O que podemos aprender com a iniciativa de ruas abertas de Bogotá
Foto: Carlos Pardo

O que podemos aprender com a iniciativa de ruas abertas de Bogotá

Dezembro de 2024 marcou os 50 anos da Ciclovía, o experimento de Bogotá que abriu suas ruas para pedestres e ciclistas. Todos os domingos, mais de 100 km de vias da cidade ficam livres de carros, trazendo benefícios à saúde pública e aproximando as comunidades.

9 de junho de 2025

A habitabilidade é a chave para a qualidade de vida urbana quando olhamos para o futuro. E não precisamos olhar tão longe para esse futuro para perceber como isso se manifesta nas ruas.

No domingo, 15 de dezembro de 1974, um grupo de moradores em Bogotá, na Colômbia, realizou um experimento: fecharam 5 km de uma importante via da cidade para os carros por algumas horas. Nascia ali a Ciclovía, também conhecida como “Ruas Abertas”. Desde então, o programa se tornou uma referência, inspirando mais de 400 cidades a replicarem iniciativas semelhantes.

O conceito é simples, embora difícil de implementar em cidades centradas no automóvel: criar, de forma temporária, mais de 100 km de ruas livres de carros todos os domingos e feriados em uma cidade com quase 9 milhões de habitantes — dos quais 2 milhões participam da Ciclovía semanalmente.

À medida que nos aproximamos do 50º aniversário da Ciclovía, é hora não apenas de celebrar, mas também de refletir sobre as lições aprendidas nesse meio século. O movimento repensou o modo de viver a cidade e, nos próximos 50 anos, pode desempenhar um papel fundamental no enfrentamento da crise climática e de outros desafios globais.

A Ciclovía é como ter acesso a um laboratório vivo: é uma oportunidade de estudar como uma cidade do Sul Global com desafios significativos teve sucesso ao criar um ambiente livre de carros, mesmo que apenas por algumas horas por semana. A questão agora é como transformar os componentes desse experimento bem-sucedido em mudanças permanentes.

Leia mais: A integração do transporte público na acessibilidade de Bogotá

Aqui estão três lições dos últimos 50 anos que podem inspirar transformações em outras cidades ao redor do mundo:

1) A transição para uma mobilidade menos centrada no carro é possível

Como muitas grandes cidades, Bogotá enfrenta sérios problemas de trânsito. No entanto, todos os domingos a cidade se transforma em uma rede de rotas livres de carros, onde pedestres e ciclistas, seguidos pelo transporte público, são a prioridade. Veículos privados ainda podem circular, mas por rotas restritas. Isso incentiva as pessoas a evitarem o uso do carro a menos que ele seja realmente necessário.

Vivenciar a cidade de bicicleta ou a pé é transformador, e moradores relatam que a Ciclovía semanal os motivou a começar a pedalar para o trabalho ou escola durante a semana. O programa também impulsionou a construção de infraestruturas voltadas para o uso diário da bicicleta, resultando em uma das redes cicloviárias mais amplas da América Latina.

Embora ainda haja muito a ser feito para alcançar uma mudança massiva para o uso da bicicleta como principal meio de transporte, ela posicionou Bogotá como uma líder global em mobilidade ativa. À medida que o programa continua a evoluir, surge uma grande oportunidade de explorar novas formas de expandir a cultura da bicicleta, reduzir emissões e apontar caminhos para outras cidades, especialmente no Sul Global, que enfrentam desafios semelhantes.

Criar cidades livres de carros pode parecer utópico, mas está cada vez mais claro que avançar nessa direção é essencial para tornar as cidades mais habitáveis, maximizando o aproveitamento do espaço, as amenidades e os recursos de forma eficiente. Desde medidas como taxas de congestionamento e estabelecimento de zonas de baixas emissões até a revisão do desenho urbano, as cidades continuarão buscando estratégias que nos ajudem a reduzir a dependência do carro.

2) O espaço público pode promover cidades e cidadãos mais saudáveis

A Ciclovía é gerida pelo Departamento de Esportes e Recreação da cidade, e seu impacto positivo na saúde pública está bem documentado. Para além da bicicleta, caminhada e corrida, a cidade oferece um programa recreativo com atividades gratuitas para todos ao longo de toda a rota. Ao utilizar ruas, parques e outros espaços públicos, Bogotá demonstra como é possível promover estilos de vida saudáveis.

Além de incentivar o bem-estar físico e mental — oferecendo uma válvula de escape para pessoas que vivem confinadas em apartamentos pequenos ou têm receio de sair às ruas devido à criminalidade e outras preocupações —, a Ciclovía oferece um retrato ideal de uma cidade saudável.

De fato, por algumas horas a cidade se livra da poluição do ar, do ruído, do trânsito e da ameaça constante de acidentes — um desafio relevante em Bogotá e em todo o mundo.

Cidades com os piores congestionamentos. (Os números representam a quantidade adicional de tempo dos deslocamentos devido ao congestionamento, sendo 0% um cenário de tráfego livre.)

3) As ruas podem conectar pessoas e construir uma cidade mais coesa

Um dos maiores desafios (muitas vezes surpreendente para quem vive no Norte Global) é a questão da segurança, que pode limitar significativamente os esforços para melhorar a vida urbana. O medo da violência molda decisões cotidianas. Pessoas podem ter receio de pedalar ou usar o transporte público, por exemplo.

Leia mais: Bogotá: das guerras aos caminhos para a solução

É claro que retirar os carros das ruas, por si só, não resolve essa questão. No entanto, as ruas abertas de Bogotá demonstraram que a presença de mais pessoas nas ruas cria uma sensação de segurança e de espaço compartilhado. Há evidências de um aumento na sensação de segurança, e o fato de moradores de diferentes regiões da cidade circularem livremente por novos territórios é um indicativo do ambiente de confiança que se estabelece, propício para uma exploração que normalmente não seria possível.

As raízes da degradação social que gera criminalidade, violência, desconfiança e antagonismo não serão solucionadas da noite para o dia. Mas criar oportunidades onde as pessoas possam interagir e dividir o espaço livremente e de forma segura é uma forma poderosa de construir novas narrativas e fortalecer a coesão social.

Além das ruas abertas e livres de carros, a Ciclovía também oferece uma plataforma para a expressão cultural. Foto: Carlos Pardo

À medida que nossas cidades elaboram planos e investem para se tornarem mais resilientes, Bogotá oferece um exemplo de solução prática e de baixa complexidade tecnológica que aproveita os ativos já existentes, envolve a comunidade e demonstra que cidades menos dependentes do carro não apenas são viáveis como também mais agradáveis e benéficas para todos.

Artigo publicado originalmente em The City Fix e WEForum.org, em dezembro de 2024.

Iniciativas como a Ciclovía de Bogotá mostram que precisamos de um novo olhar sobre a mobilidade, repensando o modelo de planejamento urbano que tem priorizado o carro por décadas. Nas cidades brasileiras, não é diferente. Para entender como podemos pensar caminhos melhores para o nosso urbanismo, inscreva-se na nossa lista e receba uma série de conteúdos exclusivos.

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