Bairros nunca tiveram o propósito de serem imutáveis
As mudanças nos bairros e nas cidades ao longo dos anos é natural e tentar impor restrições para elas é um equívoco.
Os aplicativos de transporte estão alcançando um novo patamar. Com operação em diversas cidades no mundo, estão criando novas alternativas de mobilidade.
19 de novembro de 2018No final de setembro, a Uber lançou no Brasil o novo serviço Uber Juntos. Na versão anterior, ele permitia que o mesmo motorista transportasse mais de um passageiro simultaneamente, agrupando clientes com rotas semelhantes e cobrando tarifas menores. Com alguns problemas na sua implementação, como a ausência de demanda para que os motoristas efetivamente conseguissem agrupar dois ou três passageiros, o novo formato promete ser mais eficiente: ao invés de buscar e entregar o passageiro exatamente nos endereços solicitados, o sistema escolhe pontos virtuais de parada, exigindo um pouco de caminhada pelo passageiro, mas otimizando significativamente a rota do veículo. O serviço já tinha sido lançado em outras cidades do mundo — nos EUA, com o nome de Uber Express Pool —, apresentando um preço ainda menor que a versão anterior, dada a exigência da caminhada do usuário.
Nesse sentido, o Uber Juntos funciona como um transporte coletivo dinâmico, onde as rotas vão sendo adaptadas para novos usuários. Este modelo, ainda que embrionário e utilizando automóveis convencionais, é a base para um novo serviço de transporte coletivo inteligente, onde rotas mais flexíveis são possibilitadas utilizando veículos menores, com um preço ainda superior ao ônibus, mas significativamente mais barato que um transporte individual.
São vários os exemplos deste tipo de transporte já em operação em diversas cidades no mundo, com algumas diferenças operacionais, como o uso de automóveis ou vans, que aqui no Caos Planejado chamamos de “microtransporte”.
É possível dizer que o primeiro serviço de microtransporte com rotas desenhadas em tempo real foi a operação piloto do serviço Kutsuplus, em Helsinki, Finlândia. Lançado ao público em 2013, o serviço tinha o provimento de tecnologia por uma startup finlandesa e era operado por concessões, embora altamente subsidiado pelo governo finlandês para a experiência piloto. Chegando a apenas 15 veículos, o serviço foi interrompido em 2015, com um relatório técnico positivo da experiência e a intenção de relançar o serviço no futuro através de um operador privado.
A startup israelense Via talvez seja a mais promissora com essa solução atualmente. Com rotas dinâmicas, assim como a Kutsuplus, a empresa opera sob marca própria em Nova York, Chicago e Washington DC. A startup também fornece a sua tecnologia como white label, onde outros operadores podem estampar sua marca com o sistema da Via por trás, em cidades menores como Arlington e Oxford. Na Espanha, a startup Shotl, de Barcelona, também promete um serviço de transporte coletivo sob demanda com rotas totalmente dinâmicas, e anunciou este mês o início das suas operações em Málaga.
A Padam é uma startup francesa que tenta seguir o modelo white label da Via, mas sem operação própria e apenas fornecendo sua tecnologia para terceiros. Serviços de transporte coletivo sob demanda utilizando a tecnologia da Padam já estão em operação em Bristol, e para os subúrbios de Paris e Orleans.
Em maio do ano passado, a Citymapper, startup que busca criar tecnologias para integrar diferentes soluções de transporte, lançou em parceria com a TfL, a Transport for London, o Citymapper Smartbus. Utilizando veículos menores e redesenhados, as vans da Smartbus fazem uma rota fixa na região central de Londres, mas que através de algoritmos inteligentes permitem ajustes dependendo da demanda e horário. Por não permitir rotas verdadeiramente dinâmicas utilizando as vans, a Citymapper agora opera dois serviços em paralelo: vans com rotas fixas e táxis com rotas dinâmicas, servindo múltiplos passageiros ao mesmo tempo. Felizmente os táxis londrinos já possuem um layout que pode acomodar até cinco pessoas, o que já permite um nível interessante de otimização dos veículos.
A Bridj, uma startup que iniciou em Boston e agora opera em Sydney, também opera através de rotas fixas que vão sendo ajustadas ao longo do tempo de acordo com a demanda. Este é o mesmo modelo da Chariot: startup incubada na renomada aceleradora Y Combinator e depois adquirida pela Ford, e que hoje opera em dez cidades estadunidenses e em Londres.
Segundo Adamo Banzani do blog Diario do Transporte, “em São Bernardo do Campo, no ABC Paulista, a operadora de ônibus municipais SBCTrans começa a oferecer vans de luxo em determinadas rotas cujos assentos são reservados por meio de um aplicativo chamado UBus.”
A alternativa se mostra uma solução interessante para países em desenvolvimento que carecem de um sistema de transporte coletivo de qualidade e que, ao mesmo tempo, têm usuários muito sensíveis a preço.
Em Recife, a Mobilicidade vem desenvolvendo o ReBüs, um aplicativo que promete oferecer viagens com rotas dinâmicas, semelhante ao Via, mas com veículos de até 16 lugares, mais apropriados para esta modalidade. O projeto piloto vai operar em uma área restrita do Recife Antigo.
Em Gauteng, um subúrbio ao sul de Johanesburgo, na África do Sul, a startup Aftarobot lançou em 2018 um serviço para otimizar o serviço de vans já existente, permitindo a chamada por aplicativo e a visibilidade das rotas, resolvendo dois problemas que desde sempre prejudicam o modal: a dificuldade de entendimento do sistema para saber onde e quando será o embarque e o desembarque.
Na Cidade do México, a startup Jetty, lançada no ano passado, também está operando com vans de boa qualidade. Segundo o site Vanguardia, a empresa cobra o preço fixo de 49 pesos, cerca de 10 reais, enquanto a mesma viagem de ônibus custa cerca de 5 reais, de Uber Juntos, 17 reais, e de táxi, 30 reais.
O transporte por vans não é exatamente uma novidade. Conhecida no Brasil como “transporte alternativo”, o sistema foi combatido principalmente pelos operadores concessionários de ônibus após o crescimento deste modelo na década de 80 e proibido na grande maioria das cidades. Hoje vemos apenas resquícios deste modelo, como a pequena operação de transporte alternativo no Rio de Janeiro ou as lotações em Porto Alegre.
O Brasil não é o único neste movimento. A Cidade do México está atualmente passando por uma “guerra” contra os “microbuses”, da mesma forma que o Brasil passou na década de 90. Outras cidades não foram tão agressivas. Buenos Aires, por exemplo, decidiu regulamentar o seu sistema de combis, permitindo uma importante forma de transporte flexível e confortável para rotas difíceis nas periferias.
A verdade é que quase todos os países em desenvolvimento apresentam sistemas de vans parecidos que funcionam informalmente e sem esta nova camada tecnológica, desde os colectivos, em Lima, aos matatus, em Nairóbi. No entanto, ao contrário da “guerra” que muitas cidades latino-americanas fizeram contra este modelo, deveríamos abraçá-lo, incorporando à rede de transporte coletivo e, agora, permitindo a adição desta nova camada tecnológica.
Anthony Ling, autor deste artigo, empreendeu uma startup de microtransporte sob demanda chamada Bora de 2013 a 2016. Desde então a empresa não está mais ativa.
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Esses transportes sob demanda estão sendo usados muitas vezes justamente para estes casos. Veículos menores, de operação de menor custo, e traçando rotas de maior capilaridade do que grandes ônibus diminuem o custo de acesso às periferias.
Excelente reflexão! Eu apenas fico me perguntando: como moradores de áreas mais periféricas, ou até de áreas não tão densas, poderiam utilizar o transporte público de maneira que não ficasse caro para estes? Atualmente, por meio das concessões, uma linha lucrativa subsidia uma linha não lucrativa (geralmente as que vão para áreas rurais). Com o transporte sob demanda, como isso poderia ser contornado?