O urbanismo de Le Corbusier ou por que vivemos todos distantes
Imagem: Ari Braginsky/Flickr.

O urbanismo de Le Corbusier ou por que vivemos todos distantes

Le Corbusier propôs uma cidade em que a velocidade e o veículo particular nos ajudariam a superar grandes distâncias.

27 de março de 2023

“Uma cidade construída para a velocidade é uma cidade construída para o sucesso.” Esta frase, atribuída a Le Corbusier, um dos mais influentes urbanistas do século XX, condensa um dos mais importantes processos sociais vividos naquele período.

A mobilidade é um aspecto central na configuração do tecido social. Para o professor de Sociologia da Universidade de Sevilha Eduardo Bericat, toda forma de sociedade implica um sistema de mobilidade. Portanto, suas transformações supõem mudanças antropológicas de enorme importância.

O autor categorizou a era atual como o sedentarismo nômade. A maioria das pessoas vive em casas fixas, características de um estilo de vida sedentário. Mas nossas vidas estão em constante movimento. Não é uma questão exclusivamente de quantidade, mas também de tempo e distância. É aqui que entram os avanços tecnológicos e, especificamente, o carro.

Sua generalização permitiu algo anômalo na história da humanidade: percorrer grandes distâncias em pouquíssimo tempo. Isso amplia notavelmente nosso espaço de vida. Podemos estar em uma infinidade de lugares em um único dia — lugares radicalmente diferentes uns dos outros —, o que significa que o número de interações sociais que temos diariamente se multiplica. Mas também, que, necessariamente, a maioria delas são efêmeras. Justamente para Bericat, o sedentarismo nômade se baseia na sociabilidade efêmera.

A velocidade e as distâncias

E isso é consequência da velocidade, aquilo que Le Corbusier associava ao sucesso. Este foi o sinal de seu tempo. Mais e mais pessoas viviam em cidades e elas estavam ficando maiores. Percorrer a sua crescente extensão exigia algumas infraestruturas, sobretudo rodoviárias. A cidade era obsoleta. Seu traçado irregular e ruas estreitas não eram funcionais, tiveram que se adaptar à velocidade. O Plano Voisin de 1925 se encaixa nessa estrutura cultural.

Plan Voisin para Paris de Le Corbusier
Maquete do Plan Voisin para Paris de Le Corbusier exposta no Pavilhão do Nouveau Esprit (1925). (Imagem: Siefkin DR)

O objetivo deste projeto urbano era destruir o centro de Paris para substituí-lo pelos edifícios vistos na imagem. O nome vem da Gabriel Voisin, fabricante de veículos e aeronaves que patrocinou o projeto. A malha urbana era composta por torres em forma de cruz e, como se vê, era perfeita para a circulação de veículos particulares: retilínea e com amplos vãos entre os prédios para construir ruas suficientemente largas.

Barcelona também teve um projeto semelhante, o Plan Macià, de 1934, do qual Le Corbusier participou diretamente. Seu nome deve-se a Francesc Macìa, então presidente da Generalitat, o que mostra a importância que lhe foi dada na época.

Nenhum dos dois planos foi finalmente realizado. No entanto, as ideias que os moldaram continuaram a ter sucesso até hoje.

As autopistas nos EUA

A construção de rodovias urbanas nos Estados Unidos é um bom exemplo disso. De acordo com o Departamento de Transporte dos EUA, de 1957 a 1977, mais de um milhão de pessoas foram deslocadas de suas casas por esse motivo. A maioria das rodovias corta bairros de população negra, dividindo-os em dois e acabando com grande parte de seu comércio, com profundas consequências negativas também para seu tecido social.

O objetivo dessas rodovias era justamente ligar os subúrbios que então proliferavam no país. Em muitas ocasiões, esses bairros excluíam a população negra, fomentando a segregação racial de fato. É o que foi classificado como “a fuga dos brancos”.

Na realidade, a teoria do sedentarismo nômade estava sendo colocada em prática. Bairros com intensa vida social e comunitária foram sacrificados em nome da velocidade, necessária para se deslocar entre centros urbanos cada vez mais dispersos e com uma vida cada vez mais individualista. Para esta última contribuiu a malha urbana dos subúrbios, de baixa densidade e composta por longas fileiras de casas unifamiliares.

As ideias de Jacobs frente a Moses

A famosa luta entre Jane Jacobs e Robert Moses encarna perfeitamente os conflitos gerados pelas mudanças sociais decorrentes desse novo paradigma de mobilidade.

Jacobs, uma ativista e uma das urbanistas mais influentes do século passado, junto com sua vizinhança, se opôs à construção de uma rodovia que cruzaria seu bairro em Manhattan: o Greenwich Village. Essa construção havia sido planejada por Moses, um alto funcionário do estado de Nova York com grande poder em obras públicas, em 1955. A rodovia não foi construída graças à luta dos vizinhos, embora muitas outras tenham sido.

Lower Manhattan
Mapa da rodovia que cruzava o Lower Manhattan (Lower Manhattan Expressway), segundo as ideias de Moses. (Imagem: Library of Congress)

Jacobs, como intelectual, defendia uma cidade complexa e diversa em que os usos da terra fossem mistos. Propôs que moradia, comércio e trabalho compartilhem espaço nos bairros, que haja densidade suficiente para que a vida social emerja no espaço público, essencial para o desenvolvimento da sociabilidade comunitária.

Este foi o motor ideológico de sua luta contra Moisés — claro, também para evitar a destruição do Village. Ela tinha a firme convicção de que a cidade construída em torno do carro acabaria com tudo.

O presente está distante, e o futuro?

Por outro lado, as ideias que mais se impuseram em todo o mundo — em retroalimentação com as transformações tecnológicas no campo dos transportes — foram as de pessoas como Le Corbusier ou Moses. As cidades que surgiram deles durante o século XX foram projetadas em torno da velocidade das viagens e, portanto, para o veículo particular. Mas seu próprio design o tornava cada vez mais necessário em um ciclo infinito de feedback. Cidades cada vez menos densas e mais dispersas, divididas por zonas segundo a sua função, com casas, trabalho e lazer cada vez mais distantes.

Dubai
Dubai. (Imagem: David Rodrigo / Unsplash)

Já em meados do século 21, é possível que o pêndulo da mobilidade esteja voltando? Há cada vez mais vozes que apelam a orientar as cidades para a mobilidade local. Que podemos satisfazer nossas necessidades vitais em nosso ambiente imediato. A urgência das mudanças climáticas exige isso, já que o veículo particular é um grande emissor de gases de efeito estufa.

Mas essa reivindicação também surge do impulso social para recuperar os laços comunitários, o cuidado, o apoio mútuo. Aquilo que o individualismo do estilo de vida sedentário nômade vem enfraquecendo há décadas.

Publicado originalmente em The Conversation em março de 2023.

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  • Excelente matéria.Sempre atual pois coloca o contraste do Século XX,com o Século XXI.Onde o ordenamento jurídico,dos Planos Diretores,fica em defasagem e ou conflito,com as demandas sociais urgentes.Fico grato pelo envio.Gostaria de seguir recebendo.Por E-Mail.Se for viável aos editores.Att.Arq.Urb.William Cunha Pupe.CAU/RS.A10912-6.

  • Reflexão séria sobre a questão de mobilidade urbana., em especial sobre as grandes cidades como Sao Paulo, no Brasil, e em todas as demais metropoles no mundo.
    É o resultado do desenvolvimento humano e tecnológico que, como todas as grandes alterações , trazem benefícios, mas também significativos prejuízos .
    O importante é a criação de projetos que alavanquem esses avanços, mas busquem amenizar os possíveis malefícios resultantes.