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Não é preciso demonizar automóveis — basta parar de subsidiá-los
A construção de nossas cidades para acomodar carros leva à expansão que nos afasta ainda mais um do outro. Entenda os motivos que agravam esse problema.
Há muitos problemas que resultam da maneira como usamos automóveis. Nós precificamos estradas de maneira incorreta, para que as pessoas as usem em excesso. Os automóveis são uma das principais fontes de poluição atmosférica, incluindo as emissões de carbono que estão causando alterações climáticas. Acidentes de carro matam dezenas de milhares de pessoas a cada ano, ferem muitos mais e nos custam bilhões em custos médicos e danos à propriedade. E a construção de nossas cidades para acomodar automóveis leva à expansão que nos afasta ainda mais um do outro.
Mas o problema não é que os carros (ou as pessoas que os dirigem) são maus, mas que os usamos demais e de maneiras perigosas.
Mas o problema não é que os carros (ou as pessoas que os dirigem) são maus, mas que os usamos demais e de maneiras perigosas. E isso é porque nós colocamos em prática incentivos e infra-estrutura que encorajam, ou mesmo exigem, que o façamos. Quando damos subsídios para estradas, socializamos os custos da poluição, travamos e estacionamos, e até legalmente exigimos que nossas comunidades sejam construídas de maneira que impossibilitem viver sem um carro, enviamos sinais fortes para comprar e possuir automóveis e dirigir. Como resultado, dirigimos demais, e freqüentemente a velocidades inseguras dado o ambiente urbano.
Muitas pessoas — promotores de trânsito, ciclistas, planejadores, ambientalistas, defensores da segurança — olham para o resultado final de tudo isso e, compreensivelmente, chegam à conclusão de que os carros são o inimigo. A questão política primordial, então, é:
“Como podemos tirar as pessoas de dentro de seus carros?”
Neste artigo de dezembro de 2015 do The New Republic, por exemplo, Emily Badger cita Daniel Piatowski, um doutor em planejamento que apresentou um trabalho sobre “cenouras e gravetos” na conferência da Transportation Research Board, dizendo:
“O componente crucial que está faltando é que nós não estamos implementando políticas que desincentivem as pessoas a dirigir.”
“O componente crucial que está faltando é que nós não estamos implementando políticas que desincentivem as pessoas a dirigir.”
“Tirar as pessoas dos seus carros” é um grito de guerra e uma declaração missionária que garantidamente provocará uma formidável oposição. Isso é porque a maioria das pessoas não consegue imaginar qualquer momento em breve, em que elas não precisarão usar um carro para a maioria — ou mesmo todas — as suas viagens diárias. Como uma questão prática, o fato de que durante sete ou oito décadas toda a infraestrutura construída e a maioria dos investimentos de transporte foram baseados em viagens de carro significa que não podemos rapidamente nos afastar da auto-dependência. Para a maioria dos americanos, dirigir não está ligado a um carinho irracional por automóveis. Em muitos lugares, é simplesmente impossível viver e trabalhar sem um.
Gasolina
Mas há boas notícias. A primeira é que os incentivos importam. Aprendemos que preços de combustível mais altos, por exemplo, tiveram um impacto grande e contínuo no comportamento ao volante. Depois de crescer de maneira sólida durante décadas, nos EUA, os quilômetros de veículos percorridos por pessoa atingiram o pico e diminuíram após 2005 (à medida que os preços do combustível subiram). Isso produziu mudanças substanciais no mercado imobiliário e ajudou a acelerar o retorno às cidades. E o declínio nos preços do combustível desde 2014 provocou mais condução. “Isso mostra que tipos mais intencionais de esquemas de preços, como preços de congestionamento ou preços de estacionamento, poderiam ter efeitos semelhantes”.
O segundo ponto é que pequenas mudanças importam. Mesmo reduções mínimas no uso e propriedade do carro pagarão grandes dividendos. O congestionamento do tráfego está sujeito a efeitos não-lineares: pequenas reduções nos volumes de tráfego produzem grandes reduções no congestionamento do tráfego. A empresa de monitoramento de viagens Inrix divulgou que em 2008, o declínio de 3% nas milhas de veículos percorridos levou a uma queda de 30% no congestionamento do tráfego. Enquanto o uso de automóveis diminuiu, as emissões de carbono diminuíram e assim, também, mortes e acidentes de trânsito.
Moralizar sobre a escolha do modal é uma receita para o engarrafamento da política
Amargos argumentos entre as pessoas que estão convencidas de que um lado ou o outro está tentando nos tirar da estrada certamente serão improdutivos. Nós concordamos com a maioria das políticas que os defensores como Piatowski querem, incluindo os “gravetos” como taxas de estacionamento e congestionamento — mas não a maneira como eles estão sendo descritos.
Ao invés de ser enquadrado como uma punição, deve ter mais a ver com a responsabilidade. Os motoristas deveriam pagar pelas estradas que utilizam. Deveriam ser regulados de maneira a proteger a segurança de outros usuários do direito de ir e vir. Os caminhões devem pagar pelo dano que causam às estradas. Cada motorista deve pagar pelo espaço de estacionamento que utiliza, seja no domínio público ou privado. Todos os carros e caminhões devem ser responsáveis pela poluição de carbono que emitem. Não devemos exigir que terceiros, como construtoras ou locatários ou empresas locais, subsidiem viagens de carro e estacionamentos. Não se trata de criar um “desincentivo para o uso do carro” e sim como uma questão de justiça e praticidade, abandonar o que foram essencialmente subsídios para o comportamento financeiramente e socialmente caro e perigoso.
Dirigir é uma escolha e uma vez que os motoristas paguem por todos os custos associados à esta escolha, há pouca razão para se opor a isso. Afinal, poucas pessoas pensam que um mundo livre de carros é aquele que faz muito sentido. Poucos automóveis faz muito mais sentido que nenhum carro como um posicionamento político. Como faremos para que as pessoas façam essas escolhas? Há uma analogia aqui com o álcool. Tentamos a proibição nos anos 1920. Era absolutismo moral, tolerância zero. O álcool em qualquer quantidade era mau. Isso não funcionou.
Quando experimentamos a epidemia da condução embriagada, não voltamos à proibição. Ao invés disso, aumentamos as penalidades para tornar os motoristas mais responsáveis, estabelecemos limites mais rígidos sobre o conteúdo de álcool no sangue e colocamos mais dinheiro na fiscalização. As pessoas ainda bebem – mas há um nível diferente de entendimento da responsabilidade e das conseqüências, e menos pessoas dirigem bêbadas.
Este artigo foi originalmente publicado por Joe Cortright no site City Observatory em 11 de fevereiro de 2017. Foi traduzido por Cauê Marques, revisado por Anthony Ling e publicado neste site com autorização do autor.
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