Muitos porto-alegrenses viajam, passeiam o dia inteiro a pé e se perguntam por que não fazem o mesmo na sua própria cidade. As justificativas comuns são muitas. Alguns falam em segurança, buscando a redenção no carro apesar de termos uma das maiores taxas de roubos de carro entre as capitais brasileiras. Se fala na diminuição da densidade populacional e da mistura de usos nas áreas mais novas que, com menos atividades próximas umas das outras, dificultaria a caminhada. Outros culpam a geografia: a Capital tem muitos morros e temperaturas extremas e, na busca pelo conforto, o carro novamente seria escolhido.
Buscando uma resposta científica, os urbanistas Netto, Vargas e Saboya estudaram milhares de edifícios e centenas de trechos de ruas em Florianópolis, Rio de Janeiro e Porto Alegre e concluíram que os afastamentos entre os prédios e a distância deles das calçadas tem uma fortíssima correlação com a “caminhabilidade”: quanto maiores os afastamentos, ou “recuos”, menor a presença de pedestres.
O conceito dos recuos surgiu no início do século passado com o urbanismo modernista que ainda tentava combater a miasma, teoria obsoleta que defendia que doenças eram propagadas pelo “ar ruim” de ambientes menos ventilados. Hoje é evidente que cidades como Paris ou Nova York, que não exigem recuos, não têm uma incidência maior de doenças por este motivo. Apesar disso, Porto Alegre exige o isolamento dos edifícios nos terrenos desde 1959, com nosso primeiro Plano Diretor, que implementava as ideias modernistas.
No Centro Histórico, anterior a estas regras e onde mais se caminha na Capital, não se vê estes afastamentos: as fachadas são contínuas e junto às calçadas, permitindo contato fácil do pedestre com a edificação e uma sequência de atividades que deixam as calçadas vivas. Não surpreende que este é o modelo usado no interior dos shoppings.
Espero que, com a revisão do Plano Diretor, possamos usar a oportunidade de mudar esta exigência, ajudando a aproximar a cidade do pedestre e a tornar Porto Alegre mais caminhável.
Texto publicado originalmente em GaúchaZH em 5 de setembro de 2018.
Sua ajuda é importante para nossas cidades.
Seja um apoiador do Caos Planejado.
Somos um projeto sem fins lucrativos com o objetivo de trazer o debate qualificado sobre urbanismo e cidades para um público abrangente. Assim, acreditamos que todo conteúdo que produzimos deve ser gratuito e acessível para todos.
Em um momento de crise para publicações que priorizam a qualidade da informação, contamos com a sua ajuda para continuar produzindo conteúdos independentes, livres de vieses políticos ou interesses comerciais.
Gosta do nosso trabalho? Seja um apoiador do Caos Planejado e nos ajude a levar este debate a um número ainda maior de pessoas e a promover cidades mais acessíveis, humanas, diversas e dinâmicas.
Quero apoiar
COMENTÁRIOS
O centro é um local onde as pessoas caminham simplesmente porque há movimento na rua, tem muito comércio, todo bairro tem uma linha que vai ao centro e é basicamente onde quase todos trabalham e estudam. Eu não acho o centro tão convidativo assim para uma caminhada, pois tá o centro tá completamente atirado e no verão é um verdadeiro forno. Isso sem falar na segurança em locais como a Voluntários, camelódromo e perto da rodoviária, onde dá medo.
Mas de dia dá pra arriscar. O mesmo não se pode dizer de noite e pra fazer o centro ser convidativo de noite, ao meu ver deveria haver uma reorganização das linhas de ônibus noturnas, permitindo que se faça integração ou vá aos bares que ainda existem por lá. Mas em tempo de aplicativos de carro fica mais difícil essa reorganização.
De fato gostaria de ler o estudo científico, porque as cidades históricas tem uma relação muito maior de percepção com o pedestre. Os grandes recuos e com isto a paisagem urbana fica mais convidativa. Os próprios prédios podem e são visualizados. Hoje a percepção da cidade se dá no nível do olho do observador. Quando me dispus a olhar para cidam descobri uma cidade que eu não conhecia. Ou seja a fachada alinhada com a calçada , para mim, não é nem um pouco convidativa para caminhar e consequentemente para contemplar.
Oi Verônica, tudo bem? Te convido a ler o livro “The Death and Life of Great American Cities” de Jane Jacobs, ela explicação a relação dos transeuntes com as fachadas contínuas e a rua. É impressionante sua abordagem acessível baseados em estudos locais do relacionamento da cidade e seus cidadãos americanos.
Oi Verônica, claro.
Os resultados da pesquisa estão disponíveis em diferentes formatos, publicados em diferentes profundidades, dependendo do interesse do leitor.
Você pode ler um texto mais técnico aqui: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/15.180/5554
Um com uma linguagem um pouco mais acessível aqui, a partir da página 18: https://www.feevale.br/Comum/midias/da367382-3f11-4ac1-b5f4-8f1d4c69956b/Bloco%2012.pdf
E uma versão mais condensada que foi publicada aqui mesmo no site: https://caosplanejado.com/a-arquitetura-importa-para-a-cidade/
É importante lembrar que a percepção individual de uma pessoa, seja a minha ou a sua, pode não representar a ação dos efeitos arquitetura sobre a população como um todo. Ou seja, a sua percepção com o espaço pode ser diferente da grande maioria das pessoas, que pode gerar uma discordância individual com os resultados do estudo.
Abraços,
Anthony