Podcast #105 | Arborização urbana
Confira nossa conversa com a engenheira florestal Isabela Guardia sobre arborização urbana.
Os caminhos para melhorar custo, governança e qualidade nas políticas de mobilidade urbana, tanto em municípios maiores quanto nos menores, via integração de diferentes meios de transporte públicos e privados.
14 de novembro de 2024Dar qualidade ao transporte público é um grande desafio. É muito mais complexo melhorar a qualidade do que aumentar os subsídios ou alterar a tecnologia energética de alguns veículos. Em primeiro lugar, realizar investimentos de infraestrutura exige muito mais da capacidade estatal. O mais complexo, no entanto, é que esse caminho altera o status quo. Isso porque investimentos relevantes em transporte público e nos modos ativos exigem que se retire espaço do automóvel. Em algumas situações, os custos podem até ser baixos, mas o conflito pelo espaço viário dificulta a implementação de melhorias.
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Se os prefeitos querem de fato mudar o cenário da mobilidade urbana, devem cobrar os carros pelo que denominamos “externalidades negativas”. O carro é talvez um dos melhores exemplos desse fenômeno econômico. Suponhamos que, se um cidadão optar por ir de carro para o trabalho, o tempo médio de deslocamento dos demais usuários de carro e de ônibus aumente em um segundo. Esse aumento desprezível para esse cidadão pode ser bastante elevado ao considerarmos a sociedade como um todo. Imagine que um milhão de veículos sejam afetados; estamos falando de um milhão de segundos. Esses números são altamente representativos; se 100 pessoas se deslocando por 10 km substituíssem o carro pelo transporte público na cidade de São Paulo, os usuários de automóvel ganhariam (em termos agregados) 57h, enquanto os usuários dos ônibus ganhariam 25h.
Os automóveis geram externalidades negativas também por outros motivos, como as emissões de CO2 e e os sinistros de trânsito. A probabilidade de um sinistro não fatal é 19 vezes mais alta para os deslocamentos por carro do que para os deslocamentos de ônibus, enquanto a probabilidade de um sinistro fatal é 6 vezes mais alta. No caso das motos, essa diferença é brutal, ficando em 40 e 27 vezes, respectivamente. Mesmo as bicicletas geram externalidades em termos de sinistros bem maiores do que o ônibus, fazendo com que seja discutível qual modo (bicicleta ou ônibus) gera menos externalidades negativas. Se monetizamos esses efeitos, ou seja, se atribuímos valor ao tempo, às emissões, às hospitalizações e às mortes, um passageiro utilizando o automóvel particular gera um custo social de cerca de R$ 470,00 a cada 1.000 km rodados.
Na presença de externalidades, os mercados não geram o melhor resultado social, mesmo que sejam perfeitamente competitivos. Nós sabemos como resolver o problema de externalidades: basta cobrar pelo custo que esse consumo gera para a sociedade. Um passo relevante, portanto, seria cobrar uma taxa por congestionamento dos automóveis. Além de reduzir o uso desse modo, essa taxa ajudaria a financiar o investimento nos modos coletivos e ativos. Em Londres, a implementação de uma taxa por congestionamento associada a um investimento no transporte público transferiu 10% dos usuários do carro para o transporte público (9%) e para a bicicleta (1%).
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Obras de infraestrutura e cobrança pelo congestionamento são politicamente difíceis de se implementar. Existe, no entanto, uma política mais palatável e com efeitos potencialmente relevantes para a qualidade do transporte público: alterar a governança da bilhetagem. Hoje em dia, na maioria dos municípios, a bilhetagem eletrônica é gerenciada pelos operadores de ônibus. Além do conflito de interesses desse modelo de governança (o controle da arrecadação fica nas mãos de seu destinatário), o sistema essencialmente não consegue inovar; o modo de operação de bilhetagem é o mesmo há duas décadas, não obstante todos os avanços que notamos na cobrança eletrônica.
Alguns poucos municípios brasileiros controlam diretamente a bilhetagem, o que já é um avanço. Esses municípios podem utilizar as informações da bilhetagem para controlar a operação e planejar melhor o serviço – quando são os operadores que controlam a bilhetagem, não há nenhum interesse em abrir essa informação para a prefeitura. Todavia, esses municípios também apresentam dificuldades em inovar nessa área. Esse resultado é esperado, uma vez que a inovação no setor público é restringida pelos controles a que está submetido – tanto os corretos como os ineficientes. O mais recomendável seria estabelecer uma parceria com uma fintech, que seria remunerada para realizar o serviço de compensação entre créditos e débitos (denominada clearing), bem como o arquivamento dos dados em nuvem para o uso do município e de outros atores da sociedade.
Em termos tecnológicos, o avanço seria em direção ao que se denomina ABT, de seu acrônimo em inglês: a cobrança baseada em contas. De maneira simplificada, em vez de a movimentação ser gravada no cartão fisicamente, passa a ficar em uma conta na nuvem. Com essa mudança, passa a ser viável o uso de diversos meios de pagamento distintos, algo bastante complexo (para não dizer impossível) no sistema atual. Esse é o grande passo que poderia ser dado: avançar para um sistema de inovação aberto em que qualquer meio de pagamento poderia ser incorporado, desde que cumprindo os protocolos de segurança e de garantia ao crédito estabelecidos pelo município e pela clearing.
Ao controlar a bilhetagem, os municípios passam a contar com um sistema de informação para realizar duas melhorias substantivas no transporte público. Em primeiro lugar, é possível melhorar o planejamento, reduzindo sobreposições, racionalizando a rede de transporte público e reduzindo custos que permitiriam, por exemplo, aumentar a frequência. Em segundo lugar, o município passa a ter controle da operação, podendo cobrar da operadora o cumprimento de partidas contratadas e a uniformidade no intervalo entre os veículos. Um dos aspectos que reduzem muito a qualidade do transporte público é a incerteza em relação ao tempo de espera pelo ônibus . Aumentando a precisão, é possível melhorar substantivamente a qualidade do serviço e atrair mais usuários para esse modo.
Além de aumentar a capacidade de monitoramento e planejamento do sistema em relação ao modelo atual, em que os operadores são os “proprietários” dos dados, esse passo abre a possibilidade de inovar de fato no transporte público. A mobilidade urbana alterou-se profundamente na última década. A forma como nos deslocamos nas grandes cidades mudou radicalmente nos últimos 10 anos. O modelo de aplicativos de transporte gerou uma mudança no transporte individual sem precedentes. O transporte público, no entanto, se manteve essencialmente parado. A única mudança foi justamente o fenômeno do “cartão inteligente”, que não é tão inteligente assim, como acabamos de discutir.
Os aplicativos trazem uma mudança disruptiva em pelo menos duas áreas econômicas relevantes: informação (por meio do que denominamos “Economia das Plataformas”) e ociosidade de recursos (por meio do que denominamos “Economia do Compartilhamento”). Há três questões relevantes de informação que os aplicativos resolvem. Em primeiro lugar, um problema de “pareamento”: os motoristas não sabem onde estão os passageiros, e os passageiros não sabem onde estão os motoristas. Os aplicativos permitem que demanda e oferta “se encontrem”. Além disso, os aplicativos diminuem substancialmente o risco de que o passageiro não pague pela viagem e de que o motorista realize uma viagem mais custosa do que deveria, dois riscos ligado a falhas de informação. A solução desses problemas informacionais aumentou de maneira muito significativa o volume de viagens realizado por esse novo modo, que antes disso estava restrito ao trabalho em hotéis ou aeroportos. Adicionalmente, o aplicativo se aproveita do fato de que muitos veículos são subutilizados.
Esse compartilhamento do capital (o veículo) no caso da mobilidade recebeu a alcunha de “Mobilidade como Serviço”, ou MaaS, por conta de seu acrônimo em inglês. Os aplicativos não são proprietários dos veículos; apenas se dedicam a facilitar o fornecimento do serviço de transporte. No transporte público não há ociosidade como no caso dos veículos pesados, mas continuamos com um conceito no qual o fornecedor do serviço de mobilidade é o proprietário do veículo. Esse conceito acaba impedindo que se trabalhe com uma frota mais flexível. Se fosse possível alterar o tipo de veículo em função do local e do horário do dia (ou seja, no espaço e no tempo), poderíamos ter ganhos significativos tanto em termos financeiros como em termos ambientais.
A chave para ganhar essa flexibilidade é a integração generalizada entre os modos dentro do transporte público. O maior potencial está justamente na integração com os aplicativos. O transporte público (corretamente) precisa ser universal, ou seja, alcançar todos os cidadãos. Essa universalidade implica que, em alguns casos, utilizamos um ônibus para que, digamos, três passageiros tenham acesso ao sistema. Seria possível reduzir substantivamente as emissões e o custo se utilizássemos um carro de passeio para recolher esses três passageiros, que então seriam levados até locais de maior demanda para se conectar ao sistema. Denominamos essa viagem de “última milha”. Se fosse possível integrar com os aplicativos, seria viável remunerar esses motoristas apenas pelas viagens realizadas no dia. Os operadores de ônibus receberiam menos pelas viagens integradas, dividindo a tarifa com o aplicativo, como já ocorre nas integrações com outros ônibus e com os trilhos na maioria das regiões metropolitanas.
Além da integração tarifária, que só se viabiliza com inovação aberta na bilhetagem, o sistema exigiria uma melhoria na integração física entre os modos. Para isso, é necessário alterar a infraestrutura na vizinhança das estações do transporte público, implementando locais de embarque e desembarque para aplicativos, bicicletas compartilhadas, conexão entre os diversos modos do transporte etc. Trata-se de uma infraestrutura simples, na realidade. Teoricamente, seria possível sempre utilizar a capacidade mais adequada à demanda. Pensando desde a mais alta demanda até a mais baixa, poderíamos escolher entre trilhos, BRT, faixa exclusiva, ônibus comuns sem segregação, vans e carros de passeio.
Para que um modelo de MaaS como o descrito no parágrafo anterior funcione, é necessário um grau de planejamento extremamente avançado. Não há sistemas hoje em dia que permitam ao usuário planejar sua viagem combinando livremente os modos das diversas pernas da viagem. Adicionalmente, não sabemos o grau de adesão por parte dos usuários. Em relação à questão comportamental, experimento recente realizado pelo FGV Cidades, fornecendo descontos aleatórios para viagens integradas, mostra que os usuários não apenas estão abertos à integração aplicativo-trilhos como “aprendem” que essa combinação de modos é superior às viagens “porta a porta”, de tal sorte que se mantém a redução nas viagens porta a porta por até quatro meses após o final do desconto.
O prognóstico para as políticas públicas de mobilidade discutido acima faz mais sentido para municípios acima de 100 mil habitantes. Os menores, ou seja, 80% dos municípios brasileiros ou mais, muitas vezes não apresentam problemas com congestionamento e, portanto, não faz sentido cobrar uma taxa para tal. Não têm escala nem demanda para implementar infraestruturas do porte de um BRT, por exemplo. Se estiverem em regiões metropolitanas, poderia fazer sentido um BRT metropolitano, mas nesse caso o ente que deveria se encarregar dessa obra não é o município, mas o governo estadual ou uma entidade metropolitana. Porém, ainda faz bastante sentido pensar em MaaS mesmo para esse grupo de municípios. É possível que, em alguns casos, faça mais sentido fornecer boa parte do transporte público por aplicativos. O uso de ônibus convencionais (de 12m) pode ser uma distorção para cidades relativamente pequenas e até mesmo para algumas cidades médias.
Uma questão específica que poderia ser extremamente aplicável em uma cidade pequena seria uma utilização mais eficiente do transporte escolar. A grande maioria dos municípios brasileiros, independentemente do seu porte, oferece o transporte escolar para seus moradores. Esse é um caso de ociosidade, pois temos uma frota sendo utilizada quatro vezes ao dia. Um MaaS bem-feito poderia utilizar as vans do transporte escolar para o transporte público nos horários de ociosidade. Seria necessário planejamento e controle da operação elevados, e há evidentemente coincidência entre os horários de pico do trabalho e da educação fundamental. Ainda assim, vale explorar essa oportunidade.
Em muitas dessas localidades, os moradores trabalham em outras cidades e, portanto, utilizam sistemas de transporte metropolitanos e/ou de outros municípios. O grande desafio para os prefeitos desses municípios é levar o cidadão até o ponto de partida dos outros sistemas de transporte. O MaaS aplicado ao transporte público é potencialmente eficiente justamente para realizar a “última milha”. Essa é a oportunidade que poderia ser explorada em municípios de menor porte e que está sendo desperdiçada.
Um empecilho para que municípios de menor porte implementem um MaaS é a bilhetagem. Alguns municípios nem contam com um cartão de transportes. A maneira de viabilizar uma bilhetagem moderna seria se associar a algum sistema estadual ou mesmo a um município maior que esteja próximo espacialmente. O estado ou o município poderia cobrar apenas o custo marginal de se adicionarem usuários, que é bastante reduzido.
Podemos dizer que há bastante clareza em relação aos principais objetivos das políticas públicas de mobilidade que os novos prefeitos deveriam almejar e como chegar lá. No entanto, as propostas de políticas predominantes parecem não seguir o que seria mais racional do ponto de vista científico. Por que, então, os prefeitos têm priorizado tais políticas? Essas políticas são priorizadas pois são fáceis de se implementar: não alteram o status quo e exigem apenas um aumento de custeio, que é sempre mais fácil de viabilizar do que a efetivação de investimentos de longo prazo.
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Para dar um exemplo, imagine a situação de um prefeito que precisa decidir entre aumentar o subsídio ao sistema de ônibus ou cobrar uma taxa de congestionamento. Enquanto não houver transição de passageiros do transporte individual motorizado para o transporte público, a taxa de congestionamento não tem efeito. O impacto deve ocorrer ao longo dos anos. O subsídio, por outro lado, permite que a tarifa fique congelada ou até mesmo caia de valor. Seu resultado é tangível e imediato. O mesmo se pode dizer da compra de um veículo elétrico.
Um prefeito disposto a implementar políticas públicas de mobilidade consistentes teria que ter uma visão de longo prazo e muita coragem. Gestores que tiveram esse porte de estadista de desafiar o status quo e implementar políticas públicas que de fato mudaram a qualidade de vida da população são raros.
Texto extraído da publicação Nova governança para a mobilidade urbana, de setembro de 2024, do FGV Cidades.
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