De volta ao Centro
Imagem: Anderson Vaz/Flickr.

De volta ao Centro

Os velhos edifícios no Centro Histórico são uma boa alternativa para moradias mais acessíveis em zonas estruturadas, mas é preciso revitalizá-las.

23 de maio de 2019

A forma como as cidades se desenvolvem mudou radicalmente na última metade de século XX. Até então, elas se baseavam principalmente em experiências do passado. Esse desenvolvimento ao longo das décadas foi gradativamente sendo transferido para urbanistas, e teorias e ideologias começaram a substituir a tradição como base para estabelecer planos que definiriam a nova forma da cidade. O modernismo teve enorme influência, com sua visão de cidade como “máquina” e com suas partes separadas por funções. Ele incentivava a setorização das atividades para a implantação de bairros estritamente residenciais, longe das indústrias poluentes, mas também de atividades comerciais e locais de emprego. Jane Jacobs foi uma famosa escritora e ativista política que, pela primeira vez, clamou por mudanças na forma como as cidades estavam evoluindo. Ela afirmou que as metrópoles haviam deixado de ser construídas como conglomerações de espaço público e edifícios, e passaram a ser uma série de construções individuais. A região central das cidades tem papel fundamental no seu desenvolvimento, porque era a partir deste local que o restante se organizava. A área central possui localização privilegiada dentro do município, com infraestrutura desenvolvida e construções carregadas de histórias e significados para a sua população. Evidência disto é que, durante muitas décadas, estas foram suas regiões mais nobres. Porém, apoiados em conceitos modernos (como a disseminação do automóvel, que tornou cada vez mais fácil vencer grandes distâncias e a saturação da densidade populacional) o planejamento urbano passou a incentivar o espraiamento dos limites municipais. Com isso, naturalmente começaram a surgir construções mais novas e com preços mais acessíveis em terrenos mais afastados. Esse fenômeno aconteceu primeiro com os lotes em bairros próximos à cidade consolidada. Com o tempo, isso levou ao esvaziamento do (até então) principal bairro da cidade, o Centro Histórico. O resultado é que estas áreas ficaram propensas à marginalidade, num processo de difícil reversão.

Em entrevista concedida durante a III Conferência Internacional sobre Habitação e Desenvolvimento Urbano Sustentável, promovida pela ONU a cada vinte anos, o atual diretor da ONU-Habitat e ex-prefeito de Barcelona (1997–2006), Joan Clos afirmou:

“Temos que trazer de volta a habitação ao centro das cidades. E isso pode ser feito se perseguirmos e considerarmos este objetivo […] A construção na periferia tem como consequência o crescimento da ‘mancha urbana’, e a dispersão diminui a produtividade das cidades […] A maioria das cidades do mundo já passou por isso. Entre os anos 60 e 70 a população migrou para a periferia. Quando viram os efeitos perniciosos em relação aos custos, nos anos 90 e 2000, houve um retorno ao centro. Retornar ao centro exige uma intervenção que inclui mudar a regulamentação.”

No urbanismo contemporâneo, a ideia de não depender do carro é consolidada como um sinônimo de qualidade de vida. No entanto, Porto Alegre é uma cidade que ainda sofre com a desatualização do seu planejamento. São poucos os bairros que possibilitam ao cidadão uma vida confortável sem a necessidade de automóveis.

Ainda assim, estes bairros tratam-se de zonas consagradas e imóveis nessas regiões apresentam um considerável valor econômico que nem todas as pessoas dispõem. O retorno aos velhos edifícios no Centro Histórico parece uma boa alternativa para moradias mais acessíveis em zonas estruturadas que tenham características semelhantes, como a possibilidade de andar a pé. Todavia, como Clos defende, é preciso que haja algum movimento de incentivo por parte da prefeitura, para novamente desenvolver a região que hoje encontra-se abandonada, com diversas construções em péssimas condições de uso ou mesmo inacabadas.

Cais Mauá ainda aguarda revitalização. (Imagem: Eduardo Beleske – Prefeitura de Porto Alegre/Flickr)

Para uma efetiva revitalização do bairro, outra opção seria utilizar incentivos fiscais estimulando os próprios proprietários a realizarem manutenções em seus imóveis. O Centro de Porto Alegre hoje se caracteriza pela degradação dos imóveis em função do tempo, com construções abandonadas, sujas, pichadas e com propagandas ilegais. Uma alternativa para melhorar a estética geral do Centro Histórico de Porto Alegre seria oferecer desconto no valor do IPTU para edificações que tivessem suas fachadas revitalizadas. Existem casos de prédios que internamente estão bem mantidos, mas que possuem fachadas abandonadas. Mesmo edificações que precisariam de uma reforma geral teriam um incentivo para iniciar este projeto, presenteando a cidade com fachadas renovadas. Outra alternativa seria a isenção de imposto de transmissão para imóveis adquiridos no Centro Histórico, desde que os novos proprietários investissem ainda mais nesses imóveis, tornando-os mais atrativos e consequentemente mais valorizados.

Além disso, seria necessário solucionar a questão dos diversos prédios públicos que estão abandonados e sem perspectivas de investimento. Neste ponto há a oportunidade do poder público reduzir custos de manutenção e ainda arrecadar verbas ao propor leilões desses imóveis. O problema nestes casos é que, além de raramente existir o mapeamento de quais são estes imóveis, a maioria dessas edificações são tombadas pela equipe do Patrimônio Histórico e, assim como qualquer imóvel tombado, possuem regras com elevadíssimo número de restrições. Embora essas regras procurem preservar a história, elas infelizmente criam resultados opostos, deixando vários edifícios com poucas possibilidades de adaptação justamente pelas barreiras à adaptação e pelos altos custos de manutenção exigidos.

Por último, seria importante restabelecer as regras para os poucos terrenos ainda não desenvolvidos na região central. O aumento da potencialidade construtiva e, principalmente, a flexibilização do regime volumétrico, proporcionariam novos empreendimentos nos lotes esquecidos e sufocados entre as edificações históricas. Houve uma época em que era possível construir grandes edifícios nos estreitos lotes do Centro de Porto Alegre, utilizando o terreno até as dividas, mas atualmente isto só é possível se em ambas as divisas já houverem construções. Com esta situação, verifica-se diversos lotes onde um prédio vizinho ultrapassa (em alguns casos em muito) o limite atual para construções nas divisas, enquanto outro (por ser uma edificação baixa) impede um projeto com mais altura.

Simulação volumétrica do potencial construtivo atual do Centro Histórico de Porto Alegre. (Imagem: Rodrigo Petersen)

Reocupar o Centro Histórico é uma estratégia para regenerar áreas degradadas e ainda possibilitar a moradia da população em zonas já equipadas de infraestrutura e serviços. Uma nova proposta atrairia as pessoas e possibilitariam que elas se mudassem para a região central da cidade, seguindo uma tendência mundial. A cidade compacta, com empreendimentos agrupados em torno de transporte púbico e áreas para caminhar e andar de bicicleta, parece ser a melhor forma de cidade ambientalmente sustentável. Embora seja uma realidade distante na maior parte das cidades brasileiras, ao menos nos seus centros históricos pode ser de fácil implementação.

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