Bairros nunca tiveram o propósito de serem imutáveis
As mudanças nos bairros e nas cidades ao longo dos anos é natural e tentar impor restrições para elas é um equívoco.
Nosso comportamento individual acaba gerando problemas coletivos de engarrafamento, poluição e acidentes. O microtransporte se apresenta como uma solução.
23 de junho de 2015Quando olhamos as opções para o cidadão comum se deslocar nas cidades brasileiras, vemos facilmente que o carro particular se apresenta como uma solução muito superior comparada às outras: É relativamente barato tendo em conta o conforto, limpeza e praticidade que oferece. Citando David Banister: “The car was really seen as an extension of the home, as a detachable room that could be taken to different places”: o carro se tornou uma extensão da nossa casa. Porém, parafraseando Vuchic, “se todos andarem de carro, ninguém anda”, e isso é o que vemos todos os dias: o comportamento de cada indivíduo acaba gerando problemas coletivos sendo engarrafamento, poluição e acidentes entre os mais importantes e danosos.
Analisando de uma forma simplista, para atacar esses problemas causados pelo uso excessivo do carro uma solução rápida seria botar mais ônibus nas ruas. Mas isso não funciona, já que o sistema de ônibus brasileiro tradicional não é uma alternativa real para o motorista. É preciso então dar alternativas que cativem e convençam o motorista a deixar o carro em casa. Esta solução é chamada de microtransporte (Microtransit, em inglês).
Microtransporte é um transporte público coletivo (ônibus, micro-ônibus, vans etc.) de nicho, que não segue o foco tradicional do sistema de transporte de massa das cidades e foca em outro tipo de cliente: uma classe média e média-alta com acesso a um carro mas disposta a deixá-lo em casa para pegar um ônibus com ar-condicionado, lugar sentado, WI-FI e uma relação diferenciada de custo-benefício. O microtransporte também tem uma forte componente tecnológica associada, com todo o procedimento de consultar a linha, o horário, o preço e realizar o posterior pagamento por smartphone, semelhante ao já conhecido Uber. O microtransporte difere das vans que existem no Rio de Janeiro, por exemplo, pois estas acabam concorrendo com o ônibus (e, por isso, a oposição e posterior regulação) e não necessariamente com o carro particular. San Francisco é uma cidade onde o microtransporte tem sucesso, pois lá ele encontra exatamente o nicho: jovens bem-pagos do Vale do Silício que não querem dirigir para o trabalho.
No Brasil existem serviços semelhantes, porém sem a parte tecnológica e oferecido pelas próprias empresas concessionadas pela prefeitura. O Frescão no Rio seria um bom exemplo. Nos EUA os serviços apresentados são mais interessantes, e já em grande quantidade: Loup; Bridj; Leap; Via; Lyft line e Uberpool são alguns exemplos. Alguns deles, como no Brasil, também sofrem na mão dos burocratas de plantão: o Leap recentemente suspendeu o seu serviço para se adequar às exigências específicas do departamento de transporte municipal.
Mas como trazer esses serviços para o Brasil? Se o Uber já incomoda os taxistas (um pequeno mercado) imaginem o Bridj ou Leap encarando os “chefões do transporte público brasileiro”? Mesmo não fazendo concorrência direta com o sistema de ônibus tradicional, como as vans no RJ, mas sim com o carro particular, eles ainda sofreriam para entrar no nosso país.
A solução seria manter as concessões atuais que regem os sistemas de transporte público mas permitir a entrada dessas empresas de microtransporte no mercado, pois elas apresentam uma alternativa real ao carro particular, permitindo o motorista deixar seu carro em casa e ir de microtransporte, ajudando a diminuir os problemas de congestionamento, poluição e (in)segurança rodoviária. Tais serviços trariam benefício imediato para a mobilidade urbana brasileira por não necessitarem de infraestrutura específica ou grandes investimentos públicos, diferente de construir linhas de metrô ou VLT, soluções demoradas e com o mesmo objetivo de tirar as pessoas dos carros (muitas vezes sem sucesso). Uma alternativa é tentar seguir o caminho do Uber, que entrou no mercado brasileiro não como uma empresa de transporte mas sim de tecnologia : criar um aplicativo que ligue o dono dos veículos com clientes interessados ao longo de determinado percurso, semelhante aos sistemas de Demand-Reponsive Transport ou dial-a-ride que existem no resto do mundo.
Para finalizar, vale lembrar que os nomes não importam, mas sim os serviços prestados: Microtransit, Paratransit, vans, Frescão, Facebook Bus, Google Bus, Leap, Bridj, fretamento, escolar, são todos soluções coletivas (algumas públicas, outras privadas) simples, rápidas e baratas que tiram carros das ruas, complementando o sistema de transporte público tradicional, reduzindo o engarrafamento, poluição e o número de acidentes. Agora só falta convencer os políticos a adaptarem as legislações vigentes e receberem de braços abertos essas novas iniciativas de mercado: isso, como sabemos, não é tão rápido assim.
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