Expansão urbana | Entrevista com Solly Angel
Imagem: Simone Mourão/SecomSP.

Expansão urbana | Entrevista com Solly Angel

Leia nossa entrevista com o urbanista Solly Angel, sobre os complexos desafios do desenvolvimento e expansão das cidades.

11 de abril de 2022

No episódio 38 do nosso podcast — que você pode ouvir na integra aqui —, tivemos o prazer de receber Shlomo Angel (também conhecido como Solly Angel), professor de Planejamento de Cidades do Marron Institute da New York University.

Shlomo Angel, também conhecido como Solly Angel, fez graduação e doutorado em planejamento urbano e regional na Universidade da California, em Berkeley. É professor de Planejamento de Cidades no Marron Institute da NYU, a New York University, e lidera os projetos NYU Urban Expansion e o NYU Stern Urbanization Project. É especialista em políticas de desenvolvimento urbano, tendo aconselhado as Nações Unidas, o Banco Mundial e o BID, Banco Interamericano de Desenvolvimento.

Solly também é autor do livro “Planet of Cities”, ou “Planeta de Cidades”, e atualmente foca na documentação e no planejamento da expansão urbana no mundo em desenvolvimento.

Na nossa conversa, Solly tratou sobre os complexos desafios do desenvolvimento e expansão das cidades, abordando temas como densidade, acessibilidade à moradia, espraiamento, meio ambiente e mobilidade. A seguir, trazemos a transcrição completa, traduzida para o português por Alessandra Marques:

Anthony: Solly, você publicou recentemente um estudo chamado Anatomia da Densidade. Qual é o objetivo dessa pesquisa e por que a importância de estudar a densidade populacional no planejamento urbano?

Solly Angel: Bem, Anthony, como você sabe, sempre houve um grande interesse na densidade nas cidades e parte dele é porque ela pode ser mensurada. Sabemos por experiência própria que, quando algo pode ser mensurado, recebe mais atenção do que coisas que não podem ser.

Então, a densidade e o estudo das densidades têm estado conosco desde o início dos anos 1950, quando Colin Clark publicou seu famoso artigo sobre Densidades Populacionais Urbanas, quando mostrou que a densidade diminui exponencialmente com a distância do centro da cidade. Artigos mais recentes vêm confirmando esse resultado.

Ele também disse, apresentando alguns dados, que, ao longo do tempo, essa curva se torna mais achatada conforme as densidades na periferia aumentam e as densidades no centro diminuem, e isso também está conosco há décadas.

O que não estudamos há muito tempo, até que comecei há cerca de 10, 15 anos atrás a fazê-lo, é mostrar o que acontece com as densidades nas cidades ao longo do tempo. E a razão do interesse nisso está nos períodos em que as densidades estão diminuindo nas cidades, em média, ao longo do tempo, e há uma preocupação por vários motivos.

Primeiro, porque densidades mais baixas implicam que mais terra seja convertida em uso urbano. Mais terras rurais, agrícolas, florestais estão sendo convertidas em uso urbano e os conservadores gostariam de ver menos isso.

Quando as densidades são menores, significa que as linhas de infraestrutura são mais longas, governos municipais têm que investir mais em estradas, em abastecimento de água e saneamento do que teriam se a cidade fosse mais densa.

Além disso, as viagens são mais longas quando as densidades diminuem. As milhas veiculares são mais longas, o número de quilômetros percorridos é maior, o que também significa que mais energia está sendo gasta e mais gases de efeito estufa estão sendo liberados. Então, densidades mais altas também são boas para a mitigação das mudanças climáticas.

Além disso, densidades mais altas possibilitam que mais pessoas caminhem, andem de bicicleta, e também, acima de um certo limite, maiores densidades também são melhores para o transporte público. A maior densidade é, novamente, mais ecológica do que um carro. Desta forma, há muitos apelos para um aumento na densidade.

Você também pode imaginar que um aumento na densidade significa que mais pessoas podem viver próximas umas das outras, podem estar mais perto do trabalho, de mercados, da escola. Então, a ideia de cidade, que é ter mais pessoas próximas umas das outras, toda a ideia de urbanização, onde a urbanização é basicamente a decisão das pessoas de deixarem de estar mais perto da terra e ficarem mais próximas umas das outras, representa uma densidade mais alta.

E quanto maior essa densidade, melhor as cidades são capazes de funcionar, mais produtivas elas são e mais sustentáveis. É por isso que há tanto interesse na densidade. Dito isso, há também desvantagens com as quais precisamos ter cuidado.

Anatomia da densidade: a densidade pode se expressar de formas totalmente distintas em diferentes cidades. (Imagem: Shlomo Angel – The Anatomy of Density)

Anthony: Solly, hoje, no Brasil, uma das principais tendências no planejamento urbano que foi implementado no Plano Diretor de São Paulo é o que chamamos de Desenvolvimento Orientado ao Transporte, ou DOT, onde a tese principal é permitir apenas aumentos de densidade onde há ou onde haverá infraestrutura de transporte de massa.

Assim, em São Paulo, neste momento, existem alguns locais na área central de negócios que estão a dois ou três quarteirões de uma estação de transporte público e, portanto, fora do alcance do transporte de massa que tem uma proporção de floor space muito baixa, enquanto outros locais, às vezes mais perto da borda urbana, têm uma proporção de floor space muito alta, porque eles estão próximos a essa infraestrutura de transporte de massa, tentando planejar a densidade em torno desse corredor. Quais são seus pensamentos no Desenvolvimento Orientado ao Transporte e nesse tipo de planejamento de densidade?

Solly Angel: Essa é uma boa pergunta. Acho que quando você tem uma cidade que já está construída, como São Paulo, ela vai continuar crescendo, com aumento da população e renda. Ambos exigem mais espaço físico. Então, com mais pessoas, você precisa de mais unidades habitacionais e, consequentemente, mais espaço físico. Quando você tem rendas mais altas, as pessoas que moram em um apartamento pequeno, querem morar em um maior. Querem escolas maiores, lojas maiores, escritórios maiores. Desse modo, ambos os efeitos, população e renda, criam demanda por espaço físico, e essa demanda pode ser atendida basicamente de três maneiras.

Uma delas é construindo mais na periferia urbana, que está mais longe, podendo converter terras rurais em urbanas. Essa é uma forma de expansão urbana.

E a outra forma, que é a densificação, pode acontecer de duas maneiras: por preenchimento dos terrenos vazios e removendo restrições de zoneamento. Em São Paulo, pode ter pouco preenchimento, porque há poucos terrenos vazios. Quando você fala sobre densificação e olha para o papel governamental, o governo geralmente é contra ele, conduzindo as regras de zoneamento. “Você não pode construir mais do que isso, certo?” É uma densificação muito restritiva.

Então, de certo modo, se você quiser densificar, tem que remover as restrições, quero dizer, você não pode pedir a um incorporador para construir um prédio de 20 andares, quando não há demanda para esse tipo de edifício. Dessa forma, os incorporadores vão responder à demanda. O governo só precisa remover as restrições ao desenvolvimento.

Então, o que você está dizendo é que a Densidade Orientada ao Transporte é uma espécie de remoção seletiva dos regulamentos para permitir mais construção, e talvez melhorando a infraestrutura nessas áreas. Acho que isso é uma ideia muito boa, mas não deveria ser a única maneira de densificar. Deviriam também densificar áreas longe da área de transporte público. Basicamente permitir que a demanda dite quão densos os lugares precisam ser. Essa é minha resposta geral a isso.

Os planejadores urbanos tendem a pensar que eles podem realmente desenhar algo. Não é assim. Tudo o que fazemos está dentro da área de atuação do setor público. E ele faz muitas poucas coisas. Administra direitos de propriedade, setor bancário, com as hipotecas e empréstimos para construção, os subsídios e impostos, infraestrutura e o ambiente regulatório. Essas são as cinco coisas que o setor público faz. O setor público não constrói, pelo menos na maioria dos países.

Portanto, entre todas essas cinco coisas, as que importam aqui para o adensamento são a infraestrutura e a regulamentação. E acho que, o mais importante, na maioria dos lugares, o que eu olho, é a regulamentação. E as regulamentações tendem a restringir as densidades, ao invés de tornar possível a densificação. Então, a ideia do DOT que você cita é uma pressão sobre as agências reguladoras para serem mais generosas no que diz respeito a permitir o adensamento.

Curitiba
Adensamento ao longo das vias de transporte em Curitiba. (Imagem: WRI Brasil)

Anthony: Meu entendimento do raciocínio por trás do DOT é que os planejadores diriam: “Bem, não podemos densificar certas áreas porque não há infraestrutura suficiente; e não seremos capazes de atender a esse aumento de densidade.” Mas o que, pelo menos, eu vejo acontecer nas grandes cidades do Brasil é que você consegue assentamentos informais em outros lugares, que são ainda mais difíceis de servir com infraestrutura. Você acha que essa é uma avaliação correta?

Solly Angel: A densidade é um resultado do mercado, não é um resultado do planejamento. O resultado do planejamento na densidade é o teto. Mas é muito difícil ter um tipo de densidade mínima para dizer a um incorporador “você pode construir aqui, mas somente se você construir mais do que isso.”

Geralmente, os incorporadores construirão apenas o que eles acham que podem vender. E o que você está dizendo, e que é muito verdadeiro, que, em muitas favelas, as densidades são altas. E nós não temos que falar sobre adensamento lá, mas o que podemos fazer é falar sobre mais construção.

A questão que existe, e que é um desafio muito importante, é trazer os serviços. E eu acho que isso é, de certa forma, a ideia de Desenvolvimento Orientado ao Transporte, que é “colocar a carroça antes dos bois”. Nós já temos um desenvolvimento de alta densidade. Nós precisamos trazer o transporte, ao invés de dizer “Nós temos um transporte aqui, vamos ter um Desenvolvimento Orientado ao Transporte ali.” Portanto, eu acho que é muito mais crítico trazer bons serviços para áreas residenciais de alta densidade, como favelas, do que dizer que só permitimos alta densidade onde houver estações de transporte.

Anthony: Voltando ao seu artigo Anatomia da Densidade, você fala sobre diferentes categorias de densidade e fatores ou elementos que podem permitir o seu aumento, como você mencionou, construir edifícios mais altos para usar mais terrenos urbanos.

Mas uma dessas variáveis é a taxa de ocupação do terreno. Aqui no Brasil há muitas críticas em aumentar a taxa de ocupação do terreno no que diz respeito à proteção dos sistemas de drenagem urbana. Assim, as cidades brasileiras são frequentemente vítimas de desastres de inundações urbanas, e o aumento da taxa de ocupação dos terrenos é, geralmente — senão sempre —, mencionado como um dos principais culpados desse problema de drenagem.

No entanto, como sabemos, em muitos assentamentos informais, essas regras não são obedecidas com frequência. Portanto, a minha pergunta é: até que ponto o controle de cobertura do terreno é uma política viável para a drenagem urbana ou até mesmo uma política efetiva para drenagem urbana? E quais são as preocupações em torno de aumentar ou diminuir essa métrica?

Solly Angel: Essa é uma pergunta muito interessante. Só para explicar às pessoas que não estão familiarizadas com isso, quando temos um terreno que ainda é solo e vegetação, quando chove, ele pode absorver muita água. Quando ele é pavimentado com concreto ou há um telhado, ela não pode absorver nada, e toda a água que cai escorre para algum lugar.

Portanto, de uma forma, essas áreas verdes fornecem armazenamento temporário de água da chuva. E essa é a razão de que quando há chuva forte, lugares que têm muitas áreas verdes não inundam, e lugares que não têm nenhuma área verde inundam ou precisam dar vazão a muita água. Então, este é o quadro geral.

Agora, essas pessoas realmente não se importam com a relação de custos e benefícios: “nós precisamos de mais drenagem, certo, então deixe metade da área verde.” Isso seria maravilhoso, não? Mas eles estão deixando metade da área verde fora do jogo, porque eles não são economistas. Eles são ecologistas ou ambientalistas, eles não se importam particularmente com o que isso significa.

E, para mim, eu acho que quando você pensa sobre a quantidade de armazenamento que uma área verde fornece durante uma tempestade é realmente mínimo. Não é algo que valeria a pena não poder abrigar uma população porque insistimos em manter essas áreas verdes para evitar inundações.

Então, quando você está falando sobre o aumento da taxa de ocupação do terreno, a prova está exatamente nos assentamentos informais nas favelas, onde não há áreas verdes muito grandes, e eles abrigam muitas pessoas.

Assim, eles fornecem muitas moradias acessíveis e o custo da inundação é relativamente baixo comparado ao benefício que eles geram com a moradia. Dessa forma, o que estou dizendo é que concordo que uma cobertura menor do terreno facilita a drenagem, mas não concordo que exista um argumento matador.

Deve haver alguma análise de custo-benefício que diga “ok, podemos abrigar o dobro do número de pessoas neste bairro no espaço aberto, e aí ficaria mais sujeito a inundação, ou temos que cuidar da drenagem. Vale a pena?” Então, o que eu estou dizendo é que há um cálculo que precisa ser levado em conta, ao invés de apenas dizer “isso é terrível porque é ruim para a drenagem.”

Jardim Pantanal
Alagamento no Jardim Pantanal, em São Paulo. (Imagem: André Lessa/AE)

Anthony: Solly, nos seus trabalhos, você também tem sido um crítico das chamadas estratégias de contenção: limites de crescimento urbano, estratégias de cinturões verdes… No Brasil, isso é implementado, geralmente, por meio da separação entre as zonas rurais e urbanas.

Há muitos urbanistas e ambientalistas hoje que tentam proteger as áreas rurais do espraiamento. E, na verdade, na prática, há uma pressão política e econômica dos proprietários de terras nessas periferias urbanas para essa conversão. Muitas vezes isso acontece irregularmente ou por meio de corrupção municipal.

Dessa forma, os políticos transformam áreas rurais em urbanas para beneficiar algum proprietário. Isso é visto não apenas como um problema ambiental mas como de corrupção. Há duas narrativas por trás desse problema. Você pode nos dizer quais são os efeitos reais dessas políticas e, eventualmente, como isso poderia ser tratado no Brasil, trazendo algumas referências de outras cidades ao redor do mundo?

Solly Angel: Você está certo. Tenho sido um crítico das políticas de contenção e dos limites de crescimento urbano e de regulamentos de zoneamento que separam o urbano do rural ou que impõem restrições ao número de alvarás de construção que seriam emitidos.

Existem diferentes ferramentas que restringem a expansão urbana. E a razão pela qual eu sou contra a contenção é que as pessoas que são a favor não estão suficientemente cientes do funcionamento dos mercados imobiliários.

Como eu disse, a necessidade de mais espaço vem da pressão da população ou da descompressão. Dessa forma, há um aumento na demanda por espaço físico, certo? Existe uma oferta restrita, então como vamos adicionar oferta? Assim, se não podemos adicionar oferta suficiente, tudo o que vemos é um aumento nos preços.

Então, o que você está dizendo é que moradias em locais de contenção se tornam menos acessíveis. E isso foi muito bem documentado na Inglaterra, por exemplo, por Peter Hall, nos anos 70. Quando cidades inglesas eram cercadas por cinturões verdes, era muito claro que estava tendo um efeito muito forte sobre a acessibilidade habitacional, porque está se restringindo a oferta de terras e não está criando espaço suficiente.

Dessa maneira, minha crítica é: eu não sou contra a contenção se puderem me mostrar que podem abrir espaço através da densificação. E aquela história da Anatomia da Densidade da qual falamos antes, é sobre o que você precisa fazer para criar espaço.

Portanto, muitas pessoas estão fazendo contenção e, em seguida, pensando em outra coisa, mas eles não estão nos dizendo “está bem, como vamos lidar com a demanda? Que tipo de espaço vamos criar? Vamos flexibilizar as normas que permitem altura? Mais cobertura de terreno, prédios mais altos, unidades menores, melhores arranjos de aluguel que não deixem muitos apartamentos vazios? Mudando um monte de uso não-residencial para residencial?”

Sabe, você precisa me mostrar que criou espaço suficiente para a demanda, para eu dizer que está tudo bem ter contenção. Mas, geralmente, isso não acontece. Então, o que significa é que você precisa de expansão.

Na verdade, acabamos de concluir o estudo que será publicado em breve chamado Densificar e Expandir, onde tentamos mensurar qual parcela da população que foi adicionada às cidades entre 1990 e 2014, ou foi adicionada ao perímetro de 1990, e qual parcela foi adicionada em áreas de expansão.

No mundo em geral, um quarto da população foi acomodado dentro do perímetro de 1990, e três quartos da população foram acomodados em áreas de expansão. Não é possível, e mesmo nos locais que mais adensam, não conseguiram acomodar mais da metade da população em seus perímetros existentes. Desse modo, não é possível.

Portanto, essa ideia, de novo, é outra forma de ideal de planejamento: “vamos parar o crescimento das cidades.” Simplesmente não funciona. Então, por que não funciona, o que você vê é exatamente o que você está mencionando.

Você vê pessoas quebrando as regras, seja incorporadores com conexões nos municípios ou incorporadores informais que não se importam com as regras. E você vê que, em vez de preparar a área na periferia da cidade para uma expansão ordenada, o que você tem é expansão seletiva. E porque você tem expansão seletiva, tem especulação, porque é apenas em alguns lugares, então tem muito valor.

Assim, ao invés de manter a área de expansão acessível, ela também não é acessível, porque não há o suficiente. Dessa forma, ganha um valor mais alto do que o necessário. Se houvesse mais, seria mais barato. A razão pela qual eu sou contra a contenção é porque eu sou a favor de abrir espaço. E a razão pela qual sou a favor de abrir espaço é que sou a favor de cidades acessíveis.

Se você não criar espaço suficiente, as cidades não serão mais acessíveis. Quando você tem uma situação como São Francisco ou Nova York, que não querem abrir espaço, você tem bons empregos que não podem ser preenchidos porque as pessoas não podem se dar ao luxo de se alojar para ter acesso a esses empregos.

Portanto, há cálculos de economistas americanos de que vários pontos do PIB são perdidos por causa de restrições à quantidade de construção que pode ocorrer nessas cidades, que são desejáveis ​​para o desenvolvimento econômico.

Assim, o que você está fazendo é que essa contenção não é apenas ruim porque torna a habitação inacessível, mas também é ruim porque a economia do país sofre como resultado. Tem enormes consequências. É uma intervenção na economia que é realmente improdutiva, não igualitária, e, por causa disso, também é insustentável de uma perspectiva ambiental. Por essas três razões, eu sou contra a contenção. E sou a favor de abrir espaço.

Você quer abrir espaço para o adensamento? Tudo bem! Você quer abrir espaço para a expansão? Tudo bem! Mas você precisa abrir espaço suficiente. Dessa forma, se você não pode fazer por dentro, você tem que fazer por fora. E se puder me mostrar que pode fazer isso por dentro, ótimo, então você pode limitar a quantidade de expansão externa. Mas, caso contrário, apenas dizer “vamos conter a expansão urbana” e depois esquecer é uma política muito inaceitável.

Em 20 anos, a política de contenção em Seul levou a triplicar o preço real da terra. (Gráfico: Making Room for a Planet of Cities)

Anthony: É uma afirmação muito forte, então, dizer que talvez um espraiamento seja superestimado? Geralmente como uma consequência negativa da expansão urbana. Ou o que você pensa sobre isso?

Solly Angel: Tenho trabalhado por uma década e meia para mudar a terminologia nesse campo e acho que tenho tido sucesso. Há mais pessoas falando sobre expansão urbana do que sobre espraiamento. Antes, só havia espraiamento, nós não queremos espraiamento.

Espraiamento soa como algo terrivelmente negativo. Você se “espraia” na cama… Espraiamento não é uma coisa muito boa, certo? Espraiamento é geralmente desenvolvimento de baixa densidade na periferia urbana. Dessa forma, primeiro de tudo, nós sabemos disso por causa da curva de densidade, a densidade na periferia será menor de qualquer modo.

Não só isso, mas a fragmentação na periferia será maior. Haverá muito mais espaço aberto porque as pessoas pensam que os lugares se enchem em um ritmo mais lento. A densidade na periferia será menor. Agora, a questão é, novamente, em uma sociedade capitalista, o que você faz se houver uma demanda por casas unifamiliares com grandes lotes de terra?

Os ricos querem viver em baixa densidade com grandes terrenos. Ok. Você vai sugerir que isso não é permitido por que se espraia? Ou todo mundo deveria morar em um apartamento? Assim, a questão é se você deseja remover essa escolha. Se sim, então você vai ter espraiamento.

Portanto, a única razão que eu penso para reclamar do espraiamento, e isso é numa perspectiva capitalista, é dizer que o motivo pelo qual somos contra é porque ele impõe custos adicionais a todos nós, tem externalidades. Você está construindo? Tudo bem, mas temos que financiar as estradas, você está criando mais gases de efeito estufa, está se apoderando de uma terra cultural.

Desse modo, o que você está me dizendo é que tem que internalizar esses custos, ou seja, se estiver viajando para distâncias maiores de carro, vamos cobrar impostos. Você vai ter um imposto sobre o gás, ou sobre o carbono. Assim, se estiver usando o carro para distâncias maiores, terá que pagar mais. Ou terá que pagar pela infraestrutura, para o aumento da infraestrutura… Nós vamos taxar mais você.

Em vez de chorar sobre o espraiamento, deve pensar sobre as correções de mercado que levam a densidades mais altas, que é melhor infraestrutura, impostos mais altos sobre o gás, regulamentos que convidam o Desenvolvimento Orientado ao Transporte, em vez de apenas dizer “não gosto de espraiamento e, portanto, vou conter cidades para elas não se expandirem”.

Anthony: Solly, neste tópico de aumentar/diminuir os coeficientes de área construída e abrir espaço, nos últimos cinco anos, muitas grandes cidades brasileiras têm revisado seus planos diretores, e às vezes aumentando os coeficientes de área construída permitida, mas apenas através de uma cobrança.

Então, em outras palavras, o coeficiente de área construída que é gratuito em São Paulo foi reduzido, e a proporção de coeficiente adicional que você pode construir é paga. Assim, os planejadores frequentemente defendem essa política como uma forma de resgatar as despesas de infraestrutura pública que incentivam um aumento de preço para esses locais.

Eu acredito que algumas cidades na Índia, ou talvez Mumbai, implementam políticas semelhantes. Dessa forma, quais são seus pensamentos sobre como isso afeta o acesso à habitação?

Solly Angel: Esta também é uma questão interessante. Em primeiro lugar, minha reação é de apoio aos planejadores que querem aumentar coeficientes de área construída. A ideia de poder aumentar o coeficiente de área construída é maravilhosa. Sou totalmente a favor disso.

Agora, em termos de pagar por isso, é interessante, porque, na minha experiência, o governo não é muito bom em precificar.

“Vou cobrar por isso!”

“Tudo bem. Quanto vocês vão cobrar?”

“Não sei… Vou cobrar X!”

“Por que você vai cobrar X?”

“Não sei.”

Eles não sabem realmente fazer o cálculo. Então, de certa forma, você pode pensar nisso como o imposto de propriedade [ou IPTU, no caso brasileiro]. O IPTU é automático, ou seja, se eu construir três andares, eu pago trezentos dólares de imposto. Se eu construir quatro andares, eu pago 400 dólares, cinco andares, 500… Dessa forma, eu pago IPTU para que o espaço seja tributado. Portanto, você constrói mais espaço, você é taxado mais. Vou fazer você pagar mais para construir.

Acho que a maioria dos incorporadores concordaria em pagar. Por quê? Porque eles pagaram pelo terreno com base em três andares, agora você está dizendo que eu posso construir cinco andares. O valor do terreno aumenta. O valor do terreno aumenta, então faz sentido pedir o pagamento pelo valor do terreno.

Assim, quando penso nisso em voz alta, para mim, se você tiver um IPTU real, ele cobriria esse direito, certo? Você apenas diria “você está construindo mais, vale mais, eu te cobro mais imposto”. O IPTU, para mim, é uma ferramenta um pouco melhor, entendida melhor por todos. Você tem mais, vale mais, você vai ser tributado mais. Sou totalmente a favor disso.

Quero te contar uma história interessante sobre Israel. Israel fica no Vale do Jordão, é uma área de terremotos, há uma rachadura que vai ao longo do Vale da Jordânia. A cada cem anos mais ou menos há um terremoto.

Desse modo, o código do terremoto foi revisado em 1980 para ser mais forte, porque o próximo terremoto deve ocorrer em breve. Assim, todos os edifícios que foram construídos antes de 1980 não estavam em conformidade com os novos regulamentos de terremotos.

Portanto, a maioria dos edifícios são prédios de apartamentos de quatro andares, que são, na verdade, condomínios. O governo diz “tudo bem, como faço para que esses edifícios cumpram o código?” Eu vou ceder espaço extra para esses prédios, vou dar mais um ou dois andares, e as pessoas têm que negociar com todas as pessoas do prédio.

Se chegarem a um acordo, o incorporador pode construir mais dois andares, e ele também faz uma nova infraestrutura, instala também um elevador e faz a fachada do prédio novamente, e ainda aumenta o espaço dos apartamentos individuais por uma sala, como uma sala de segurança e assim por diante.

Dessa forma, esses regulamentos foram implementados e não houve reação, não houve compradores, nenhum incorporador estava aceitando. Então, o governo se perguntou por que eles não estão aceitando isso. Bom, em todos esses lugares, você precisa de um consenso de todas as pessoas no prédio, e se alguém se opor e disser não… Precisamos mudar as regras para que seja apenas a regra da maioria.

Assim, eles mudaram a regra. Se dois terços da maioria concordar, podem ir em frente. “Ok, isso é ótimo.” Em seguida, novamente, nenhum comprador. Por quê? Porque acontece que o valor dos apartamentos deles vai aumentar em cem mil dólares, e de acordo com a lei, isso é tributável.

Desse modo, se for tributável, vai custar trinta mil dólares cada um. Eles não têm esse dinheiro, então não podem concordar. Assim, o governo muda a lei novamente para dizer que você não tem que pagar imposto sobre o aumento do valor daquele edifício. E dessa forma, você começou a ter desenvolvimentos, muitos projetos.

Quando o governo se envolve com esse tipo de coisa, eles têm que olhar o que o mercado está fazendo. Se a resposta for muito boa, isso significa que eles cobraram preços muito baixos. Se a resposta for muito alta, significa que eles têm que aumentar os preços.

Portanto, quando o governo quer se envolver nesse tipo de coisa, ele precisa ser muito flexível, para ver se funciona ou não, e em seguida ajustar. Essa é a lição. Mas a lição adicional em Israel, quando você mede e fala com os incorporadores, é que só funciona em áreas onde o custo por metro quadrado de um apartamento é de mais de cinco mil dólares. Em qualquer lugar onde custar menos de cinco mil dólares, nenhum incorporador quer investir.

Em muitas dessas cidades ao longo do Vale da Jordânia, onde o perigo de terremoto é maior, não há nenhum incorporador. Mas em Tel Aviv, que é a mais distante e a menos ameaçada, muitos incorporadores querem fazê-lo.

Estou apenas trazendo esse exemplo porque, se o governo quer se envolver no mercado imobiliário, primeiro de tudo, tem que adquirir a experiência de negociar com imóveis, a qual os urbanistas não têm e não estão interessados, ​​porque eles acham que sabem o que é melhor, não acham que precisam saber do mercado. E também precisam da flexibilidade para dizer “tudo bem, vamos começar vendo qual é a resposta e se ajustar à ela para obter o resultado certo.”

Anthony: Perfeito. Concordo totalmente com a percepção sobre planejamento urbano, acho que é parecido aqui no Brasil.

Uma das minhas últimas perguntas que está relacionada a esse tópico de pagar para aumentar a proporção de área útil é o conceito de captura do valor da terra, que também é um novo instrumento usado por planejadores urbanos em algumas cidades, onde os governos financiam obras públicas capturando o aumento do valor da terra após investir em grandes projetos de infraestrutura. Qual a sua opinião nisso? É semelhante à pergunta anterior em termos de preço?

Solly Angel: A captura do valor da terra, de novo, está conosco há décadas. Na verdade, o Instituto Lincoln de Política de Terras, que ensina a captura do valor da terra na América Latina, tem Martim Smolka, meu amigo, um brasileiro que está fazendo esses cursos e ensinando captura de valor de terras na América Latina nos últimos, 30 anos, talvez. Isso é uma ideia muito boa.

Aliás, o Instituto Lincoln foi criado ou doado por um senhor chamado Lincoln, que era um admirador de Henry George. E Henry George era um desses socialistas, e ele até se candidatou a prefeito de Nova York, acho, em um dado momento.

A ideia dele era de que só precisamos do imposto sobre a terra, não precisamos de um imposto sobre vendas e não precisamos de imposto de renda, o imposto sobre a terra deveria financiar todo o trabalho do governo, certo? Ele defendeu o imposto sobre a terra. E a ideia de que isso foi uma espécie de imposto justo, foi progressivo, fez muito sentido. Assim, o Instituto Lincoln está tentando espalhar essas ideias sobre a importância de taxar a terra. E o problema sempre foi aquele de separar a terra da estrutura.

Então, se você tem uma propriedade, há uma casa no terreno e nós sabemos quanto custa construir a casa, mas talvez isso tenha sido há 20 anos atrás, é muito difícil separar o terreno da casa. Por isso, é muito difícil dizer qual parcela da propriedade é o valor do terreno, e qual parcela da propriedade é a casa. É possível, mas tem havido uma divergência teórica entre os especialistas em impostos sobre como fazer isso.

Então, em geral, novamente, o terreno precisa ser tributado para fornecer os serviços para aquele terreno. E o melhor tipo de imposto é o imposto sobre o valor da terra. E quando você traz nova infraestrutura, o valor daquela terra aumenta e, portanto, o que quer que você vá taxar, deve aumentar também.

O problema com o imposto sobre a propriedade, e o motivo para esta Proposta 13 na Califórnia, por exemplo, que, como você sabe, colocou um teto no imposto sobre a propriedade, e isso foi devastador em termos de ser capaz de financiar a infraestrutura de escolas e serviços públicos na Califórnia, e o problema com o imposto sobre a propriedade é que o imposto de renda é muito sensato.

Eu ganho cem dólares, você taxa quarenta, dos cem dólares, eu tenho sessenta. Mas se eu tiver parte de uma propriedade e você estiver me tributando muito dinheiro para o imposto sobre a propriedade, de onde eu pago isso? Não é possível pagar.

Dessa forma, até mesmo quando as pessoas estão dizendo “ok, você paga quando vende a propriedade” Assim as pessoas vendem por baixo da mesa. Há muita corrupção, as pessoas não vendem. Você pode congelar o mercado de terras. É isso que aconteceu na Índia, quando havia um teto para o imposto sobre a terra, as transações de terras simplesmente pararam, porque seriam tributáveis ​​quando a propriedade mudasse de mãos.

Portanto, o problema é com o aumento do imposto sobre a propriedade, ou com essa captura de valor da terra. É que as pessoas que têm que pagar por isso não têm os meios para pagar. Assim, quando você tem coisas como conversão de terras de uso rural para urbano, aquela ideia maravilhosa que está disponível em muitos países, uma certa porcentagem dessa terra pode ser reivindicada pelo público.

Essa eu acho uma forma muito boa. E essa é, a propósito, a forma como o reajuste de terras, o reparcelamento de solo funciona. Quando há, na periferia, loteamento de terra, você partilha toda a terra, você cria estradas, você subdivide. Você devolve às pessoas 60% do que elas tinham antes, 40% usa para colocar na infraestrutura, uma parte da terra você usa para vender e financiar a infraestrutura daquela terra.

Desse modo, quando você faz isso corretamente, e tem sido feito corretamente na Alemanha, no Japão, na Austrália — e tentei fazer quando Mudi era o Ministro-Chefe em Gujarat. Tentei fazer isso em Gujarat, na Índia, perto de Ahmedabad. Assim, quando você converte terreno em uso urbano, você pega uma certa área da terra, partilha toda ela, os proprietários juntos criam um planejamento urbano, devolvem uma certa parte do que eles tinham antes, mas agora foi implantada a infraestrutura, então eles usam o dinheiro para construir os serviços, tomando quantas terras você precisar.

Isso, pra mim, é difícil de fazer, porque requer confiança e capacidade da parte do governo. Mas se é capaz, essa é a melhor maneira de fazer captura de valor. O único outro modo é o imposto sobre a propriedade. Se valores mais altos da terra exigem impostos mais altos, você tem que ter uma avaliação real do imposto sobre a propriedade, a qual está, de novo, sujeita a muita pressão política.

Não para colocá-lo a um valor de mercado, para colocá-lo bem abaixo do valor de mercado. Portanto, se você puder pressionar os políticos para reajustar o imposto sobre a propriedade, de modo que seja mais parecido com o mercado, e você resiste à pressão de dizer “bem, eu não tenho de onde pagar”, então o imposto sobre a propriedade ainda é uma ferramenta muito boa para capturar o valor da terra.

Anthony: Adorei a comparação entre captura de valor de terra e reajuste de terra. Obrigado, Solly.

Sobre referências. Quais você acha que são os principais conceitos que faltam nas discussões atuais sobre política habitacional e sobre o planejamento do uso da terra? Que referências os urbanistas brasileiros poderiam procurar em outras cidades ao redor do mundo? Porque acho que existe uma tendência aqui em olhar para as cidades europeias, que são muito diferentes das cidades da América Latina. Que recomendações você daria aos aspirantes a profissionais em política urbana?

Solly Angel: Algumas coisas. Primeiro de tudo, eu estimulo os planejadores, e eu disse isso antes, para se familiarizar com o funcionamento dos mercados fundiários, dos mercados fundiários e imobiliários. Você não pode realmente fazer um bom planejamento sem entender esses mercados.

E, nesse sentido, eu quero recomendar o novo livro do meu colega Alain Bertaud, que se chama Ordem sem Design, que trata do papel dos mercados no planejamento urbano. É um livro muito bom, que foi lançado há alguns anos pelo MIT Press, e contém muitas informações interessantes.

Agora, em termos de exemplos para o Brasil, concordo plenamente com você que as cidades europeias não são realmente as cidades a se imitar. E as cidades americanas, cidades da América do Norte, como os Estados Unidos e o Canadá, também não.

Dessa forma, o que eu estimulo o Brasil a fazer é, assim como o país teve seu próprio Modernismo nos anos 60 — dito que isso é Arquitetura Brasileira, não Arquitetura Europeia —, então o Brasil tem que inventar seu próprio planejamento urbano e sua própria tradição urbana, o que já possui.

Eu estimulo a cooperação, colaboração com outros países latino-americanos, mas com uma maneira brasileira de fazer isso. Acho que as lições internacionais são menos distantes entre si. A pior lição de todas é tentar aprender com Singapura. Singapura é a cidade-país mais bem planejada do mundo. Tudo lá é planejado, todo plano é executado corretamente, todos obedecem à lei, as pessoas economizam para moradia, há poupança obrigatória para moradia, e mais de 80% são alojados em habitações sociais.

Existe o “Rapid Transit” que atende a cidade inteira. Há parques e playgrounds, e as crianças vão muito bem na escola, e a renda per capita é maior que a dos Estados Unidos. Só não dá para copiar, porque os singapurenses têm seu próprio jeito de fazer as coisas, não é exatamente uma democracia, e as pessoas são altamente disciplinadas. Elas têm uma grande crença no que o governo está fazendo. O governo tem sido muito bom para eles. Então, não use Cingapura como um exemplo de como fazer as coisas no Brasil, essa é uma lição importante.

Desse modo, eu realmente não vejo muitos lugares onde há lições a serem aprendidas. Apenas como uma curiosidade, o campeão do adensamento na América Latina, a cidade que mais adensa é Bogotá. “Então, eu deveria estar aprendendo com Bogotá?” A resposta de novo é não.

A razão de Bogotá ter adensado mais do que outras cidades na América Latina é por causa da guerra civil. A guerra civil impossibilitou Bogotá de se suburbanizar, porque motoristas suburbanos estavam sendo sequestrados e pediam resgate, e ninguém queria morar nos subúrbios, e todos se mudaram para a cidade.

Assim, a cidade aumentou sua densidade e preencheu muitas de suas terras e agora é muito mais densa do que costumava ser. Mas não é pela política de planejamento mas pela guerra e conflitos na periferia urbana. E agora que a guerra foi meio que resolvida, você pode esperar uma suburbanização e um declínio na densidade de Bogotá também.

Portanto, infelizmente, eu não tenho muitos tipos de referências ou bons exemplos para você seguir. É mais como “esta cidade está fazendo isso corretamente, esta outra cidade está fazendo aquilo corretamente” e você tem meio que aprender sobre todas elas, e tentar destilar o que você precisa fazer de uma multiplicidade de cidades.

Anthony: Solly, muito obrigado. Isso foi muito esclarecedor e tenho certeza que usaremos essas referências. Order Without Design é um livro sobre o qual falamos muito em nosso site.

Anthony: Nosso apoiador Evandro está perguntando qual é a sua opinião e experiência em subsídios cruzados nos empreendimentos. Reservando parte de um lote para subsidiar moradias populares, por exemplo. Acredito que um zoneamento inclusivo se encaixaria neste tipo de política.

Solly Angel: Para dizer a verdade, esta é a política que norteia a cidade de Nova York hoje. Enquanto falamos, o prefeito Bill de Blasio é um grande apoiador dessa habitação inclusiva obrigatória, que está negociando acordos com incorporadores que constroem moradias de luxo para deixar certas porcentagens de casas acessíveis, em que o preço acessível é acessível para pessoas que às vezes ganham mais de cem mil dólares por ano, mas eles chamam de acessível em comparação com o valor das casas no empreendimento.

Essa ideia de subsídios cruzados tem estado conosco por muito tempo. Eu não sou um defensor dela, porque não acho que moradia de luxo e habitação acessível se misturam muito bem. Sabe, então eu estaria muito mais feliz se os incorporadores contribuíssem com terra ou dinheiro para projetos que poderiam ser construídos com um subsídio, em vez de misturar os dois. Eu não vejo o valor de misturar famílias de baixa renda e alta renda juntas em um projeto.

Anthony: Nosso apoiador André diz que, nas últimas décadas, o planejamento urbano recebeu muitas contribuições de economistas, estatísticos e cientistas de dados. Você acha que arquitetos e urbanistas estão sendo deixados para trás no sentido de não serem mais capazes de compreender os problemas da nossa cidade?

Solly Angel: Essa é uma pergunta muito boa. Acho que quando você olha para a história do planejamento urbano, nos primeiros tempos, tivemos muito mais envolvimento de arquitetos e urbanistas e, com o passar do tempo, o papel deles foi diminuindo. No meu modo de pensar, isso é uma coisa boa, porque acho que arquitetos — e eu fui educado como arquiteto também —, por causa da preocupação com a forma urbana, têm que ser capazes de se desapegar quando se trata de cidades.

Quer dizer, a diferença entre arquitetura e urbanismo é quando os arquitetos fazem um plano, esse plano é um contrato com a pessoa que vai construir de acordo com esse plano. A pessoa tem que construir com esse plano em mente. Então, de certa forma, é uma intervenção maximalista em termos de planejamento. Eu planejo tudo, até o último degrau, até a última maçaneta, até o último tijolo.

O urbanismo é exatamente o contrário, é a quantidade mínima de restrições ou regulamentações ou padrões que eu tenho que colocar para que muitas pessoas possam construir de acordo com esses padrões e regulamentações. O papel que os arquitetos precisam desempenhar, que não é algo que eles queiram desempenhar, é como criar um campo de atuação para outras pessoas quererem atuar na arquitetura, ao invés de eles atuarem na arquitetura. Então, a pergunta é “quem está segurando o lápis?”.

Na arquitetura, o principal objetivo é segurar o lápis. No urbanismo, o ponto principal é largar esse lápis, deixar outra pessoa segurar o lápis. Desse modo, para mim, o papel da arquitetura, se você quiser continuar sendo influente no planejamento urbano, é entender como as cidades são criadas e o que você precisa fazer para que as cidades sejam construídas da maneira que você acha que deveriam ser construídas. Sem projetá-las, sem criar formas para que elas se encaixem, esse não é o seu trabalho.

Agora, quero apontar uma exceção a essa regra e, novamente, alguns arquitetos não entendem. Não é verdade que os mercados constroem cidades. Os urbanistas precisam estar lá antes que o empreendimento ocorra. Os urbanistas têm que estar lá para criar a rede ideal que a cidade vai desenvolver. E eles falharam nessa regra.

Assim, os planejadores falharem em seu papel de planejamento físico, que é preparar terras para ocupação pelo mercado. Então, o que estou tentando meio que revitalizar é o planejamento urbano clássico. Ou seja, planeje a infraestrutura antes do empreendimento. E planeje o suficiente para que a cidade não cresça mais rápido do que você pode planejar.

E o único papel que deveríamos fazer corretamente, que é projetar a cidade antes do desenvolvimento, falhamos em fazer. E assim, precisamos nos reeducar sobre o que é esse planejamento urbano. Porque grandes planos, no Plano de Barcelona, no Plano de Washington, no Plano de 1811 de Nova York…

Imagem do Commissioner’s Plan de 1811 de Nova York. (Imagem: Urban Omnibus)

Quero dizer, há planos em que fomos capazes de projetar a cidade antes do desenvolvimento. Mas isso, por algum motivo, não é interessante o suficiente para planejadores e arquitetos. Ou é muito grande para eles? Não sei. Mas eu realmente os estimulo a lembrar qual era a ideia no início, se convencendo a tentar fazer isso no futuro.

Anthony: O Mário, nosso apoiador, pergunta sobre a intervenção em assentamentos informais. Você disse que essas intervenções costumam ser no caminho inverso, como tentar colocar infraestrutura depois de casas já consolidadas. Portanto, qual você acha que é a maneira mais razoável de fornecer infraestrutura e serviços para essas áreas urbanas informais?

Solly Angel: Antes de responder a esta pergunta, quero apontar, novamente, uma exceção. E isto é, se você olhar para Lima, no Peru, onde tive a oportunidade de estar, foi estruturada antes de ser ocupada. E do jeito que foi feito, foi organizado por padres radicais, e foi uma ocupação.

Então, foi organizado por padres radicais e eles pegaram estudantes universitários da Universidade San Marcos em Lima para sair e traçar o local da ocupação, e deixaram espaço para estradas com 10m de largura e depois blocos com lotes de 10 metros por 20 metros ao longo de toda a área de ocupação. Dessa forma, se você chegasse na periferia de Lima, nesse lugar que eu fiquei, que se chamava Comas, você ia ver que está todo arrumado. Antes de ser invadido, era uma ocupação ilegal.

Como resultado, realmente se transformou em um bairro muito desejado em Lima, e as casas lá, nesses terrenos de 200 metros quadrados, custam, da última vez que olhei, 180 mil dólares. Assim, mesmo as ocupações às vezes são organizadas e estruturadas antes de serem resolvidas. Tendo dito isso, eu também tendo a concordar com você que as favelas muitas vezes não são bem dispostas, e isso torna muito difícil trazer estradas e serviços. Ainda assim, temos uma boa experiência em muitos lugares em todo o mundo em que conseguimos trazer as estradas e os serviços.

Para mim, uma questão interessante que nunca foi esclarecida é a propriedade da terra nestes locais. Se a comunidade fosse proprietária da terra e encarasse como uma transação imobiliária, seria muito fácil voltar ao que nós falávamos antes, e que a captura do valor da terra melhora os serviços em troca das pessoas poderem construir mais, ou das pessoas poderem abrir lojas, ou usarem a terra de forma mais eficiente.

Agora esses lugares são mantidos divididos. Mas se eles fossem de propriedade da comunidade, e planejados pela comunidade, e ela dissesse “precisamos melhorar os serviços e a forma de melhorar os serviços pela captura do valor da terra. Para termos a captura do valor da terra é preciso levar as pessoas para construir mais aqui. Trazemos pessoas que podem construir lojas, construir mais moradias, adensar e financiar as melhorias de adensamento e o planejamento adequado dessas áreas.”

Para mim, este é o segredo, e estou surpreso de que as pessoas ainda não o tenham feito. Elas continuam olhando para essas áreas como socialmente deficientes de alguma forma, em vez de olhar para elas como adultos e dizer “você pode cuidar disso, nós podemos te dar o suporte que você precisa, o suporte técnico que você precisa, mas você é o dono o lugar, e você pode usar isso para aumentar o valor e torná-lo mais produtivo, para que você possa colher os benefícios de ter um terreno muito bom, em um local muito acessível da cidade.”

Anthony: Essa é uma excelente perspectiva. Apenas um comentário rápido, no Brasil, acho que estamos muito atrás dos projetos de formalização fundiária, e, mesmo quando eles acontecem, os títulos de propriedade geralmente não são completos para os proprietários de terras, e eles vêm com muitas restrições sobre o que os proprietários que foram formalizados podem ou não fazer em transações de mercado.

Solly Angel: Sim, eu recomendaria novamente, Anthony, esses outros modelos, em vez de títulos de terra individuais, então é mais como modelos cooperativos, onde esse tipo de propriedade das estruturas e áreas públicas e assim por diante, e torne essas cooperativas poderosas, para depois conseguir que as pessoas participem das cooperativas para seus lotes.

Empodere essas pessoas como um grupo, organize-as e, em seguida, capacite-as como um grupo para agir em conjunto para melhorar a comunidade como um todo, não apenas se preocupar com seu próprio título de terra.

Anthony: Há uma última pergunta do nosso apoiador Gustavo. A preocupação dele é com os limites de altura dos prédios como morador do Rio de Janeiro. A percepção dele é que Copacabana é um bom exemplo de caminhabilidade e acessibilidade, mas o bairro faz sombra na praia e relata que não tem muita ventilação natural nos prédios e isso diminui a qualidade de vida. Sua pergunta é se você defenderia uma restrição para fornecer essas comodidades?

Solly Angel: Sabe, estou bastante relutante a essa pergunta, porque, você sabe, esse é realmente um problema dos ricos e não dos pobres. Te oferecem um apartamento com vista para a praia de Copacabana, ao invés do pequeno apartamento que você instalou na Rocinha. Você só se muda para lá e não se pergunta muito se tem sombra na praia ou não.

Praia de Copacabana. (Imagem: Ricardo Zerrenner/Riotur)

Eu acho que não gostaria de restringir os edifícios porque eles colocam sombras em outras áreas. Não tenho problemas com sombras. Tem lugares onde você pode construir na altura que você precisa construir, não há razão para restringi-lo e está em uma boa localização, e muita gente quer morar lá, e eu não acho que isso seja uma grande infração à sua qualidade de vida. Acho que é tudo relativo.

Mas em Berkeley, por exemplo, há um regulamento que diz que você pode construir no quintal outra unidade. Os vizinhos ao lado estão se opondo, porque lança uma sombra na horta deles. Sim, faz uma sombra na horta deles. E daí? Certo? Isso é motivo suficiente para não permitir o adensamento em uma área residencial em Berkeley porque a horta está recebendo alguma sombra? Não, não é.

Dessa forma, novamente, o que estou encorajando você a pensar é o que eu disse antes: tem que haver algum tipo de cálculo, não é absoluto. Sim, você constrói uma cobertura de terreno maior, constrói prédios mais altos que criam sombras, há menos ar e menos sol nos quartos, isso é verdade. Como isso se compara com questões de acessibilidade a moradia, empregos, com questões de proteção do meio ambiente? Qual é o cálculo aqui? Você precisa fazer os cálculos. Se você puder mostrar que o custo de criar as sombras é realmente maior do que o custo do fato da moradia não ser acessível, então vá em frente.

Mas eu não acredito na defesa de um único problema, quando alguém diz “bem, se houver uma tempestade, precisamos da drenagem”, ou “não, vai criar sombras”, como “fim da discussão”. Não, não é o fim da discussão. Sim, cria sombra, o que isso faz para melhorar as coisas? O que isso faz para reparar a cidade, para agregar valor à cidade? Portanto, eu acho que como planejadores e arquitetos, vocês devem estar muito atentos a essa avaliação. Não se trata de ser um defensor de uma questão, trata-se de tentar equilibrar todo o complexo conjunto de questões que tornam a vida na cidade tão emocionante.

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