A gentrificação é o resultado de poderosas forças econômicas. Aqueles que não compreendem a natureza das forças econômicas deste jogo correm o risco de redirecioná-las de forma a aumentar ainda mais a expulsão de moradores de suas casas pela cidade inteira. Antes de discutir soluções, é importante aceitar que a gentrificação é um sintoma de um problema muito maior.
Alguns retratam a gentrificação como uma guerra de classes, culpando o arquetípico construtor ganancioso:
“Regras não são acidentes. Proprietários imobiliários dispostos a minimizar seus riscos e maximizar os valores de suas propriedades trabalharam para manter a habitação de baixa renda longe de seus investimentos.”
Guerra de classes
Seria a gentrificação uma guerra de classes? De certa forma, sim. Mas a típica análise confunde o sintoma pela causa e acaba por apontar o dedo para as pessoas ricas erradas. Não há uma grande conspiração inventada por construtores e imobiliárias, embora não seja surpreendente que pareça dessa maneira.
Construtoras ficariam felizes se pudessem construir em bairros que já são caros e onde a demanda é estável e previsível. Elas não o fazem porque normalmente não são permitidas pela legislação. Veja por exemplo o Lincoln Park, em Chicago: Daniel Hertz destaca que o número de unidades habitacionais diminuiu em 4,1% desde 2000, e o bairro não tem permitido uma única unidade de habitação nova a preços acessíveis a ser desenvolvida em 35 anos. Os moradores abastados do Lincoln Park gostam de seu bairro do jeito que ele é e possuem o poder político para que ele se mantenha assim.
Tendo em conta que os projetos são bloqueados em bairros de classe alta, as construtoras procuram alternativas. É aqui onde “mexer os pauzinhos” passa a ser uma estratégia viável. Os políticos estão muito mais dispostos a mudar a legislação de bairros da classe média ou da classe trabalhadora. Estas comunidades são muito menos influentes e tem muito menos recursos com os quais lutar.
Os políticos estão muito mais dispostos a mudar a legislação de bairros da classe média ou da classe trabalhadora. Estas comunidades são muito menos influentes e tem muito menos recursos com os quais lutar.
O resultado final é que bairros ricos cada vez mais diminuem seus potenciais construtivos [N.T.: vide Jardim Europa, em São Paulo, e Ipanema, no Rio] enquanto bairros com proprietários menos afluentes, sem poder político e habitados por minorias, têm seus potenciais construtivos aumentados. Os políticos agradam os bairros politicamente influentes limitando seu crescimento e, em seguida, agradam construtoras que veem bairros menos influentes como o único lugar viável para novas construções.
Frequentemente, a resposta instintiva é lutar contra o desenvolvimento imobiliário que ocorre nesses bairros gentrificados, mas as consequências disso possuem duas facetas. Em primeiro lugar, o estudo básico da economia nos mostra que a limitação de oferta só fará com que os preços subam.
Ao invés dos recém-chegados se alocarem em unidades recém-construídas, eles vão inundar rapidamente o estoque habitacional existente, acelerando a gentrificação. Em segundo lugar, impedir novos desenvolvimentos fecha a válvula de liberação que alivia pressões sobre os preços da habitação que causaram a gentrificação em primeiro lugar.
Já que não construir não é uma opção, os políticos preferem canalizar novas construções em bairros desfavorecidos em vez de deixá-la acontecer onde há demanda de mercado. Se o desenvolvimento de novos prédios é suprimido, a gentrificação rapidamente toma conta do bairro e vai para o próximo em seu caminho.
Se os desejos de habitação não podem ser atendidos em bairros de luxo, os ricos podem e vão superar as pessoas menos abastadas em outros lugares.
Quando pensamos na gentrificação, temos que aceitar o fato de que as pessoas ricas não vão simplesmente evaporar ao proibir a criação de novas habitações para elas. Se os desejos de habitação não podem ser atendidos em bairros de luxo, os ricos podem e vão superar as pessoas menos abastadas em outros lugares.
Tendo isto em mente, existem apenas duas soluções para conter a onda de gentrificação. A primeira solução é uma grande liberalização de potencial construtivo em várias zonas da cidade. Isto é particularmente necessário em locais onde os moradores atuais conseguiram despovoar seus bairros ao longo de várias décadas. A única outra solução é erradicar as pessoas ricas completamente. Isso, espero, não é o que as pessoas têm em mente quando eles declaram guerra de classes.
Como combatê-la
Independente do seu posicionamento ideológico, aqui estão algumas dicas para combater a gentrificação de forma mais eficaz:
• O campo de batalha não está nos bairros que estão se valorizando. Ele está nos bairros mais ricos, onde os residentes lutam para impedir a entrada de mais gente;
• O inimigo não é o gentrificador ou os construtores que tentam atendê-los. São as pessoas ricas que usam sua influência para impedir o desenvolvimento urbano em seus bairros. Quanto mais eles lutam para despovoar bairros desejáveis, mais pessoas restam buscando bairros alternativos;
• O mecanismo de gentrificação não é o desenvolvimento imobiliário. É a limitação do potencial construtivo e outras regulamentações que impedem o desenvolvimento em áreas atualmente desejáveis;
• A razão pela qual as pessoas gentrificam não é para destruir bairros pobres ou étnicos. É provável que elas se tornaram gentrificadoras pois o preço as impediu de morar no bairro que elas desejavam;
• A solução não é lutar contra o desenvolvimento em áreas que passam atualmente por gentrificação. É clamar por uma radical liberalização do potencial construtivo em áreas que já são ricas, e enfrentar grupos de bairro que tentam abusar das regulamentações que os protegem.
Adam Hengels é diretor da PAD Urban Communities, incorporadora focada no desenvolvimento de comunidades para jovens profissionais e em micro apartamentos. Este artigo foi publicado originalmente no site Market Urbanism em 28 de janeiro de 2015.
Foi traduzido por Marcelo Chamarelli e revisado por Anthony Ling com autorização do autor.
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COMENTÁRIOS
” A única outra solução é erradicar as pessoas ricas completamente. Isso, espero, não é o que as pessoas têm em mente quando eles declaram guerra de classes.” Sim, é isso que se espera ao se declarar uma guerra de classes. Mas não é matar as pessoas ricas, mas tirar o poder e a riqueza delas, deixando-as na classe média. Isso deve soar como uma blasfêmia por aqui.
Mexa em bairros como os jardins e volte lá 50 anos depois para ver o estrago. Ao tocar em uma região nobre, histórica e intacta da cidade você está abrindo um rombo na lei, de difícil reparação posterior. Em 50 anos São Paulo seria outra cidade, correndo sério risco de perder o pouco de qualidade urbanística que tem em troca de uma aventura pra lá de arriscada. Mais desejável seria entregar as áreas de mananciais para as construtoras demolirem tudo e construírem bairros mistos nesses locais. Seria uma forma de assegurar a proteção de verdade aos mananciais – coisa que não existe – evitando a gentrificação e mantendo na capital os investimentos que hoje são desperdiçados lá no km 200 da Castelo Branco.
Olá Celso, obrigado pelo comentário!
Meu nome é Anthony, sou editor do Caos Planejado. Algum tempo atrás escrevi um longo artigo especificamente sobre o Jardins, em São Paulo. Segue o link para a sua apreciação: https://caosplanejado.com/jardins-para-poucos-a-luta-da-elite-paulistana-pela-exclusao-da-cidade/
Abraços,