Bairros nunca tiveram o propósito de serem imutáveis
As mudanças nos bairros e nas cidades ao longo dos anos é natural e tentar impor restrições para elas é um equívoco.
E qual a diferença do custo de implementação de projetos ferroviários em diferentes cidades do mundo?
8 de fevereiro de 2021“Quanto custa uma linha de metrô?” é uma pergunta feita com frequência quando se discute soluções ferroviárias de alta capacidade para cidades brasileiras. No entanto, o custo da implementação de projetos ferroviários varia enormemente em diferentes geografias globais.
Por exemplo: uma linha ferroviária em Nova York custa cerca de vinte vezes mais por quilômetro que uma linha em Seul, chegando ao orçamento de U$6,4 bilhões para um trecho de apenas 2,6 quilômetros na segunda fase do metrô Second Ave., ao norte da ilha de Manhattan.
A questão geográfica, ou mesmo da alta densidade construída da metrópole americana, são respostas insuficientes para justificar tamanha disparidade em custos de construção.
Essa foi a pergunta feita pelo matemático Alon Levy, autor do blog Pedestrian Observations, que começou a pesquisar o assunto de forma independente há quase uma década. Recentemente seu trabalho se tornou tão relevante que ele se juntou ao Marron Institute, da Universidade de Nova York, para lançar o projeto Transit Costs, ou “Custos de Transporte de Massa”, que já mapeou obras de infraestrutura ferroviária em mais de 50 países em um total de mais de 11 mil quilômetros de linhas ferroviárias construídas desde o final da década de 1990.
No final do ano passado, Alon, junto a dois outros pesquisadores do projeto, Eric Goldwyn e Elif Ensari, participaram de um evento online onde, além de descrever mais sobre o projeto Transit Costs, relataram sobre o caso da extensão da Green Line em Boston, o primeiro estudo de caso de um projeto específico.
O caso de Boston foi escolhido para investigar por que o projeto estourou tanto a partir do orçamento inicial, que saiu de U$ 1 bilhão para U$3 bilhões em um período de três anos de discussões e revisões.
A proporção foi tamanha que depois de investirem U$700 milhões apenas em fase de projeto, foi decidido abandoná-lo por um novo projeto mais viável. Após dezenas de entrevistas, os pesquisadores concluem que, diferente das respostas usuais que envolvem a engenharia necessária para a execução de um projeto de infraestrutura ferroviária, fatores como política, design e gerenciamento e execução do projeto foram as três principais forças que determinaram o aumento de custos da Green Line.
Em termos de política, o orçamento da Green Line evoluiu para atender exigências de políticos e tanto defensores como detratores ao projeto, invariavelmente aumentando o seu escopo ou as dificuldades na sua implementação.
No design, o case focou nas estações da Green Line que, ao longo do período de revisões, foram de coberturas singelas para proteger os passageiros das intempéries a edificações suntuosas cujo objetivo não é mais permitir a acessibilidade ao meio de transporte mas valorizar a região.
Para a execução do projeto, se exigia horários específicos e restritos para a obra e o mínimo de interferência possível no fluxo normal de tráfego viário, que diminuía tremendamente a produtividade.
As forças levantadas pelos pesquisadores no case da Green Line não pretendem ser respostas absolutas para a pergunta de por que algumas obras são muito mais caras que outras, mas tentam identificar alguns dos fatores para uma geografia específica para começo de conversa.
Elif Esnari, pesquisadora de Istambul, deu no evento algumas dicas de por que a construção de linhas de metrô na capital turca são tão baratas em comparação à mediana global, mesmo sendo uma cidade extremamente desafiadora do ponto de vista geográfico: é dividida por corpos d’água, é repleta de construções históricas protegidas pelo patrimônio, tem alta densidade construtiva e ainda sofre com terremotos.
Mesmo assim, a construção é extremamente rápida, levando em torno de um mês para completar um quilômetro de linha de metrô.
Esnari explica que os projetos em Istambul são geridos pela agência metropolitana, que ganhou muita experiência ao longo dos anos gerindo projetos de metrô. Isso significa que os projetos das extensões ferroviárias vão para leilão de concessões já bastante evoluídos e utilizando BIM (Building Information Modeling), ao passo que, anteriormente, com versões muito preliminares, o custo acabava sendo maior e mais incerto.
A ampla expansão da rede de Istambul e a competitividade global oferecida pela cidade também significa que é comum receber propostas de seis empresas diferentes para uma determinada linha, não sendo raro a presença de mais de 10 empresas na concorrência.
Os contratos firmados possuem flexibilidade no sentido de que as obras podem iniciar rapidamente após a assinatura e inovações na execução podem ser implementadas ao longo do processo, reduzindo custos. Eles também são desenhados de forma que pode até ocorrer aumentos contratuais, mas, se o aumento for maior que 20%, ele precisa ser aprovado por um comitê específico, que raramente é acionado para a tarefa.
No quesito execução, as equipes são permitidas a trabalharem dia e noite, evitando paradas e aumentando a eficiência da obra. A sofisticação nas contratações e a viabilidade econômica dos projetos permite que a cidade de Istambul não utilize recursos federais para os projetos municipais de infraestrutura ferroviária, sendo a sua maioria financiado por empréstimos internacionais e, recentemente, tendo emitido títulos municipais para financiar expansões da rede.
Poucas cidades brasileiras façam parte do projeto Transit Costs, até porque, infelizmente, as expansões de redes de metrô nas últimas duas décadas no Brasil foram tímidas: enquanto a base de dados mostra 60 quilômetros de expansão das redes de Salvador e São Paulo (faltando, por exemplo, os 16 quilômetros da Linha 4 do Rio de Janeiro), o levantamento mostra 6.644 quilômetros de cidades chinesas, que dominaram a construção ferroviária mundial das últimas décadas.
É interessante notar que, diferente do que muitos imaginam, os custos de construção de redes de infraestrutura ferroviária no Brasil, ajustados ao poder de compra, não são muito mais caros que a média global. Muito se fala na eficiência chinesa na construção de linhas de metrô, mas Alon explica em uma outra apresentação que os custos de construção na China se assemelham mais à França e à Alemanha, e muitas das linhas de Shenzhen, por exemplo, tiveram custos parecidos com linhas brasileiras recentes.
A Linha 4 do Rio de Janeiro, por exemplo, teve custo e extensão semelhante à Linha 6 de São Paulo, de aproximadamente R$10 bilhões para a construção de 16 quilômetros de linha. Ao converter o valor para dólares, mesmo na cotação no período da construção, as expansões ferroviárias brasileiras apresentam um custo menor tanto de países desenvolvidos como Estados Unidos, Inglaterra e Alemanha, assim como de países como Egito e Filipinas e parecido com a da “vizinha” Lima, no Peru.
Os custos relacionados à corrupção que são frequentemente citados por aqui não apenas parecem ser pouco relevantes mas também existe em outros países. É curioso saber que a explicação usual (e equivocada) pelos altos custos na construção de metrôs em Taiwan, em 28º lugar no ranking de percepção de corrupção da Transparency International (o Brazil fica em 94º), também é a corrupção.
O projeto Transit Costs nos ajuda a ter uma visão mais ampla e comparativa em relação aos custos de expansões ferroviárias pelo mundo. Infelizmente não está previsto no estudo um estudo de caso específico para o Brasil.
Mesmo assim, seria interessante ter uma visão mais detalhada das principais composições do custo de expansões ferroviárias no Brasil, dado que as narrativas usuais normalmente não se sustentam. Grandes cidades brasileiras como São Paulo e Rio de Janeiro tem malhas metroviárias muito aquém do que deveriam, e a diminuição do custo por quilômetro certamente facilitaria a expansão destas redes no futuro.
Errata: Na primeira versão publicada deste artigo as expansões ferroviárias brasileiras foram descritas como abaixo da mediana global. No entanto, o banco de dados do projeto Transit Costs considera custos ajustados ao poder de compra, elevando estes custos no Brasil para acima da mediana global.
Somos um projeto sem fins lucrativos com o objetivo de trazer o debate qualificado sobre urbanismo e cidades para um público abrangente. Assim, acreditamos que todo conteúdo que produzimos deve ser gratuito e acessível para todos.
Em um momento de crise para publicações que priorizam a qualidade da informação, contamos com a sua ajuda para continuar produzindo conteúdos independentes, livres de vieses políticos ou interesses comerciais.
Gosta do nosso trabalho? Seja um apoiador do Caos Planejado e nos ajude a levar este debate a um número ainda maior de pessoas e a promover cidades mais acessíveis, humanas, diversas e dinâmicas.
Quero apoiarAs mudanças nos bairros e nas cidades ao longo dos anos é natural e tentar impor restrições para elas é um equívoco.
Com o objetivo de impulsionar a revitalização do centro, o governo de São Paulo anunciou a transferência da sua sede do Morumbi para Campos Elíseos. Apesar de ter pontos positivos, a ideia apresenta equívocos.
Confira nossa conversa com Diogo Lemos sobre segurança viária e motocicletas.
Ricky Ribeiro, fundador do Mobilize Brasil, descreve sua aventura para percorrer 1 km e chegar até a seção eleitoral: postes, falta de rampas, calçadas estreitas, entulhos...
Conhecida por seu inovador sistema de transportes, Curitiba apresenta hoje dados que não refletem essa reputação. Neste artigo, procuramos entender o porquê.
No programa Street for Kids, várias cidades ao redor do mundo implementaram projetos de intervenção para tornar ruas mais seguras e convidativas para as crianças.
Algumas medidas que têm como objetivo a “proteção” do pedestre na verdade desincentivam esse modal e o torna mais hostil na cidade.
A Roma Antiga já possuía maneiras de combater o efeito de ilha de calor urbana. Com a mudança climática elevando as temperaturas globais, será que urbanistas podem aplicar alguma dessas lições às cidades hoje?
Joinville tem se destacado, há décadas, por um alto uso das bicicletas nos deslocamentos da população.
A menos de cinquenta anos atrás, uma dúzia de bons trabalhadores, faziam trechos de quilômetro de trilhos, a baixíssimos custos e em tempos menores do que ocorre hoje, com toda a tecnologia e a parafernalha de “controladores, fiscais e pais de projetos” atuantes sobre estas obras faraônicas.
Mais. sem qualquer tipo de tecnologia, entre 1906 e 1910, foi construido o trecho entre as cidades de Montenegro, região metropolitana de Porto alegre, com altitude de 38m, cuja estação é tombada pelo IPHAE e Caxias do Sul, na região serrana do RS. Com mais de 100k de trilhos construidos em terreno geograficamente acidentado da serra gaúcha, que é predominante, entre estas duas cidades. Chegando em Caxias do Sul, é contabilizada uma subida de quase 800m.
Recomendaria estudos, também, sobre os verdadeiros custos destas construções contemporâneas, que se mostram com valores incompatíveis com a realidade.