Ordem sem Design: um novo guia para o planejamento urbano

Ordem sem Design: um novo guia para o planejamento urbano

Em seu novo livro, Alain Bertaud traz lógica econômica e análises quantitativas para orientar o processo de tomada de decisão do planejamento urbano.

3 de dezembro de 2018

“Este livro [Ordem sem Design] é um ataque aos fundamentos do planejamento urbano e da reurbanização ora vigentes.” Foi assim que Jane Jacobs abriu seu clássico de 1961, “Morte e Vida de Grandes Cidades”. Esta também seria uma abertura apropriada para “Ordem sem Design” de Alain Bertaud.

Enquanto Jacobs era uma observadora de como as cidades funcionam, contribuindo para novos conceitos em economia urbana, Bertaud vai um passo além. Ordem sem Design traz lógica econômica e análises quantitativas para orientar o processo de tomada de decisão do planejamento urbano, enriquecido por seus 55 anos de experiência como urbanista global. Sua conclusão? A prática do planejamento urbano ignora os efeitos econômicos de suas decisões e, eventualmente, cria consequências não intencionais para o desenvolvimento urbano. Seu objetivo com este livro é trazer a economia como uma ferramenta importante para o urbanismo e aproximar os economistas do desafio prático de trabalhar com as cidades.

Talvez você ainda não tenha ouvido falar de Alain Bertaud: no momento em que escrevo este artigo, ele tem apenas alguns trabalhos publicados on-line, sem página na Wikipedia ou perfil no Twitter, e algumas palestras no YouTube – nada parecido com uma palestra no TED. A razão é que, em vez de investir na construção de uma figura pública, Bertaud estava em ação, ajudando cidades de todos os continentes a enfrentar seus problemas de desenvolvimento urbano. Sua tremenda experiência faz deste um livro de economia urbana surpreendentemente estimulante. Bertaud, por exemplo, apresenta uma foto sua de 1970, quando estava traçando novas ruas no Iêmen usando Land Rover e com a ajuda de dois assistentes locais, que aparentam ter no máximo 12 anos de idade. A representação de um Indiana Jones do planejamento urbano da vida real.

ordem sem design
O autor, com seus dois assistentes, traçando novas ruas no Iêmen, 1970.

Neste livro, as principais palavras-chave do planejamento urbano atual, como Desenvolvimento Orientado ao Transporte Sustentável, Zoneamento Inclusivo, Cidades Compactas e Limites de Crescimento Urbano, são desafiadas por análises econômicas baseadas em observações empíricas sobre como as cidades funcionam na vida real, ainda que contrariem as pretensões dos urbanistas com seus projetos.

Mencionando com frequência os efeitos inevitáveis ​​da oferta e da demanda, Bertaud lembra que economias centralizadas — como a URSS ou a China — falharam há muitos anos e adotaram mercados para a alocação de recursos, o que, por alguma razão, tem sido ignorado pelo campo do planejamento urbano. “Planejar o uso futuro da terra, ignorando seu valor previsível baseado na localização, não faz mais sentido do que tentar ignorar a gravidade ao projetar um avião” é uma de suas muitas afirmações nessa direção.

Segundo Bertaud, mercados são eficientes na produção e alocação de prédios privados, como habitação e imóveis comerciais. Da regulação de padrões mínimos de construção a “masterplans” para o crescimento urbano, a tentativa de projetar uma cidade não é apenas fútil, mas também traz as piores consequências para os pobres. Com masterplans ultrapassados, revisados ​​apenas a cada 10 anos com bancos de dados antigos, planejadores urbanos devem se tornar gerentes de cidades que rastreiam indicadores urbanos diariamente, como preços e quantidades de habitação, densidade populacional e velocidade de diferentes modos de transporte. O papel dos planejadores deve então ser “limitado a determinar a preferência nas vias e projetar sistemas de transporte que sirvam à forma e às densidades criadas pelos mercados”.

Como apontado por autores como Sanford Ikeda e Nolan Gray, o trabalho de Jane Jacobs, incluindo “Morte e Vida de Grandes Cidades”, foi, principalmente, uma descrição da ordem emergente das cidades, e talvez um prelúdio ao novo livro de Bertaud. Infelizmente, os atuais urbanistas interpretaram “Morte e Vida” como um manual de projeto: por exemplo, Jacobs disse ver os edifícios de renda mista como favoráveis à vida urbana, e hoje nos deparamos com regulamentações obrigando ou incentivando edifícios de renda mista. Graças a seu trabalho, muitos planejadores hoje pararam de criar um zoneamento restrito a uso comercial ou residencial, ou de defender o controle do aluguel, mas adotaram regulamentações “mais leves”, embora ainda prejudiciais, sobre “uso misto” ou “zoneamento inclusivo”. “Ordem sem Design” torna mais clara e defensável a ordem emergente das cidades, e espero que nos próximos cinquenta anos se mostrará tão relevante quanto se tornou “Morte e Vida de Grandes Cidades” desde seu lançamento até hoje.

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