O que Paraisópolis pode ensinar ao Morumbi
Imagem: Vilar Rodrigo/Wikipedia.

O que Paraisópolis pode ensinar ao Morumbi

Apesar das dificuldades da região, Paraisópolis tem muito a ensinar aos bairros nobres de São Paulo — como seu vizinho Morumbi.

30 de março de 2020

Para a maioria dos moradores de São Paulo, favelas como Paraisópolis são um problema que deve ser enfrentado pela cidade. No entanto, quando se olha o processo de urbanização da cidade mais ao fundo, vemos que, apesar das dificuldades da região, ela tem muito a ensinar aos bairros nobres de São Paulo — como seu vizinho, o Morumbi.

Paraisópolis surgiu na década de 60, fruto de uma ocupação de famílias nordestinas que vinham à capital, muitas delas para trabalhar em construção civil. Enquanto São Paulo adotava uma série de regras e limitações para se construir na cidade, a comunidade crescia à margem das regras do Plano Diretor e do Código de Obras. Restrições como recuos frontais e laterais, coeficiente de aproveitamento ou zoneamento exclusivamente residenciais nunca foram um problema por ali.

Em poucas décadas, a comunidade se tornaria a segunda maior favela de São Paulo e uma das maiores do Brasil. Segundo o IBGE, 43 mil pessoas moram na região, porém estimativas informais (e talvez mais precisas) apontam para mais de 100 mil habitantes divididos em cinco bairros internos.

O mais surpreendente deste processo é que Paraisópolis está estabelecida em uma área relativamente pequena. A região é de aproximadamente 0,8 quilômetros quadrados — metade do Parque Ibirapuera, por exemplo.

A poucos metros dali, o bairro do Morumbi foi construído de maneira absolutamente diferente. No primeiro processo de urbanização durante a década de 20, um grande terreno foi planejado para ser um condomínio de luxo formado por casas unifamiliares, uma espécie de Alphaville da Zona Sul de São Paulo.

Vista aérea do Morumbi.
Vista aérea do Morumbi. (Imagem: Fernando Stankuns/Flickr)

Na segunda etapa, a região começou a ser ocupada por prédios que deveriam seguir as regras dos Planos Diretores mais recentes. A liberdade que sobrava na favela, faltava no asfalto. Apesar de ter sido verticalizado, o grande Morumbi (formado pelos bairros adjacentes como o Panamby) se tornou um lugar pouco denso, dadas as grandes áreas verdes e vazias entre os edifícios.

O levantamento do último Censo mostra que cerca de 32 mil pessoas moram no Morumbi em uma área de 11,4 quilômetros quadrados. Ou seja, a favela de Paraisópolis abriga 3 vezes mais pessoas em uma região 14 vezes menor, tendo uma densidade de 125 mil pessoas por quilômetro quadrado, enquanto no bairro vizinho são apenas 3 mil.

E é esta a lição que precisamos aprender com as favelas brasileiras, apesar das diversas dificuldades que enfrentam essas regiões: quando tiramos as restrições para a construção, a tendência das grandes cidades é aproveitar os terrenos da melhor maneira possível, promovendo o adensamento em áreas bem localizadas.

Fazendo uma ilustração hipotética, se o centro expandido da cidade de São Paulo tivesse a densidade da favela de Paraisópolis, 23,6 milhões de pessoas (praticamente o dobro da população de São Paulo) poderiam morar na região mais desejada da cidade. Nem o Morumbi e nem Paraisópolis existiriam neste cenário, já que ambos bairros têm a mesma causa: criamos uma série de restrições para se construir e a cidade começou a espraiar para longe do centro.

Mas alguns leitores podem estar se perguntando: a saída é transformar São Paulo em uma grande Paraisópolis? Não, Paraisópolis está longe de ser um paraíso, mas nos mostra que tal demanda por espaço deveria poder ser atendida pelo mercado formal, o que nos leva a duas agendas que deveriam ser assumidas pelos gestores públicos brasileiros.


Paraisópolis está longe de ser um paraíso, mas nos mostra que tal demanda por espaço deveria poder ser atingida pelo mercado formal.


A primeira é levar o processo de urbanização para as favelas, formalizando o que já existe: o Brasil carece de um processo de urbanização social. Urbanizar as regiões que já estão ocupadas, respeitando o atual desenho urbano e levando infraestrutura adequada se torna uma alternativa mais barata e viável.

Drenagem urbana, saneamento básico, regularização fundiária, pavimentação adequada e iluminação pública são essenciais neste processo. No entanto, pelo menos na cidade de São Paulo, esta pauta virou uma agenda perdida. Em Paraisópolis, por exemplo, a canalização do córrego do Antonico (uma das principais pautas locais) está paralisada desde a gestão Serra-Kassab.

Paraisópolis.
Paraisópolis.

Do outro lado, a segunda consiste em facilitar o acesso à cidade formal: as restrições a se construir reduzem a oferta de imóveis nas principais regiões da cidade e também limitam os produtos imobiliários que podem ser construídos, inflacionando os preços e tornando inacessível à maior parte da população.

Se um cidadão não tem condições de comprar o produto mínimo permitido no mercado formal, lhe resta apenas as alternativas do mercado informal. A revisão dessas regras é medida importantíssima para a democratização das cidades brasileiras no século XXI.

Paraisópolis já nos mostrou que, mesmo com os graves problemas de infraestrutura e regulação e sem grandes ferramentas como verticalizar, é possível adensar uma pequena região — mas para isso temos que acabar com a divisão entre cidade formal e informal, que cada vez mais amplia a segregação social existente.

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  • MeganViabe disse:
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  • Sou contra qualquer favela,se o cidadão é de bem não ocupa terreno que não é dele e não poē filho no mundo que não pode sustentar. O que vemos acontecer nessas favelas é uma gente violenta que encobre ladrões e bandidos. É fácil não pagar imposto, água,luz,internet,etc.Se todo mundo resolver invadir um terreno e ficar lá,acabou o Brasil de vez. País sem justiça e sem lei, a favela só existe pq os governantes são cúmplices desse crime.

  • Mto interessante o texto, uma provocação necessária acredito que regularização fundiária é um instrumento mais viável para o estado cumprir o seu dever de acesso a moradia a população, mas o ponto que traz mais conflitos e o que é aceitável e regularizado, pq todos sabemos a importância de recuos e afastamentos para garantir uma condição mínima de ventilação e insolação, temos tbm a questão da caixa viária que no caso apresentado no texto são estreita não garantido condições mínimas de fluxos, acredito que temos que encontrar equilíbrio entre regularização e redesenhar a malha urbana, sempre levando consideração a qualidade do espaço para seus usuários.

  • Acho perigoso utilizar Paraisópolis como um parâmetro de urbanização. Mesmo que o texto mencione que não se trata de um paraíso, a densidade habitacional nas favelas só é alta pela ausência de QUALQUER regulação, acarretando em problemas ambientais, de salubridade, insolação, ventilação, acessibilidade, e até um mínimo de conforto.
    Quem já foi à um assentamento precário sabe do que estou falando, há barracos de 20 m² onde moram 5 pessoas ou até mais. Será que realmente agrega utilizar o parâmetro de densidade de um local como esse para refletir sobre como a cidade deveria ser urbanizada?
    Sabemos que a regulação da construção no Brasil é excessiva, mas acredito que a total ausência dela também traria resultados desastrosos.

  • Prezado Matheus.
    Suas contas não batem. Os dados sobre densidade populacional do Paraisópolis não conferem.
    Se a área da favela é de 0,8 Km², ou de 640.000 m² e a população estimada é de 100.000 pessoas, a densidade seria de 1.562 habitantes por hectare, e não o dado absolutamente equivocado de 125 hab/ha, muito baixo para este tipo de assentamento.
    As favelas são tecidos densamente ocupados e num período recente tem passado por um processo de verticalização, e consequentemente de forte incremento da densidade populacional.
    O dado que apresento é bem plausível de 1.562hab/ha, bate com projeções estatísticas e dados de levantamentos demográficos. Seus cálculos apontam para uma população de apenas 8.000 habitantes em Paraisópolis! Um enorme equívoco! Recomendo ainda que reveja as contas do bairro do Morumbi.
    Outra questão que merece consideração no seu texto é a afirmação de que quando retiradas as restrições urbanísticas há uma tendência de melhor aproveitamento dos terenos. Não se trata disto. A ocupação do território favelado acarreta inúmeros problemas ambientais e de insalubridade das edificações. A ocupação de encostas de alta declividade e fundos de vale tem levado a muitas mortes pelas cidades brasileiras. Outra situação é a dificuldade de insolação e aeração dos espaços da habitação, pela proximidade das moradias, causando graves problemas de saúde para os moradores.
    Trata-se de construir regras urbanísticas que promovam o aumento da densidade, não apenas populacional, mas construtiva, que são conceitos diferentes e nem sempre andam juntos. Dados do último censo mostram bairros com forte adensamento construtivo, mas declínio da população.
    Enfim, a densidade é questão central para o urbanismo, mas demanda estudos complexos sobre o território e suas possibilidades de organização. Não basta apenas suprimir regras, mas promover o avanço da cidade compacta, que não pode prescindir de normas urbanísticas e arquitetônicas efetivas para a vida social em tecidos densamente ocupados.

    Francisco Luiz Scagliusi
    arquiteto/urbanista

    • Olá Francisco, obrigado pelo comentário!

      De fato errei a sentença que mostro os cálculos de densidade e já consertei. No entanto, a ideia do texto segue a mesma.

      Partilho das suas ideias sobre a dificuldade das favelas, só propus um exército de como colocamos um excesso de regras na cidade formal, a cidade informal acaba crescendo absurdamente.

      Gostaria de saber mais sobre este ponto de densidade construtivo mas não populacional.

      Abs,
      Matheus Hector

    • Colocas as áreas verdes entre edificações como se fossem por si só coisas negativas. Vai muito além disso. Tornar toda a cidade densa não é a melhor opção.