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Confesso que eu nunca havia ouvido falar de Chengdu até que um colega meu que nasceu e cresceu no interior da China me convidou para essa viagem: seu objetivo era mostrar a um pequeno grupo de amigos a “China de verdade”.
A região metropolitana de Chengdu tem nada menos que 14,4 milhões de habitantes. Caso fosse no Brasil, perderia apenas para a região metropolitana de São Paulo, que tem cerca de 20 milhões de habitantes.
Chengdu não tem o glamour cosmopolita de Shanghai ou Hong Kong, mas vem se consolidando como a capital mais inclusiva da China e como um polo de entretenimento e turismo, aproveitando sua origem histórica como uma das cidades mais antigas da China, com registros arqueológicos do seu assentamento de até 4.000 anos atrás.
Desde a década de 80, Chengdu vem crescendo quase 5% ao ano, mais que o dobro da velocidade de grandes cidades brasileiras de rápido crescimento, como Manaus. A população urbana de Chengdu aumentou de 1,92 milhões de pessoas em 1980 para 7,17 milhões em 2012, com um crescimento médio anual de 16,6%.
Em 1999, Chengdu deu início a um programa governamental para desenvolver cidades do interior, e Chengdu era um dos pontos focais. Tal incentivo incluiu investimentos significativos na região assim como a designação de Zonas Econômicas Especiais. Visualmente, o modelo construtivo da cidade é semelhante ao implementado na União Soviética, de grandes blocos residenciais isolados, resultantes do objetivo de prover moradia de forma quantitativa.
Diferente da URSS — que na época não possuía tecnologias para conjuntos tão grandes —, Chengdu leva o modelo um passo além. Principalmente nas zonas periféricas onde as áreas rurais foram urbanizadas recentemente, grandes avenidas formam superquadras onde o interior é formado por conjuntos de dezenas de blocos de edifícios de vinte, trinta, quarenta andares, uma imagem distópica no horizonte.
Nas áreas mais centrais, dentro do primeiro anel viário, predominam as construções residenciais antigas que seguiram as regras da “uma hora de sol”, citada no primeiro artigo desta série. Situada em um território plano e amplo, a geografia permite crescimento acelerado em todas as direções.
É comum passar por quadras inteiras que estão marcadas para demolição ou onde se vê apenas destroços de construções antigas, abrindo alas para a nova urbanização destes grandes blocos edificados.
Os novos blocos, com pouco espaço para atividades comerciais formais, acabam tendo seus térreos ocupados informalmente, às vezes através de “puxadinhos”, com pequenos pontos comerciais como mercados, restaurantes ou salões de beleza.
O desenvolvimento dos terrenos segue a receita chines, normalmente leiloados pelos governos locais para levantar recursos. As terras rurais “coletivas” são frequentemente desapropriadas pelos governos locais para passar por estes leilões, normalmente recebendo compensações financeiras muito abaixo dos valores de mercado, com seus moradores realocados em habitações periféricas onde preços são menores.
Funcionários do governo representam uma parcela significativa da demanda por unidades e, normalmente, pagam cerca de um terço ou metade do valor de mercado pelas unidades, já que o governo subsidia grande parte do custo. Estes funcionários também raramente têm suas moradias substituídas por novos projetos, diferente do resto da população.
O crescimento urbano de Chengdu não significou apenas novas moradias mas também um investimento massivo em infraestrutura de transporte, em uma velocidade sem precedentes. A primeira linha de metrô de Chengdu foi inaugurada em 2010.
Hoje já são seis linhas cobrindo quase 200 quilômetros de extensão com 151 estações, ultrapassando o metrô de São Paulo, que iniciou na década de 70. Os ganhos de escala de uma área urbana do tamanho e rápido crescimento de Chengdu trazem alguns resultados.
Em um ranking de 2016, a cidade foi considerada a terceira mais atraente do país para o varejo, depois de Beijing e Shanghai, e a décima sexta mundialmente, a frente de Milão e San Francisco. Isso se reflete em projetos como o Sino-Ocean Taikoo Li, um enorme empreendimento de uso misto no centro da cidade, com excelente integração arquitetônica a um antigo templo budista.
Capital da Província de Sichuan, no interior da China, chamo Chengdu de “China de verdade” pois, longe da zona costeira cosmopolita, não apenas os conceitos urbanísticos são aplicados a pleno mas é onde podemos encontrar algumas das características peculiares ou emblemáticas chinesas.
Por exemplo, Sichuan é a região conhecida pelas comidas chinesas apimentadas e onde experimentei os pratos mais exóticos da minha vida. Cabeça de coelho, por exemplo, é um lanche rotineiro e pode ser encontrado até mesmo nas bancas do aeroporto. Chengdu também possui a maior reserva de pandas do mundo a cerca de dez quilômetros do centro da cidade, um dos principais pontos turísticos da capital do entretenimento.
Ao se falar de turismo em Chengdu, impossível não citar nossa visita a Kuanzhai Xiangzi, um conjunto de históricos becos estreitos. Sua origem pode ser traçada até o início do século XVI e, no início dos anos 2000, foi totalmente renovado para se tornar um polo cultural e turístico.
No entanto, assim como outras experiências que tive pela China, a relação da cultura com a tradição, ou a originalidade, é complicada, e é difícil saber em Kuanzhai Xiangzi quais construções são originais e quais são reconstruções.
Segundo Qianran Yang, a população foi desapropriada para estabelecer a nova zona turística, cerca de 60% das construções originais que aparentemente não tinham mais valor histórico foram reconstruídas para “fazer o antigo continuar parecendo antigo”. Também foi a partir de Chengdu que fomos para Shangri-la e Lijiang, duas pequenas cidades históricas no interior da China, onde a dúvida era a mesma: o que é “verdadeiro” e o que é “falso”?
O mundo inteiro sabe que a China é um país que pouco respeita leis de propriedade intelectual e que tem a maior indústria de cópias e falsificações do mundo. Essas cópias não são feitas apenas de artigos básicos de moda, mas também de eletrônicos, carros e, também, edificações e cidades.
Este processo não é mau intencionado e, como descendente de chineses, meu entendimento é de que isso resulta de uma série de fatores, que compartilho aqui como uma interpretação bastante pessoal. Em primeiro lugar, a cultura chinesa é extremamente pragmática e adora um bom negócio.
Ou seja, conseguir um produto equivalente a um valor menor é mais motivo para se gabar do que de se envergonhar por não ser original. Ainda, não se pode desprezar os efeitos da Revolução Cultural do país, que resultou em uma das maiores destruições culturais da história da humanidade na tentativa de Mao Tsé-Tung de expurgar o que era “antigo e ultrapassado” da China tradicional.
Assim, na cultura popular atual há pouca distinção entre o que é “original” e o que é uma “cópia”. Por exemplo, pouca relevância era dada quando perguntava ao meu colega se as construções de Shangri-la eram originais, minha guia turística em Beijing exibia suas roupas de marca e jóias falsificadas com verdadeiro orgulho, e carros como o Land Wind são expostos em feiras de automóveis ao lado das suas versões originais.
Levando adiante seu crescimento urbano planejado e distópico, onde questões sociais ou indicadores de mercado pouco são considerados para expansão, o grande projeto para o futuro urbano de Chengdu é a nova zona de Tianfu, ao sul da cidade.
Ocupando mais de 1.500 km², a área pretende ser um novo centro “inovador e sustentável”, com direito a um masterplan pelo escritório Adrian Smith + Gordon Gill, escritório de arquitetura de Chicago conhecido por projetos gigantescos, principalmente na Ásia e no Oriente Médio.
Peça inicial deste projeto foi a construção do New Century Global Center, considerado o maior edifício do mundo em área construída, com impressionantes 1,7 milhões de metros quadrados. Para comparação, o Burj Kahlifa, edifício mais alto do mundo, tem “apenas” cerca de 300 mil metros quadrados.
Para suportar a nova área de Tianfu com a devida grandeza, também está sendo construído o novo aeroporto internacional de Chengdu Tianfu, que pretende ser o terceiro maior da China após os aeroportos de Pequim e Shanghai. Tianfu, em chinês, significa “terra da abundância”, e realmente é preciso de abundância para tornar o projeto realidade: em janeiro deste ano, obras iniciaram para grande parte do projeto, com investimento aproximado de 300 bilhões de yuan, ou 160 bilhões de reais.
Apesar do investimento, minha previsão é de que Tianfu seja um exemplo semelhante a outras tentativas fracassadas de criar cidades inovadoras através do planejamento centralizado: Songdo, na Coreia do Sul, Masdar, em Abu Dhabi, Tamansourt, no Marrocos, todas focaram na arquitetura construída, enquanto o mais relevante de uma cidade é a estrutura social, econômica e institucional da sua população. Por exemplo, a mera delimitação de uma zona econômica pode gerar muito mais impacto que um masterplan com imagens bonitas.
Difícil dizer que eu recomendaria uma visita turística para Chengdu dada a dificuldade para chegar lá e a experiência urbana um tanto distópica. No entanto, minha ida foi realmente valiosa para ver uma China além da vitrine das grandes cidades costeiras onde turistas e investidores normalmente circulam.
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