Bairros nunca tiveram o propósito de serem imutáveis
As mudanças nos bairros e nas cidades ao longo dos anos é natural e tentar impor restrições para elas é um equívoco.
A Constituição Federal estabelece uma série de direitos, da moradia à saúde, educação e lazer. Estacionamento não é um deles.
17 de janeiro de 2019A Constituição Federal estabelece uma série de direitos, da moradia à saúde, educação e lazer. Estacionamento não é um deles. Em Porto Alegre, a maioria das vagas públicas não são cobradas, e a de parquímetros cobre apenas cerca de quatro mil vagas, número ínfimo perto do total da cidade, além de ter valor irrisório comparado às garagens privadas. O resultado é o subsídio ao automóvel pelos demais contribuintes e o mau uso do espaço público.
Vagas de estacionamento têm um precioso valor imobiliário. Uma diária no Shopping Total, por exemplo, custa R$25. Logo ao lado, na “rua mais bonita do mundo”, a Gonçalo de Carvalho, duzentos carros por dia estacionam de graça. Isto significa, ao ano, em uma única via, um subsídio de R$1 milhão aos motoristas. O valor é incalculável se considerarmos a cidade como um todo.
A gratuidade também leva ao desperdício de espaço. É comum carros vazios ocuparem vagas durante todo o dia, privatizando a rua de forma ineficiente. Ainda, Donald Shoup, pesquisador referência na área, estima que 30% do congestionamento em regiões centrais seja devido a motoristas circulando procurando vagas. Ou seja, um excesso de gente tentando estacionar sem pagar exatamente em frente do destino, gerando prejuízo para todos.
Cidades como San Francisco, nos EUA, têm eliminado estes problemas aumentando o número de parquímetros e aplicando tarifa dinâmica de acordo com a demanda. O objetivo é precificar de forma a deixar uma vaga disponível por quadra, permitindo que o motorista saia da via de forma rápida e cômoda. Resultado surpreendente é de que a tarifa média dos parquímetros em San Francisco diminuiu, já que os carros foram distribuídos em horários e áreas diferentes.
Diferente de vias de trânsito, vagas não precisam funcionar em rede, podendo ser disponibilizadas por garagens privadas. No nosso escasso espaço público, elas deveriam existir apenas em casos especiais como para cadeirantes, idosos ou ambulâncias. Caso sejam indispensáveis, devem ser cobradas: um subsídio não é necessário ou justo, pois justamente quem não possui carro que paga a conta. Estacionamento não é um direito, e está na hora de acabar com este privilégio.
Texto publicado originalmente no jornal Zero Hora e em GaúchaZH em 16 de janeiro de 2019.
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COMENTÁRIOS
Quando falei de tirarem o estacionamento presente no canteiro central da Avenida 9 de julho aqui em Ribeirão Preto, o que não faltou foi reclamação. E olha que é uma via que se tem um carro estacionado junto ao canteiro e o ônibus está parado recolhendo passageiro do outro lado, dificilmente o carro tem condições de passar.
É bastante apropriada essa discussão. Um tema pouco criticado e portanto sem a oportunidade de questionar, por exemplo, os privilégios. Os carros tem privilégios como os seus donos, que durante muito tempo, eram de pessoas economicamente bem resolvidas. As condições mudaram com o tempo, com a moeda mais estável, o real, possibilitando financiamento de vários anos, e menor custo dos veículos, com materiais mais baratos e mais compactos, o carro ficou mais acessível.
Os vários modelos, de carros mais populares aos mais sofisticados e com luxo, continuam atendendo o público de alta renda e o grande público de classe média, subdividida em 3 categorias, alta, media e baixa. Este grande público que começou consumindo os carros usados velhos, passaram a consumir os semi-novos e os zero quilômetros. E os motivos vão desde o status de ter um carro, para os que os usam como ferramenta de trabalho, em atividades onde a mobilidade e uma certa bagagem é essencial, como os vendedores, os professores por exemplo, e para aqueles que estão precariamente atendidos por transporte publico e que precisam de outro meio de transporte, melhor que uma bicicleta ou moto.
Ao falar de privilégios, entende-se que alguns poucos são beneficiados por algum serviço ou pagamento. E o que temos nas nossas cidades é um grande número de pessoas que circulam de carro porque o transporte publico não atendem suas necessidades de locomoção, seja pelo tempo de viagem, pela necessidade de transportar pessoas e mercadorias em pontos distantes das rotas dos ônibus e trens. Estacionar, de forma geral não chega a ser privilégio pois muita gente utiliza a via publica para tal. Mas concordamos que exista privilégio se o uso do espaço público for gratuito, pois nesse caso os que não tem carro não teriam esse serviço publico. Daí que cobrar pelo uso da vaga publica, por meio de Zona Azul, reduz essa condição de privilégio pois o pagamento dos bilhetes estaria contribuindo para os que não usam a Zona Azul. E para ser mais justo, todas as vagas públicas, com ou sem o bilhete de Zona Azul, deveriam pagar pelo uso. E aí vem a Informática e o compromisso do cidadão de pagar com seu celular o tempo de uso de espaço de rua ou em terreno publico, inclusive os pátios de autarquias e órgãos públicos em geral, prefeituras, foruns, secretarias, etc. Todos os usuários de vagas de rua e de estacionamentos em lotes e prédios estariam sujeitos a pagamentos. Fazendo justiça, muitos órgãos públicos, tipo correio, bancos, secretarias mantém estacionamento privativos de seus funcionários, enquanto a população que vai aos correios, bancos, secretarias, precisam pagar para estacionar. E essas vagas privativas são para os carros que ficam o dia todo sem uso, ocupando um espaço que seria mais útil e rentável para a população em geral.
Assim, o justo seria que todos os carros tivessem um programa tipo Sem Parar, cuja leitura seria automática ao adentrar essas vagas publicas, e mais ainda, todos os carros deveriam estar cadastrados, junto com o registro e licenciamento de veiculos, para creditarem seus pagamentos à prefeitura cada vez que utilizar uma vaga publica.
Ao penalizar os carros que ficam parados o dia todo nas vagas publicas particularizadas por esses órgãos públicos, pois teriam que pagar o estacionamento o dia todo, estariam favorecendo os usuários de pouca permanência e que usa o carro o dia todo. E cobrando de todos, o custo da hora de estacionamento cairia substancialmente. Com menos carros na rua e com mais Usuários do transporte publico, duas melhoras viriam, com melhora na fluidez do transito e no barateamento das tarifas de transporte.
Uma forma inteligente é a criação simultânea de estacionamentos na periferia das metrópoles, ou região metropolitana, e a instalação de transporte publico de alta qualidade, tipo VLT interligando os centros adensados com esses estacionamentos remotos, melhorando o IPK – Indice de Passageiros por Quilometro, fator de custo do transporte.
Creio que uma visão mais integrada na qual se inclui os estacionamentos, é preciso focar num amplo debate, que com certeza trará benefícios significativos com custos mínimos e prazos muito bons.
Esse é um debate muito importante. Como vê a construção de estacionamentos públicos subterrâneos, ou a concessão de espaços para que se os faça? Acredito que deveria haver uma flexibilização para que esse tipo de estabelecimento pudesse surgir livremente, sem o Estado ter que distorcer o mercando entrando no serviço.
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Mudando de assunto, poderiam fazer um post sobre a revitalização do Centro de Salvador? Está sim ficando muito eye-candy, seria interessante analisar se realmente ficará funcional e vai revitalizar a região. Estou lendo o Morte e Vida, e não pude deixar de pensar na cidade lendo o livro!
Oi Arthur,
A concessão de espaços públicos, por definição, não permitiria que fosse algo que surgisse livremente, sem nenhuma distorção pelo mercado. Mas tendo viabilidade econômica onde trouxesse receita adicional tanto para o município quanto para a empresa concessionária imagino que possa ter alguns espaços para oportunidades.
Quanto ao post sobre o Centro de Salvador: eu nunca estive lá então não me arriscaria escrever a respeito. E como trabalhamos com colaborações voluntárias de um número relativamente pequeno de articulistas nem sempre é fácil abordar um assunto “sob encomenda”. Mas tentaremos cobrir o assunto assim que possível.
Abraços,
Anthony