O estudo de cidades — urbanismo — é uma área de crescente interesse pelo fato de sermos uma espécie cada vez mais urbana. A medida que se diminui a necessidade de mão de obra para agricultura e indústria, aumenta a proporção de humanos vivendo em centros urbanos, trabalhando com serviços e ideias nestes “reatores sociais”, uma definição de cidade usada pelo estudioso de complexidade Geoffrey West. No entanto, muitos livros nos contam histórias de cidades, outros pulam diretamente para receitas específicas de como corrigir um determinado problema urbano. Não são muitos os livros que mostram o que é uma cidade, como ela funciona e, ainda, com uma linguagem cativante. Nesta seleção, o leitor não só vai entender e amar as cidades, mas descobrir que elas são organismos incríveis e complexos.
Nova York Delirante, por Rem Koolhaas
“A disciplina bidimensional da retícula também cria uma liberdade jamais sonhada para a anarquia tridimensional. A retícula define um novo equilíbrio entre controle e descontrole, em que a cidade pode ser ao mesmo tempo ordenada e fluida, uma metrópole de rígido caos.”
Rem Koolhaas, um dos arquitetos e urbanistas mais influentes da atualidade, nos conta a história de Manhattan, uma das cidades mais relevantes do mundo contemporâneo que teve uma forma singular de urbanização. Dentro do seu xadrez viário rígido, Manhattan permitiu a “anarquia tridimensional”, usando suas palavras, gerando o que o autor chama de “cultura da congestão”, uma condição da vida metropolitana que Manhattan conseguiu extrair ao máximo.
As regulações urbanas adotadas em Manhattan — além do grid — até a II GM eram ínfimas próximas às da atualidade, hoje uma cidade “comportada”. Mas o que aconteceu durante o século que Manhattan atraiu centenas de milhares de imigrantes buscando os céus para acomodá-los? De que forma se desenvolveu uma cidade onde o urbanista sai da cena para abrir espaço aos arquitetos? “Nova Iorque Delirante” faz o leitor mais cético respeitar o “manhattanismo”, tornando-se mais aberto ao experimental, ao radical e a uma cultura da congestão.
São Paulo nas Alturas, por Raul Juste Lores
“Copan. Conjunto Nacional. Galeria do Rock. Galeria Metrópole. CBI-Esplanada. Itália. Bretagne. Paquita. Três Marias. Jardim Ana Rosa. Esses são alguns dos melhores prédios já erguidos em São Paulo. Se é fato que a arquitetura possui temperamento, esses edifícios são altivos e generosos.
Foram todos projetados ou inaugurados entre 1950 e 1960: em pouco mais de uma década, São Paulo viveu um verdadeiro milagre arquitetônico. Em um raríssimo alinhamento de astros, os arquitetos desenhavam os prédios que sonhavam, que agradavam a seus clientes/patrões e que coincidiam com o que o público desejava comprar. A escola moderna vendia, e os três grupos ficavam radiantes com o resultado.”
Assim escreve Raul Juste Lores no início de “São Paulo nas Alturas”. Há quem ache São Paulo uma cidade feia, mas nem sempre foi assim. Como o parágrafo indica, o livro explica os detalhes do sucesso da capital paulista nesta “época de ouro” da arquitetura da cidade.
Jornalista, ex-correspondente em Washington, Nova York, Pequim e Buenos Aires, Raul narra brilhantemente, após dezenas de entrevistas, visitas e pesquisas de inúmeros documentos históricos por que e como este processo aconteceu e por que deixou de acontecer nos anos seguintes, sempre colocando São Paulo e os atores da sua arquitetura no contexto global da época.
“São Paulo nas Alturas” deve agradar não apenas paulistanos e/ou arquitetos, mas aqueles que buscam a beleza e a vida urbana que talvez nossas cidades já tiveram no passado. Os leitores serão cativados pela paixão do autor pela arquitetura e pela cidade, demonstrada não apenas na sua obra escrita mas na continuidade do seu trabalho como editor da Veja São Paulo e um ávido influenciador de redes sociais com os melhores (e piores) exemplos de como a arquitetura influencia no dia a dia do cidadão urbano.
Order Without Design, por Alain Bertaud
“A ordem criada pelos mercados se manifesta através da forma de cidades. Mercados transmitem informação através dos preços, gerando ordem espacial. Quando preços são distorcidos, também é a ordem gerada pelos mercados.
Planejadores urbanos — em nome de políticos — tentam modificar esta ordem através do design. Estas intervenções de design implementadas pelos planejadores consistem, em sua maioria, em regulações e na construção de infraestrutura e espaços públicos. O objetivo das regulações de planejamento é modificar o resultado de mercados livres para aumentar o bem estar dos cidadãos.
Qual é a extensão da modificação do resultado de mercado atingida pelos planejadores? Varia de poucas modificações em cidades como Houston, Texas, para a completa obliteração em cidades como Brasília, Brasil, e em algumas cidades na antiga União Soviética.”
Depois de uma carreira de 55 anos como urbanista em Tlemcen, Paris, Nova York, Sana’a, Porto Príncipe, Washington, San Salvador e Washington, Alain Bertaud finalmente consolida o conhecimento adquirido em um futuro clássico do urbanismo. Tendo não apenas trabalhado nessas cidades mas, como urbanista do Banco Mundial, tendo tido a experiência de conhecer cidades na China e na Rússia quando estes países tinham economias planejadas, Bertaud traz em “Order Without Design” relatos que remetem a histórias de um verdadeiro “Indiana Jones” do urbanismo, como quando marcava a abertura de novas vias com uma Land Rover no Iêmen em 1970.
Alain descreve seu livro sobre urbanismo como a “interação observada entre mercados econômicos e o design no desenvolvimento de algumas cidades pelo mundo”, com o objetivo de “melhorar o planejamento urbano operacional como é praticado nos departamentos de urbanismo, ao aplicar o conhecimento (e os modelos) de economistas urbanos ao design e planejamento de regulações e infraestrutura.”
“Order Without Design” fala sobre as diferenças, contradições e limites entre o planejamento urbano “desenhado” e a ordem espontânea gerada por mercados, ilustrada pela sua carreira aventureira pelo mundo junto com a sua esposa, Marie-Agnes, também urbanista. Quais os problemas encontrados em cidades onde os preços foram abolidos, sendo totalmente planejadas? Quais são os efeitos não intencionais de regulações sobre acessibilidade à moradia? Qual deve ser o papel de um urbanista ao se deparar com problemas urbanos?
O livro agradará tanto profissionais de urbanismo treinados, trazendo um sólido arcabouço técnico em urbanismo e economia urbana, mas também aqueles que estão iniciando seus estudos sobre cidades. Com linguagem acessível (embora ainda não traduzido para o português), exemplos práticos e ilustrações, as ideias de Bertaud devem impactar profundamente a formação de quem ama as cidades.
O triunfo da cidade, por Edward Glaeser
“A força que advém da colaboração humana é a verdade central por trás do sucesso da civilização e o principal motivo da existência de cidades. Para entender melhor as cidades e o que fazer com elas, precisamos nos apegar a essas verdades e nos desfazer de mitos prejudiciais.
Precisamos descartar a visão de que o ambientalismo significa viver ao redor de árvores e que os urbanistas devem sempre lutar para preservar o passado físico da cidade. Precisamos parar de idealizar a casa própria que favorece loteamentos de casas nos subúrbios, em detrimento dos edifícios de apartamentos, e parar de romantizar as vilas rurais.
Devemos evitar a visão simplistas de que a melhor comunicação a longa distância reduzirá nosso desejo e nossa necessidade de estar perto uns dos outros. Acima de tudo, devemos nos libertar de nossa tendência de ver as cidades como sendo suas edificações e lembrar que a cidade real é constituída de gente e não de concreto.”
Best-seller do New York Times, Ed Glaeser se tornou uma das maiores referências do urbanismo contemporâneo com este livro e um dos meus urbanistas favoritos. Através de uma viagem pelas principais cidades do planeta, Glaeser quebra lendas urbanas que normalmente impedem a urbanização, respondendo questões controversas como “O que há de tão bom sobre os arranha-céus?” e “Não há nada mais ecológico que o asfalto?” com respostas embasadas, elegantes e, no fim, mais pragmáticas que controversas.
Com este livro aprendemos que grande parte do sucesso da humanidade está nas grandes cidades, que nos tornam “mais ricos, inteligentes, saudáveis e felizes”, e não o contrário, como muitos imaginam. No entanto, para que isso aconteça é necessário perder nossos medos irracionais relacionados ao adensamento, à verticalização e à urbanização propriamente dita para, enfim, permitir que a cidade aconteça. A clareza, eloquência e embasamento acadêmico de Glaeser torna “Triumph of the City” (seu título em inglês) uma leitura obrigatória para aqueles que estudam as cidades.
Morte e Vida das Grandes Cidades, por Jane Jacobs
“Tratar de uma cidade, ou mesmo de um bairro, como se fosse um grande problema arquitetônico, capaz de ser resolvido através de um trabalho disciplinado de arte, é cometer o erro de tentar substituir a vida pela arte. Os resultados de tão profunda confusão entre arte e vida não são nem arte, nem vida. Eles são taxidermia.”
Este livro é, sem dúvida, um dos livros mais influentes da história do urbanismo e o mais influente no pensamento contemporâneo sobre cidades. Jane Jacobs, uma jornalista canadense morando em Nova Iorque, mostra seu entendimento sobre grandes cidades através das suas próprias observações e vivências urbanas, tornando-se a maior crítica do planejamento urbano modernista do início do século XX, de representantes como Lúcio Costa, Le Corbusier ou Robert Moses.
Através dessas observações, Jacobs denuncia em linguagem direta e auto-didata como as grandes interferências autoritárias dos urbanistas nas cidades construindo viadutos, destruindo patrimônio histórico e bairros inteiros para construir guetos de habitação pública eram as principais causas dos problemas que as cidades estavam enfrentando.
Quem já ouviu falar do conceito de “olhos da rua”, onde calçadas vivas, repletas de gente, aumentam a nossa percepção de segurança na cidade, e de como usos mistos e “fachadas ativas” contribuem para essa vida urbana, deve saber que estes conceitos originaram e se disseminaram principalmente a partir da obra de Jacobs. Uma defensora de uma cidade mais espontânea, admirando no seu texto o crescimento orgânico das cidades antigas, a vida nas ruas, o “balé complexo”, o texto de Jacobs permanece atual até os dias de hoje.
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