Ceticismo em relação à oferta de moradia
Foto: Ted Eytan/Flickr

Ceticismo em relação à oferta de moradia

A partir de diversos dados, a pesquisa Supply Skepticism Revisted, da NYU, busca analisar e responder às preocupações dos que acreditam que um aumento na oferta de moradia não diminui o crescimento dos preços dos aluguéis.

1 de abril de 2024

Proprietários de imóveis tradicionalmente se opõem às novas incorporações em seus bairros, pela preocupação de que isso possa desvalorizar os imóveis que eles possuem. Ao mesmo tempo, também é comum ver locatários se opondo às novas construções, com medo de que isso aumente o custo do aluguel. Por que esses dois grupos têm percepções tão diferentes diante do mesmo fenômeno? Quais são os verdadeiros impactos do aumento da oferta de moradia nos preços de uma região da cidade? Foram esses questionamentos que motivaram a pesquisa de Vicki Been, Ingrid Gould Ellen e Katherine O’Regan na New York University (NYU), como Vicki relata no podcast do EcoNews Report.

Em março de 2024, foi publicado pela NYU o artigo Supply Skepticism Revisted, que pode ser traduzido como Ceticismo em relação à oferta, revisitado. São chamados de céticos em relação à oferta aqueles que acreditam que um aumento na oferta de moradia não diminui o crescimento dos preços dos aluguéis, contrariando a lei da oferta e demanda. Na pesquisa, buscou-se compreender o conjunto de argumentos e preocupações desses céticos a fim de revisar e endereçar cada suposição a partir de dados reais. 

Tendências na acessibilidade e disponibilidade de moradias

Primeiramente, foi constatado que os aluguéis estão, de fato, se tornando menos acessíveis nas últimas décadas nos EUA, considerando a renda média das pessoas. Também foram identificadas taxas de vacância persistentemente baixas em várias regiões do país, reforçando que há pouca moradia disponível para atender à alta demanda.

A partir das taxas de vacância, foi feito um mapeamento dos locais onde a demanda por moradia é maior em 20 áreas metropolitanas dos Estados Unidos. Com uma sobreposição de dados, notou-se que as áreas de alta demanda também são onde a legislação menos permite construir novas moradias, o que sugere que as áreas metropolitanas podem estar produzindo poucas novas habitações não por causa da baixa demanda, mas por uma rigidez das regulamentações.

Diante desses fatores, foi preciso entender que a alta nos preços dos aluguéis muitas vezes se mantém com a construção de novas moradias simplesmente porque há uma demanda crescente, e não devido ao aumento da oferta. 

A relação entre o aumento da oferta e os preços dos aluguéis

Embora os preços dos aluguéis possam subir com a demanda crescente, pesquisas com diferentes metodologias confirmam que um crescimento na oferta ameniza o aumento dos preços na cidade como um todo, a partir de um efeito cascata, apesar de que os resultados podem variar em diferentes cidades e contextos. Essa conclusão foi feita a partir de diversos estudos recentes citados no artigo. 

Leia mais: Construir mais prédios torna a cidade mais cara?

Em Auckland, na Nova Zelândia, Greenaway-McGrevy investigou os efeitos de um rezoneamento na cidade que resultou em um aumento de 4,1% no estoque de habitação. Usando um “controle sintético” de outras zonas urbanas que tinham tendências de mercado e outras características semelhantes às de Auckland, ele concluiu que seis anos após a implementação total da política, os aluguéis para moradias de três quartos em Auckland eram entre 26% e 33% menores do que os das áreas do “controle sintético”.

Auckland. Foto: Ed Kruger/Wikimedia Commons

Na Alemanha, Mense avaliou os efeitos das novas construções entre 2010 e 2017, descobrindo que “um aumento de 1% na oferta anual de novas habitações faz com que o valor médio do aluguel (no município local) caia 0,2%”. Pennington também investigou o impacto que as novas construções em locais previamente afetados por incêndios tiveram nos aluguéis dos edifícios próximos, em São Francisco. Ela descobriu que os aluguéis diminuíram em cerca de 1,2% a 2,3% para moradias dentro de um raio de 500m de um novo projeto. Um conjunto de outros estudos em diferentes localidades apontam para conclusões semelhantes.

O aumento da oferta prejudica os moradores de baixa renda?

Outra preocupação endereçada na pesquisa foi se o aumento na oferta de habitação prejudica os moradores de baixa renda ao promover a gentrificação. Embora possa haver um aumento da renda média e dos níveis de escolaridade nos bairros onde novas moradias estão sendo construídas, não foi demonstrado nos estudos mais recentes que isso cause deslocamento significativo de famílias de baixa renda. Alguns estudos mostram que novas construções até reduziram a probabilidade de deslocamento, como o de Pennington em São Francisco, que constatou que o risco de deslocamento diminui cerca de 17% para os domicílios em um raio de 100m de um novo projeto.

Além disso, existe o efeito cascata. De fato, as novas construções geralmente oferecem mais alternativas de moradia às famílias de maior renda, que muitas vezes preferem morar num imóvel novo ao invés de reformar um antigo. Essa movimentação acaba liberando apartamentos que podem ser então alugados por famílias em diferentes níveis de renda. Isso vai de encontro com a crença de muitos céticos de que o aumento da oferta de moradia só teria um impacto positivo na acessibilidade dos aluguéis se fossem construídas moradias especificamente voltadas para as famílias de baixa renda.

Foto: djedj/Needpix

Escassez de moradia ou uso ineficiente dos espaços existentes?

Será que, com um uso “mais eficiente” dos espaços que já existem, o problema da falta de habitação não seria resolvido? Esse é outro questionamento que o artigo se propõe a analisar. Porém, a forma como os espaços são utilizados varia muito em diferentes contextos e regiões, e isso não pode ser abordado de forma simplista, pois uma obrigatoriedade de troca de uso pode gerar outros problemas de oferta e demanda. No geral, esse questionamento é mais sobre quais são as políticas corretas para enfrentar o problema do que uma hesitação a respeito das vantagens de uma oferta maior de habitação.

Leia mais: Construir mais com domicílios vazios?

Flexibilização das regulamentações de uso do solo

Por outro lado, a legislação existente muitas vezes restringe as possibilidades de uso do solo. Existem bairros onde há uma grande oportunidade de investir em novas moradias, porém o lote é limitado a um uso não residencial, que impede o incorporador de ajudar a suprir essa demanda.

A pesquisa aponta, a partir de dados empíricos de outros estudos, que aliviar essas restrições de uso do solo geralmente implica em um leve aumento da oferta de moradia. Entretanto, na prática isso é mais complicado, pois envolve questões financeiras, reformas e outras regulações sobre o lote que vão além do uso em si, como afastamentos obrigatórios, altura máxima, etc. 

Conclusão

O artigo Supply Skepticism Revisted conclui ressaltando que o aumento da oferta de moradia, em si, não gera um aumento dos preços dos aluguéis. É verdade, porém, que com a chegada de novas incorporações, uma região da cidade geralmente atrai novos investimentos e amenidades, o que pode aumentar os preços. 

Vários estudos apontam para o fato de que o “efeito da oferta” geralmente se sobressai em relação ao “efeito das amenidades”, ou seja, a introdução de novas moradias tende a diminuir o crescimento dos preços, mais do que aumentar.

No Brasil, não é diferente. A conclusão dessa pesquisa, que tem como base outros estudos em diversos países, está alinhada com o resultado de pesquisas mais voltadas para a realidade brasileira, como publicado anteriormente no site do Caos Planejado

No artigo, é ressaltado, ainda, que continua sendo necessária a realização de outros estudos para preencher as lacunas de entendimento, a fim de reduzir barreiras ineficientes ao aumento da oferta e, ao mesmo tempo, minimizar o “efeito das amenidades” nos preços.

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