabe aos pedestres — servem a muitos fins além de abrigar pedestres”. Ainda, para um lugar prosperar, é essencial a sensação de segurança nas ruas em meio a desconhecidos. Um princípio aceitável é de que uma rua movimentada é muito mais viável para garantir segurança em comparação a uma rua deserta ou com pouca circulação de pedestres.
Três critérios foram indicados pela autora em “Morte e Vida de Grandes Cidades” para haver segurança e existência de desconhecidos nas ruas: (1) nítida separação entre o espaço público e o espaço privado, (2) necessidade de existir “olhos nas ruas” e (3) necessidade de usuários transitarem continuamente nos passeios públicos.
Muitas pessoas acreditam que segurança nas ruas é um resultado simples de policiamento e vasta iluminação. No entanto, isso não fornece segurança, apenas adia/atrasa certas ocorrências. Uma quantidade considerável de pedestres circulando, locais públicos e estabelecimentos distribuídos pelos quarteirões sim podem gerar segurança. A ONU-Habitat, através do documento temático “Cidades mais seguras”, sugere que o desenho e manutenção de ruas e espaços públicos ajudam a diminuir as taxas de criminalidade e violência.
Com o intuito de averiguar se os “olhos na rua” têm impacto na sensação de segurança dos indivíduos, um estudo realizado em Nova York, Estados Unidos, selecionou dois lugares da cidade. A partir disso, um número maior de atividade nas ruas, bem como um zoneamento que promove o mix de usos, valida a tese de que há aumento na sensação de segurança nas ruas.
No entanto, elementos de desordem, como o lixo nos passeios por exemplo, parecem reduzir a sensação de segurança aos pedestres. Outro estudo desenvolvido na Filadélfia, Estados Unidos, explorou a relação entre a vibração urbana e segurança dos bairros. Evidências sugeriram que áreas residenciais já consolidadas estão associadas a índices de criminalidade mais baixos e a existência de áreas subutilizadas ou vazios urbanos nos bairros estão associados a índices maiores. Outro achado é que as ocorrências na maioria das vezes ocorrem em locais de negócios, entretanto, os índices de criminalidade são mais baixos onde há estabelecimentos que funcionam em vários turnos e/ou com atividade de longo prazo.
Numa perspectiva contrária, um estudo realizado na cidade de Yaoundé, Camarões, indica que cruzamentos que ultrapassam os “limites” da alta densidade de pedestres, aumentam a sensação de insegurança. Apesar da alta taxa de criminalidade, baixo nível de capital social e superlotação de espaços públicos deste contexto, a “teoria de limite de densidade” para os autores, tem impacto na sensação de insegurança de um indivíduo. Assim, é indicado que formuladores de políticas e planejadores ao projetarem espaços públicos, devem considerar a densidade de pedestres.
Em virtude dos estudos apresentados, considero que ter mais “olhos na rua”, ou no espaço público em geral, é fundamental para que haja aumento — ao menos — da sensação de segurança, seja pela presença contínua de líderes comunitários, proprietários de estabelecimentos, porteiros e balconistas, seja por transeuntes educados e conscientes de que segurança é um elemento básico necessário.
A presença ou ausência dessas pessoas podem atrair ou repelir criminosos, ou seja, são personagens importantes para a segurança urbana. Além disso, o mix de usos e o funcionamento noturno desses estabelecimentos reforçam ainda mais. Por fim, o engajamento da população e a produção de capital social são fatores primordiais para mudanças ocorrerem e serem preservadas quanto a segurança nas ruas e outros espaços públicos.
O Banco Mundial, refere-se ao capital social como “instituições, relacionamentos e normas que moldam a qualidade e a quantidade das interações sociais de uma sociedade”. As dimensões deste conceito dividem-se em confiança, redes sociais e civismo. Em suma, a produção de capital social, tenciona a efeitos positivos no desenvolvimento social, econômico, ambiental de rua, bairro ou cidade.
O Programa POLIS divulgou recentemente um documento que alega ser “o novo paradigma” para que as ruas das cidades sejam mais seguras. A publicação visa essencialmente a segurança no trânsito e adoção de uma abordagem de “visão zero”. Além disso, é mencionado o conhecimento para eliminar mortes e ferimentos graves nas vias urbanas com o intuito de desenvolver qualidade de vida e saúde aos cidadãos. Desta forma, o Programa POLIS estabeleceu os seguintes princípios para uma ação consistente de segurança no trânsito:
1 – Nossas ruas, nossa responsabilidade;
2 – Não culpe, proteja;
3 – As ruas da cidade não são autoestradas;
4 – A mobilidade deve ser segura, ou não se tornará sustentável;
5 – Segurança leva à eficiência;
6 – Reduza o risco na fonte;
7 – Justiça e liberdade de escolha;
8 – O direito de saber;
9 – A tecnologia pode ser uma promessa, não um álibi;
10 – Deixe as cidades liderarem.
A segurança nas ruas não é qualidade de um ou outro lugar, é um direito de todos os cidadãos, independentemente de sua classe social ou localização. Por isso, é necessário que esteja presente na agenda política — em diferentes níveis de governo. O fornecimento de infraestrutura adequada (área e qualidade) aos pedestres, a necessidade de um mix de usos — funcionando em variados turnos do dia — e os princípios do novo paradigma (Programa POLIS) irão direcionar ao aumento de pessoas circulando nas ruas, gerando mais “olhos” no espaço público.
Esses pontos estão diretamente relacionados com a vitalidade urbana e o engajamento comunitário, e, por consequência, à produção de capital social. Por fim, é evidente que a segurança nas ruas é uma questão complexa e depende de muitos fatores. Portanto, para atingirmos esta qualidade, é necessário que os governantes, formuladores de políticas e planejadores urbanos, bem como os cidadãos, estejam envolvidos. O envolvimento de toda a comunidade é fundamental para haver mudanças.
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