Bairros nunca tiveram o propósito de serem imutáveis
As mudanças nos bairros e nas cidades ao longo dos anos é natural e tentar impor restrições para elas é um equívoco.
É comum culparmos o setor produtivo, o último agente visível que coordena a ordem de execução do concreto e dos tijolos de uma edificação. Mas a realidade é mais complexa.
15 de dezembro de 2018O Brasil urbano é feio demais. Por que isso aconteceu? Alguns acusam “a ausência de planejamento urbano e de zoneamento, os gabaritos manipulados, o poder nefasto das empreiteiras e construtoras influindo na elaboração dos planos diretores.” Apesar de ser um entendimento popular sobre o que ocorre nas cidades, a história do urbanismo brasileiro mostra algo diferente.
Porto Alegre, por exemplo, é planejada há mais de um século, e a sua Secretaria de Planejamento abertamente reconhece a tradição em planejamento da cidade. Em uma análise que fiz da legislação municipal existente que regula o ambiente construído, contabilizei mais de 1000 páginas de regras que ditam exatamente como cada edificação e calçada deve ser. No meu entendimento, é este planejamento demasiado, que impede que o desenvolvimento urbano responda às demandas dinâmicas de transformação, que gera resultados indesejáveis. Zoneamento, existente há mais de meio século, separa os lugares de morar, de trabalhar ou de consumir. Planejamento corta as cidades com viadutos e grandes avenidas, e regras determinam desde recuos obrigatórios nas edificações a vagas obrigatórias de garagem. Estas, por exemplo, isolam os prédios dos pedestres nas calçadas e criam as famosas “bandejas” de estacionamentos na base dos prédios, como relatam David e Rogerio Cardeman no excelente livro “O Rio de Janeiro nas alturas”, analisando as diferentes formas de verticalização da cidade sob cada plano urbanístico vigente.
Publicado no ano passado, livro de título semelhante, “São Paulo nas Alturas”, de Raul Juste Lores, explica muito bem porque São Paulo teve seus anos de glória na arquitetura durante as décadas de 50 e 60 e depois “degringolou”. As principais obras arquitetônicas que valorizam a paisagem paulistana nestas épocas foram criadas por uma relação saudável entre incorporadores e arquitetos no mercado imobiliário. Projetos emblemáticos e diferenciados, como a Galeria do Rock, foram lucrativos para os seus investidores. Ainda, era muito mais comum ver a figura do arquiteto-incorporador, onde o projetista tomava controle e arcava com o risco das suas decisões.
Em seguida, o crédito fácil do BNH durante o período da Ditadura Militar piorou a qualidade arquitetônica, pois tirou os obstáculos do mercado imobiliário anterior, onde a criatividade era chave para a lucratividade de um projeto. Aliado a isso, no final dos anos 50 surgiram as legislações abraçavam o modelo de uma cidade espraiada, de baixa densidade, onde se depende bastante do carro e, ao contrário do que normalmente se imagina, restringindo significativamente o mercado imobiliário comparado com anos anteriores. Como exemplo direto, nem o COPAN nem o Conjunto Nacional poderiam ser construídos a partir das legislações da década de 60. Os quitinetes, tão conhecidos como opção de moradia de baixo custo, foram desincentivados por lei sob a justificativa de que eram “anti-família”, já que elas não caberiam em apartamentos tão pequenos.
É comum culparmos o setor produtivo, o último agente visível que coordena a ordem de execução do concreto e dos tijolos de uma edificação. Mas a realidade é mais complexa, e são os incentivos desenhados a priori, desde o planejamento urbano das nossas cidades aos incentivos regulatórios do mercado imobiliário, que levam ao verdadeiro caos planejado.
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Anthony, sem querer entrar em questões universitárias: será que nossas cidades são feias simplesmente porque aqueles que fazem edificações na cidade estão mais preocupados com terminar as obras do que com fazer “prédios bonitos”?
Pode ver nas casas, principalmente em bairros nos quais convive o antigo e o novo: as edificações antigas são mais rebuscadas e com detalhes pitorescos, que denunciam a origem dos pedreiros; já nas mais recentes a tendência é de uma simplificação grosseira, basicamente “caixotes”, nos quais fica evidente a preocupação com encerrar a obra o quanto antes.
Isso, mais o recuo para vagas de garagem (que “dá mais segurança” à casa) é bastante evidente nas edificações.
Fábio, obrigado pela leitura e pelo comentário. É difícil fazer um julgamento sem avaliar o caso específico que você se refere, até porque a beleza é um critério um tanto subjetivo. O meu artigo foi no sentido de explicar que as construções de hoje são, em grande parte, resultado de regulações de uso e ocupação que limitam e direcionam a forma construtiva.
Um abraço,
Anthony
Podemos aplicar regras na criação de novos bairros brasileiros para ficar parecido com os bairros dos EUA?
Anthony, na sua opinião o que podemos fazer para transformar nossas cidades e subúrbios?
Fernando, obrigado pela reflexão comentada aqui. Na realidade, aqui no Caos Planejado não tratamos muito da questão “estética” das cidades dado que esse fator é muito pessoal e relativo para cada um de nós, tendo este artigo sido talvez uma exceção dentro das nossas postagens.
As periferias brasileiras, na realidade, tem várias semelhanças em termos estéticos da sua estrutura urbana comparado com o Japão: lotes pequenos, construções alinhadas nas divisas, usos mistos, arquiteturas emergentes. A grande diferença está na renda, que é vários múltiplos superior no Japão em comparação com o Brasil, assim como o investimento público em infraestrutura, que permite conexão destas periferias às regiões centrais, mas não necessariamente gerando grande impacto visual na paisagem. Cidades japonesas evoluíram de forma emergente, melhorando e aprimorando a sua arquitetura gradativamente ao longo de muitas décadas (cem anos atrás Tóquio era uma grande favela, com grande parte das suas construções em madeira) com projetos pontuais de Land Readjustment. Não é possível, infelizmente, tornar cidades ricas de noite para o dia via legislação, e infelizmente estamos muito longe de uma mudança radical das nossas periferias no Brasil. No entanto, pessoalmente defendo investimentos em infraestrutura nestas áreas periféricas e grandes projetos de regularização fundiária nas áreas irregulares, ou até mesmo pegando a inspiração japonesa para projetos de Land Readjustment, que pode ser um mecanismo eficaz durante o próprio processo de regularização.
Anthony, eu já vivi no Japão e vários países da Europa, e digo-vos, não há coisa que me entristece mais do que colocar o aplicativo do Google Earth e ver as cidades e subúrbios brasileiros. São tão feios em comparação ao Japao, Europa, Canadá e EUA!as o mais irónico disso é que o Brasil possui a flora e fauna mais bonita entre eles! Na sua opinião o que podemos fazer para mudar isso e quanto tempo levaria para transformar o país nesse sentido, na sua opinião? Abraço
Hola Anthony,
Já conocemos porqué nuestras ciudades, en todo el mundo, son feas. Es la cultura arquitectónica que insiste ferozmente en diseñarlas con reglas que producen el mismo resultado. Se quieres saber mas, contáctame por favor.
Saludos,
Nikos
Também sempre me incomodei com esse aspecto de “feiura’ das cidades. vou aproveitar este espaço para tentar responder esta pergunta com meu pouco conhecimento empírico.
Primeiramente considero que a infraestrutura urbana custa caro, para o pobre ela é inacessível e para o rico ela continua sendo cara. Quando isto acontece a tendência é haver uma aglomeração de pessoas para usufruírem deste capital urbano, seja ele aportado pelo empreendedor ou compulsoriamente pelo poder público. Assim, irão surgir tendencias para construção de prédios, residências multifamiliares, e se possível ocupando a totalidade dos terrenos urbanos.
Mas para seguir na análise, vamos primeiro destacar as cidades que ao meu ver são as mais bonitas do brasil, as do interior paulista – só conheço pelo Google – nessas cidades podemos observar aspectos harmoniosos que ao senso comum transmite sensação de organização. São cidades planas, com ruas e quadras bem definidas em perpendicular, vias públicas largas, todas com cobertura de telhas de barro, não ocupação total do terreno. Enfim, naquela região o acesso econômico à infraestrutura atrelado à topografia contribuíram para uma paisagem “clean” e de certa forma simétrica, contínua.
De outro lado, Brasil a fora, cada região vai ter sua área de ocupação não propensa à urbanização, mas o morro é a mais comum delas. E o morro por si só não é o problema, mas o morro atrelado a aglomeração e a baixa renda é o problema. Me corrijam se estiver sendo preconceituoso, com o perdão pois eu mesmo sou pobre, mas via de regra a grande massa tem vários hábitos que detonam qualquer paisagem urbana, cito-os: mania de acumular coisas velhas no quintal e na frente de casa, a obra não tem acabamento no primeiro pavimento mas já avança lá para o quinto pavimento só com a alvenaria aparente, e as vezes nem é por necessidade de moradia – pobre também especula as vezes; hábito de escavar sem necessidade, sabe aquelas paisagens pictorescas da suíça? Esqueça isso aqui no Brasil, sempre tem um pra ir la e da uma escavada deixando o talude aparente por anos assoreando terra sobre as ruas; a maioria faz o acabamento nas residencias, a laje fica sem cobertura, a caixa d’agua aparecendo, a parece não tem emboço nem pintura, e quando tem cobertura na laje é aquela telha galvanizada; o comércio tem publicidade visual exacerbada e brega, tudo muito grande, tudo muito cheguei, tudo muito.
Quer um morro bonito? Da um Goolge aí em Santorini na Grécia, tudo bem acabado, pintadinho, sem fios, sem parabólica, sem galvanizada, sem altdoor, sem barranco cortado. Simetria e constância, o cérebro aprova essas coisas. Se foi uma cidade planeja não sei, provavelmente não. Observe que não são mansões com acabamento caro, são casas simplesmente acabadas, pintadas.
Eu tinhas muitas outras ideias para expor, mas está tarde. Desculpe se o texto ficou meio desconexo e confuso. Abraços.
Concordo 100%. A maioria das pessoas também não tem senso de estética e não liga para jardinagem. Embora nessa ultimo quesito os ricos adorem jardins c/ plantas exóticas, datadas e sem beleza
Fábio, obrigado pelo comentário. Tento aqui colocar algumas considerações.
A infraestrutura urbana custa sim caro, mas não é ela que leva à construção de prédios, mas sim o inverso. É a aglomeração de pessoas em cidades que leva à necessidade de construção de infraestrutura urbana, e não o oposto. Exemplos disso seriam que, no passado, cidades possuíam pouquíssima infraestrutura urbana mas com enorme aglomeração, ao passo que há muitas áreas periférias de cidades atuais que possuem ampla infraestrutura mas pouca ocupação populacional.
Quanto à ocupação de morros por comunidades de baixa renda, isso ocorre na maior parte dos casos informalmente, dado que existe uma restrição à oferta de moradia nos centros urbanos e uma disponibilidade de terras públicas onde, teoricamente, a urbanização seria restrita. Dado que estas terras são bem localizadas e pouco fiscalizadas, a ocupação informal acaba ocorrendo. Este não é o caso de ocupações de morros na Europa, ou de algumas cidades de países desenvolvidos que são incrustadas em morros, como Hong Kong. O fato destes proprietários não possuírem título de propriedade e destes bairros não serem reconhecidos formalmente, impossibilitando investimento público em infraestrutura, é o que leva ao estado de precariedade. No meu entendimento, estas áreas deveriam ser regularizadas e urbanizadas, de forma a poderem gradualmente receber investimentos e melhorias nas suas construções.
Abs
Anthony
Olá, eu sou muito leigo em arquitetura, mas sempre notei que as cidades brasileiras são bem feias (as médias e grandes), comparando-as principalmente com as cidades americanas que abusam da beleza e da simplicidade. Eu acredito que boa parte da culpa disso ocorreu na era Vargas e nos governos militares, que encheram o Brasil de siderúrgicas, indústrias de automóveis e etc… Que simplesmente queriam lucrar em tudo e acabaram com a beleza da cidade grande. Enfim…. Você acha que teria como resolver esse problema de feiúra nas cidades brasileiras?
Paulo, obrigado pelo comentário. Apesar da feiúra ser uma questão pessoal e bastante subjetiva, coloco no artigo alguns dos motivos que considero mais relevantes para o aspecto físico que as nossas cidades possuem hoje.
Acredito que a resolução deste problema está, aos poucos, acontecendo, com uma retomada na valorização da arquitetura após muito tempo, assim como a valorização de um urbanismo que valoriza um pouco mais o pedestre e a escala humana do que havia sendo implementado antigamente.
Esperamos o melhor!
Abs
Anthony
O Plano diretor em São Paulo virou uma ferramenta das incorporadoras contra os proprietários de terrenos e imóveis em áreas de interesse. Usando seu poder de influência (corrupção), alteram os potências construtivos de forma a manipular o preço dos imóveis, inclusive com a compra de Cepacs sem nem mesmo possuírem escrituras de imóveis nos locais impactados. Incrível como não há uma CPI sobre o tema de algo tão nitidamente controlado pela corrupção e tão prejudicial para a população em geral. Mas infelizmente esse é um tema distante da população, que sequer tem noção de como estão sendo prejudicados pela especulação imobiliária ditando as regras do desenvolvimento urbano da cidade.
De um lado o IPTU progressivo, de outro o confisco de potencial construtivo e leilao dos mesmo para as incorporadoras obrigam os proprietários não especulativos a cederem a pressão de venda por valores extremamente baixos e ate formas de pagamento cheias de truques financeiros que tornam os proprietários legítimos em vítimas fáceis, principalmente sem o amparo dos órgãos públicos já emparelhados pela corrupção. Até quando o mercado imobiliário de SP será manipulado por uma única construtora que age como uma máfia com poder sem limites loteando e saqueando a cidade conforme os interesses especulativos?
Oi Daniel, obrigado pela contribuição. Concordo que algumas incorporadoras conseguem vantagens nas mudanças legislativas… pois se índices aumentam em um terreno podem ter ganhos significativos. Por outro lado, outras são prejudicadas quando a legislação diminui seu potencial construtivo. No entanto, não entendi seu ponto em relação aos proprietários de imóveis pois, no meu entendimento, eu estaria me referindo a incorporadoras que possuem bancos de terrenos, sendo elas próprias proprietárias de imóveis e tratando estes como um único grupo neste caso. Como as incorporadoras estariam contra proprietários de imóveis? Pois apesar de existirem CEPACs os terrenos normalmente são precificados de acordo com o potencial construtivo legal previsto no plano, que não pode ser manipulado pela incorporadora.
Abs
Anthony
Moro em BH, esperando ansiosamente esse artigo, Anthony! O nosso novo Plano Diretor é a versão deturpada da OUC Nova BH, que também já não era o melhor dos projetos, proposto em 2012 mas que empacou em 2014. Inclusive, se estiver procurando informações específicas de BH que não encontrar na internet, pode me perguntar!
Agora, sobre o fato de as nossas cidades serem tão feias: me preocupa que os arquitetos também estão saindo da faculdade com todo um mindset para fazer prédios que são minifeudos, porque é isso que eles aprendem como o correto nas aulas de urbanismo. Minha irmã faz arquitetura, e ainda que ela esteja na prática (lamentavelmente) pouco se lixando para a parte de urbanismo, o impacto dessas matérias é real. Tive já algumas discussões acaloradas com ela sobre separação entre edifícios, distância da calçada, verticalização etc, ela fácil fácil cai no papo de se fazer o prédio no meio do terreno para aumentar a circulação do ar, ignorando todos os benefícios de uma cidade orgânica, conectada, mas felizmente entende que o novo plano diretor encarece a cidade. O mais grave, ao meu ver, é a ideia que ela tão ferozmente defendeu de que o arquiteto não pode fazer prédios colados uns nos outros porque reduz a qualidade de vida, ou seja, colocando o profissional como um ungido e o cliente como agente passivo e incapaz de fazer as próprias decisões (“é direito de todas as pessoas morarem em um lugar com qualidade de ar!”).
Mas em suma, o que eu queria dizer antes da gigante digressão é: mesmo se um dia conseguirmos flexibilizar nossos planos diretores, o estrago a nível nacional,e quiçá mundial, no mindset dos arquitetos e das construtoras não seria grande o bastante para que se continue construindo no mesmo estilo de hoje?
Caro Arthur, obrigado pelo longo comentário, pra gente é muito legal saber mais sobre o que se passa na cabeça dos leitores!
Quanto à discussão sobre prédios isolados nos terrenos: o artigo que melhor discorreu sobre isso no nosso site até agora foi escrito pelos autores Netto, Saboya e Vargas: https://caosplanejado.com/a-arquitetura-importa-para-a-cidade/
O conceito do edifício isolado surgiu com o modernismo a partir de uma ideia ultrapassada e falaciosa da “miasma”, de que a ventilação seria necessária para mitigação de doenças. Infelizmente o impacto disso foi grande na história da nossa arquitetura, principalmente em países onde a urbanização rápida ainda não havia acontecido, como os da América Latina. O Brasil, expoente internacional do modernismo, abraçou essa ideia com toda força. Talvez exemplos práticos sejam interessantes para as suas discussões, de como cidades como Nova York ou Barcelona, que não possuem recuos ou prédios isolados, conseguem a qualidade de vida que tem.
Isso dito, acredito que as escolas de arquitetura já estão mudando o seu conceito. Hoje em dia o conceito da “fachada ativa” é muito mais difundida entre arquitetos, e estamos retornando à era das edificações com fachadas contínuas — ou pelo menos no seu embasamento, que é o conceito do Plano Diretor de São Paulo. Aos poucos vamos mudando novamente…
Grande abraço,
Anthony
Recentemente aprovaram no novo plano diretor de BH, e o que eles fizeram foi abaixar o coeficiente de aproveitamento da cidade para 1, e uma das consequências práticas disso é que o skyline construído em épocas mais permissivas, como o estabelecido no centro da cidade, não podem se renovar, ou seja, não faz sentido alguma construtora comprar um prédio inteiro para demolir e fazer outro no lugar, porque simplesmente pelas leis, pelo quociente de construção, não permitem prédio ali. Ou seja, a legislação atual de BH é ruim para a cidade e horrível para o (já velho) centro, que tende a ficar cada vez mais macróbio, mais decadente e por fim, ruir por completo.
E antes isso fosse um problema isolado de BH, porque como demonstra esse artigo, isso é algo que acomete nosso país a nível nacional ; há um tempo atrás fui na câmara municipal da cidade aonde morava (Goiânia) para apresentar algumas ideias sobre urbanismo (inclusive comentei isso com vocês – caos planejado – no twitter), e apesar do meu discurso ter sido relativamente rápido e um pouco ‘afobado’, após falar, notei a completa cara de paisagem dos vereadores, que inclusive fizeram comentários extremamente desconexos com minha fala. Após essa experiência, percebi que estava me direcionando às pessoas erradas ; estava reclamando com políticos, para políticos, mas me esqueci todas essas regulações urbanísticas passam sobre o clivo de “técnicos”, ou seja, não é um problema puramente político, mas sim acadêmico.
Existe um livro muito bom chamado ‘Capitalismo e Liberdade’, do Nobel em Economia Milton Friedman e nesse livro – apesar de não ter nada a ver com urbanismo – há uma passagem relevante que vale ressaltar aqui:
“Entidades técnicas governamentais e seus ‘especialistas’ possuem um caráter monopolista sobre o assunto que dizem conhecer, e assim sendo, tornam-se elas entidades autogovernadas, cujas propostas são aprovadas em caráter geral pelo Congresso. Tais homens prepotentes e ambiciosos que fazem carreira em tais entidades estão naturalmente ansiosos por expandir os objetivos de suas agências e é extremamente difícil impedi-los de fazê-los. Se os especialistas dizem “sim”, quem terá a competência para dizer “não”?”
…
“O erro central dessas medidas reside no fato de tentarem, por meio do governo, obrigar as pessoas a agir contra seus interesses imediatos a fim de promoverem um suposto “interesse geral” ‘
Ou seja, um punhado de indivíduos defendendo seus interesses, e obrigando milhões de outros indivíduos a viverem suas vidas de acordo com os valores estabelecidos por eles mesmos. Enfim, não sei se tenho esperanças disso melhorar ; aliás, sobre a questão da ‘feiura’ nas cidades brasileiras, é claro que também existe uma questão cultural aí, mas não há dúvidas, as infinitas regulações estão na cerne de todo o caos planejado.
Gabriel, obrigado pelo seu comentário. Temos artigos sendo publicados até o final do ano sobre o planejamento justamente em BH e em Goiânia… Espero que te interesse!
Um abraço,
Anthony
Pra quem se interessar sobre essa questão de BH – que está longe de ser uma questão local, já tais legislações são mero reflexo do que já ocorre há anos no país – fiz um tópico no fórum de arquitetura e urbanismo (Skyscrapercity) onde ocorreram bons debates: https://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=2138460
Mau gosto nato. Esse ano, assistindo ao Tour de France na TV, fiquei impressionado como cada cidadezinha no interior da França é bonita, harmoniosa, etc (e quase total ausência de edifícios). A beleza começa nas unidades individuais, antes de ir ao conjunto (que teria mais a ver com planejamento).
Em boa parte se vê construções bem antigas, o bom gosto parece vir de longe. Cidades pequenas, tanto na Europa quanto nos EUA não têm edifícios. Por aqui, é a primeira coisa que querem, consideram ‘progresso’.
Acho que houve um pequeno equivoco, o livro citado no artigo “O Rio de Janeiro nas alturas” não foi escrito por Mauricio de Abreu.
Oi Wandilson, obrigado pelo recado, e peço desculpas pelo equívoco! Realmente eu tinha me enganado, já corrigi o nome do autor.
Abs
Anthony
Infelizmente, para as cidades brasileiras serem bonitas e terem algum tipo de padrão arquitetônico decente, somente destruindo e recomeçando do zero.