Por que Uber e Lyft apoiam a taxa de congestionamento?
Imagem: ASSY/Pixabay.

Por que Uber e Lyft apoiam a taxa de congestionamento?

Pode não ser imediatamente óbvio o porquê dessas duas companhias apoiarem a taxa de congestionamento, já que elas seriam as duas maiores pagadoras.

6 de junho de 2019

Em um novo estudo sobre o crescimento do congestionamento na cidade de Nova York, Bruce Schaller atribuiu a lentidão do trânsito ao número crescente de veículos do Uber e Lyft nas ruas. Considerando as características econômicas do negócio e a concentração de passageiros em áreas urbanas densas (além do incentivo da tarifa dinâmica), os motoristas de aplicativo têm fortes incentivos para dirigir em horários de pico nos centros das cidades. A única solução viável para combater esse cenário, de acordo com Schaller, é implementar alguma taxa de congestionamento:

“Se o crescimento das empresas de transporte compartilhado continuar no mesmo ritmo (e não há nenhum sinal de que vá diminuir), cada vez mais se tornará evidente a necessidade de alguma taxa de congestionamento. Inovações tecnológicas têm criado novas opções para o design e a implementação de um sistema de taxa de congestionamento que otimize o uso do espaço escasso nos horários e nas vias onde veículos adicionais contribuem mais para a lentidão do trânsito. Há portanto oportunidades práticas para os responsáveis redesenharem, testarem e conquistarem aceitação pública de um plano de tarifa cuidadosamente direcionado a reduzir o congestionamento desnecessário.”

Tenho diagnosticado o congestionamento como resultado da incapacidade de confrontar os usuários, especialmente motoristas sozinhos no carro em horário de pico, com qualquer coisa próxima do custo do uso da via. Os preços são muito baixos e a demanda sobrecarrega a capacidade limitada. Quando nós precificamos a capacidade da via, nós descobrimos que o congestionamento em horário de pico desaparece, e que nossa infraestrutura é mais do que suficiente para acomodar a demanda de viajantes que estão dispostos a pagar um valor financeiro modesto pelo uso da via. Imagino que, na falta de uma taxa de congestionamento, as frotas de veículos de aplicativo irão agravar esse problema. E é provável que alcance proporções alarmantes quando carros autônomos diminuírem ainda mais os custos. Penso que estamos nos aproximando rapidamente de um ponto de inflexão que irá exigir uma mudança brusca na maneira que pagamos pelas estradas.

É surpreendente ler o comunicado oficial do Uber em apoio à taxa de congestionamento. O diretor de políticas de transporte da companhia, Andrew Salzburg, escreveu uma coluna curta e direta intitulada “Road Pricing the Solution to Gridlock”.

“Para enfrentar o núcleo dessa questão, o custo de dirigir precisa refletir o seu custo para as nossas cidades. Está se tornando cada vez mais claro que a maneira mais eficiente de gerir os veículos na estrada é através da precificação. Cobrando uma taxa de todos os veículos (motoristas privados, veículos de entrega, táxis e serviços como Uber), a taxa de congestionamento cria um incentivo para que todos compartilhem o espaço de maneira mais eficiente.”

O apoio de Salzburg vem não muito depois dos fundadores da Lyft, John Zimmer e Logan Green, publicarem o artigo “The End of Traffic”, também abordando a taxa de congestionamento, sob o termo mais gentil de “faixas inteligentes”:

“As faixas inteligentes vão pressionar todas as viagens, sendo ativadas durante horários de pico, retornando às faixas regulares (ou “burras”) fora dos horários de pico. As faixas inteligentes serão 100% gratuitas para qualquer veículo com três ou mais pessoas, e terão um preço dentro do mercado para veículos com menos de três pessoas.”

Pode não ser imediatamente óbvio o porquê dessas duas companhias apoiarem a taxa de congestionamento. Elas seriam imediatamente as duas maiores pagadoras, especialmente se as taxas variarem pelo horário e pela localização (como deveria ser). Essas empresas servem as localizações mais congestionadas nos horários mais congestionados, e acabariam pagando muito. Mas a Uber e a Lyft reconhecem que estradas não precificadas não são realmente gratuitas, e que o racionamento da capacidade da via pelo engarrafamento ao invés dos preços vai custar a eles (e a todo mundo) muito dinheiro.


Pode não ser imediatamente óbvio o porquê dessas duas companhias apoiarem a taxa de congestionamento. Elas seriam imediatamente as duas maiores pagadoras, especialmente se as taxas variarem pelo horário e pela localização (como deveria ser).


Eu suspeito que há pelo menos três motivos pelos quais as empresas de transporte compartilhado podem estar de acordo com isso:

Primeiro, podem estar sendo genuinamente altruístas. Eles reconhecem que a taxa irá conter o congestionamento e prover melhores tempos de viagem para todos. Se os mercados de transporte urbano ficarem saturados e as viagens de carro se tornarem mais lentas, o crescimento da demanda e da rentabilidade da indústria poderia ser minado. Menos congestionamento seria melhor para os negócios.

Segundo, eles podem estar tentando se antecipar e evitar um sistema onde as empresas são sobrecarregadas por taxas e os demais usuários das estradas não. Como o relatório de Schaller esclarece, é tentador culpar as empresas de transporte compartilhado como as únicas ou maiores causadoras do crescente congestionamento. Embora isso não seja inteiramente justo — todo o veículo na estrada em horário de pico contribui para o congestionamento — as empresas poderiam facilmente ser tomadas como vilãs e acabarem pagando a conta. O fato de que seus veículos já são supervisionados e, em muitos casos, obrigados a compartilhar dados com as prefeituras, os tornariam alvo fácil para multas e taxas (muitas prefeituras já acrescentam várias taxas sobre essas empresas, como fazem com os taxistas). Em um mundo onde empresas de transporte compartilhado pagam taxas pelo uso das estradas e donos de automóveis privados não, elas teriam uma desvantagem significativa na competitividade.

Terceiro, quanto mais nos aproximamos dos preços marginais para todas as viagens de carro, mais forte é o argumento para pessoas não possuírem carros e recorrerem a uma diversidade de opções modais otimizadas para cada viagem: deslocamentos diários em sua maioria via transporte coletivo ou bicicleta, e outros deslocamentos feitos através de aplicativos de transporte. A absorção de empresas de transporte compartilhado é maior em cidades com preços de estacionamento mais altos por tornarem a posse e uso do carro privado relativamente menos atraente do que usar Uber ou Lyft quando você precisa. A taxa de congestionamento reforçaria esse cálculo e aumentaria o mercado para as empresas.

Mesmo com o declínio na demanda de táxis (2013–2016), o volume total de passageiro
neste segmento de transporte (táxis e viagens individuais por aplicativo) aumentou em 52 milhões. (Imagem: Can Pac Swire/Flickr)

Como explicado pelo congressista Earl Blumenauer, o fim da taxa de combustível como meio viável de financiar as estradas agora está claramente visível. Os carros autônomos e a eletrificação são cada vez mais iminentes.

“Com veículos mais eficientes e sem emissões, o modelo atual de financiamento do transporte irá cair. Todos os veículos autônomos entrando em funcionamento serão elétricos. Isso vai apressar a espiral da morte de como nós financiamos o transporte.”

O resultado é que nós encaramos, pela primeira vez no século, um ponto de inflexão para repensar o sistema de financiamento de estradas. Se nós fizermos isso de um jeito que se aproxime mais de ajustar os preços — e isso inclui especificamente a taxa de congestionamento em horário de pico —, nós poderíamos potencialmente fazer grandes melhorias no transporte urbano.

Talvez essas duas empresas tão disruptivas para o transporte urbano tenham colocado seu dedo na próxima grande quebra. Uber e Lyft estão à bordo para a taxa de congestionamento. Eu ouvi um “Amém!”, Waymo?

Texto publicado originalmente em City Observatory em 12 de abril de 2017. Traduzido para o português por João Neves, com revisão de Anthony Ling e Gabriel Lohmann.

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