Bairros nunca tiveram o propósito de serem imutáveis
As mudanças nos bairros e nas cidades ao longo dos anos é natural e tentar impor restrições para elas é um equívoco.
Nos últimos anos, surgiram comunidades online que utilizam aplicativos como WhatsApp, Facebook e Zello como mecanismos de comunicação para operar fora das plataformas multinacionais.
13 de outubro de 2021Desde a chegada do Uber na Colômbia, em 2013, há reclamações de usuários sobre as taxas de segurança e o preço dinâmico, além de problemas com ganhos baixos e altas comissões que afetam os motoristas. Mais do que isso, dirigir em qualquer uma das plataformas na Colômbia pode causar a suspensão da carteira de habilitação, além de multas extremamente altas. Em 2021, o compartilhamento de caronas oferecido por aplicativos ainda está em um limbo regulatório para as autoridades colombianas.
Nesse contexto, nos últimos anos, surgiram comunidades online que utilizam aplicativos como WhatsApp, Facebook e Zello como mecanismos de comunicação para operar fora das plataformas multinacionais, criando seus próprios canais e compensando os baixos ganhos pelas empresas multinacionais.
Em muitos casos, esses motoristas até abandonam plataformas como o Uber para trabalhar totalmente em suas próprias estruturas.
O Zello, em particular, é um aplicativo que permite transformar qualquer smartphone ou tablet em um walkie-talkie, usando o aplicativo de rádio PTT (“push-to-talk”) gratuito.
Ele possibilita entrar em contato com outros de forma privada, mas, mais importante, também permite que os usuários entrem em grupos públicos.
Entre os recursos do aplicativo, há streaming em tempo real, disponibilidade e status de contatos, grupos públicos e privados para até 6 mil usuários, notificações, compartilhamento de imagens e a capacidade de trabalhar em diferentes tipos e qualidades de conexões de internet.
Nessas plataformas de comunidades online emergentes, também há evidências de regras de governança. Elas incluem aspectos como códigos internos, mecanismos de exclusão de acesso e taxas a serem pagas para acessar os benefícios de mediação da plataforma da comunidade online.
Os membros dessas novas comunidades estão consolidando suas funções e ganhos por meio de referências e classificações anteriores em plataformas multinacionais mais estabelecidas.
Essas novas comunidades funcionam com base em parâmetros de confiança, recomendações boca a boca e envolvimento individual dos motoristas com os usuários. Os relacionamentos foram construídos principalmente enquanto os motoristas ainda trabalhavam nas plataformas multinacionais.
Da mesma forma, esses grupos de motoristas incluem intermediários externos, como porteiros em complexos de apartamentos, hotéis, bares e clubes que solicitam viagens em nome do passageiro.
Além disso, nessas comunidades existe uma estrutura proposital de mecanismos de segurança comunitária. Por exemplo, há sistemas de defesa contra ladrões de veículos, monitoramento contra policiais e outras autoridades com poder de multar. Há até mesmo atividades recreativas destinadas a fortalecer o vínculo e bem-estar do grupo.
Modelos de governança novos e heterodoxos emergentes em comunidades online são um dos vários resultados das plataformas digitais nas interações sociais nos países do sul do globo.
Ainda faltam na literatura estudos desses resultados e implicações em contextos onde o nível de institucionalização é baixo e os direitos de propriedade não estão bem definidos.
No entanto, ter a oportunidade de abordar esta questão e investigar comunidades online em países em desenvolvimento ajuda a responder a uma crescente chamada para explorar novos caminhos de pesquisa para plataformas dessas cidades.
As práticas das comunidades-plataformas online são itinerantes, informais e ultrapassam as estruturas formais de transporte, ao mesmo tempo que promovem o agenciamento de seus usuários.
As plataformas ou comunidades-plataformas-online têm, portanto, aquele ponto de referência em sua teorização, enquadrando um ecossistema desenvolvido por meio de plataformas que, com mediação tecnológica, possibilita a agência de usuários e cria novas instituições, enquanto promove a desinstitucionalização de outras.
As implicações urbanas mais interessantes de como as plataformas dos países do sul diferem das do norte estão em suas implicações institucionais e sua natureza sociotécnica.
Casos como o Mushikashika na África ou Go-Jek na Indonésia são exemplos do efeito de plataformas em instituições urbanas.
Esses exemplos não podem ser compreendidos apenas com base na tecnologia, mas devem ser envolvidos em considerações sociotécnicas e institucionais de complexidades como a informalidade urbana.
No artigo Emergent Transportation “Platforms” in Latin America: Online Communities and Their Governance Models, o estudo das comunidades online mostrou como, no processo de criação de plataformas, emergiram formas inovadoras de organização de uma bricolagem de diferentes softwares e hardwares.
Em um processo que poderia replicar mecanismos de “cooptação” teorizados na “Forma Organizacional Möbius”, mas com suas diferenças para o contexto estudado, visto que essas comunidades online não são empresas ou organizações formais, mas grupos ad hoc com processos alternativos e particulares.
Essas comunidades têm elementos de governança que existem em uma área cinzenta entre a economia de plataforma extrativista, as economias de compartilhamento heterodoxas e o cooperativismo de plataforma.
Em termos de estruturas e hierarquias, observa-se que os gestores, como detentores dos cargos de “fundador” no topo e “donos” das comunidades, são considerados responsáveis pela proteção da integridade do sistema e, mais importante, decidem sobre suas regras.
Também observei uma construção harmoniosa de modelos de organização, baseados em fortes laços comunitários, confiança interna e um senso de coesão em um contexto que é hostil.
Essas comunidades-plataformas online estão mostrando a força da construção de comunidades e do design de modelos de organização simples, mas sofisticados e eficientes.
Esses modelos, no entanto, não estão isentos de aspectos problemáticos quanto à falta de modelos democráticos ampliados a certos níveis de autoritarismo e corrupção que podem surgir da falta de responsabilização direta e de gestão dos recursos monetários.
Em todo o caso, as características de seu funcionamento interno e a aparente suavidade e ausência de conflito com que essas comunidades-plataformas se desenvolveram remetem a novas questões e temas que deveriam ser incluídos na teoria de governança em comunidades online nas cidades latino-americanas.
Os latino-americanos tendem a acreditar que o mundo evolui conforme descrito nas leis e regulamentos escritos, ou pior, que deveria ser assim. Basta, neste caso, colocar algo por escrito para que seja publicado e concretizado, tornando-se assim uma “realidade”.
É claro que esse não é o caso e nunca foi na evolução das sociedades nesta região, nem em todo o sul global. A ideia por trás da promulgação de definições legais e regulamentos rigorosos vs. o que acaba acontecendo está representado em expressão típica colombiana que descreve perfeitamente a situação: “Se acata pero no se cumple”, em espanhol.
Para o caso das comunidades online estudadas, devo insistir no argumento de que as classificações pertinentes às formas organizacionais e à teoria da empresa não devem ser aplicadas descontextualizadas ao que se observa nas cidades do hemisfério sul.
Muito menos se formos considerar a evolução da organização da plataforma, que é relativamente nova, com suas nuances difíceis de definir em um estágio tão inicial.
Observar como funcionam os processos de governança de baixo para cima e incorporar seu reconhecimento como uma forma válida de organização também ajuda a evitar o que tem acontecido historicamente: exclusão e informalidade com a criação de paraestruturas de todos os tipos, que acabam diminuindo instituições e desenvolvimento.
O reconhecimento da natureza dos modelos de organização e governança de pares construída em laços da comunidade pode até mesmo nos referir a uma segunda geração de cooperativismo de plataforma: um mutualismo de plataforma urbano que permite que os indivíduos se organizem usando a tecnologia digital para crescer a si próprios, suas famílias e suas sociedades em países que têm direito ao desenvolvimento.
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