Para resolver o problema, é preciso conhecê-lo
O urbanismo praticamente não tem espaço no debate público, ficando restrito a pequenos núcleos acadêmicos e burocratas.
Uma nova pesquisa empírica mostra como os apartamentos de luxo reduzem os aluguéis para todos.
4 de outubro de 2021Quando os ativistas de moradias populares veem prédios de apartamentos “luxuosos” sendo construídos nos bairros, às vezes presumem que eles estão causando o aumento dos aluguéis.
Em 2015, por exemplo, os ativistas pediram uma moratória na construção de novas moradias no bairro Mission de San Francisco. (A proposta acabou sendo rejeitada pelos eleitores.)
Por outro lado, a maioria dos economistas acredita que isso tem efeito contrário: os aluguéis dos apartamentos existentes teriam aumentado ainda mais rápido se o prédio não tivesse sido construído.
Mas os ativistas de moradias populares nem sempre consideram isso convincente. Em sua mente, construir mais moradias de luxo só ajuda os ricos, uma vez que as pessoas de baixa renda não têm dinheiro para morar nelas.
Em agosto de 2021, um trio de economistas finlandeses publicou um novo artigo sobre uma pesquisa que traz evidências empíricas para lidar com essa importante questão.
O governo finlandês tem um registro da população, que coleta dados sobre onde os indivíduos vivem. Os pesquisadores tiveram acesso a esses dados e foram capazes de acompanhar os indivíduos conforme eles se moviam de um lugar para outro na área metropolitana da capital Helsinque.
Esses dados permitiram rastrear exatamente como a construção de novos prédios de apartamentos de luxo em bairros nobres impactou o mercado imobiliário mais amplo.
Quando um novo apartamento chega ao mercado, começa uma reação em cadeia. Frequentemente, a pessoa que aluga o novo apartamento está se mudando de um antigo apartamento na mesma área metropolitana.
Isso cria uma vaga que pode ser preenchida por outro locatário. Essa pessoa, por sua vez, pode estar desocupando um terceiro apartamento. Essas “correntes de mudanças” podem se estender por seis ou mais etapas, com os residentes de Helsinque jogando um jogo de cadeiras para encontrar opções de moradia melhores ou mais baratas.
E, o que é crucial, os pesquisadores finlandeses descobriram que esse processo atinge rapidamente os bairros de baixa renda. “Para cada 100 novas unidades a preços de mercado com localização central, cerca de 60 unidades são criadas na metade inferior da distribuição de renda do bairro”, escrevem os pesquisadores. Ainda mais notável, 29 vagas são criadas em bairros no quintil inferior da distribuição de renda.
Isso significa que o mercado imobiliário de Helsinque não está dividido em camadas hermeticamente fechadas. A linha entre moradias luxuosas e não luxuosas é difusa, e as pessoas regularmente pulam de um nível de habitação para outro.
Embora poucas pessoas saltem diretamente dos bairros mais pobres para os mais ricos, as cadeias de mudanças unem esses mercados imobiliários. E isso significa que construir prédios de apartamentos de luxo ajuda a tornar a habitação mais acessível para todos os que alugam, ricos ou pobres.
Pelo menos é assim que funciona em Helsinque. E nos Estados Unidos?
Nos últimos dois anos, o economista Evan Mast da universidade de Notre Dame tem feito pesquisas semelhantes em cidades americanas e publicou seus últimos resultados em julho. (seu artigo de 2021 tem acesso pago; você pode ler uma versão preliminar de 2019 aqui).
Mast olhou para os mercados imobiliários em doze das maiores cidades americanas. Os EUA não têm o tipo de registro populacional que têm o governo da Finlândia, então Mast obteve as informações de um banco de dados de marketing privado chamado Infutor Data Solutions.
Mas ele usou a mesma base metodológica dos economistas finlandeses, obtendo resultados semelhantes — embora um pouco menos dramáticos. Graças à cadeia de mudanças, um novo prédio de apartamentos de luxo criou unidades vazias em uma ampla variedade de bairros.
Mast descobriu que 67% das pessoas que se mudaram para um novo prédio de apartamentos de luxo vieram de outro apartamento na mesma área metropolitana.
Destes, apenas 20% das pessoas que se mudaram para prédios de apartamentos de luxo vieram diretamente de bairros com rendas abaixo da média. Mas isso desencadeou uma corrente de mudanças que tinha mais probabilidade de atingir os bairros de baixa renda. No sexto elo da cadeia, 40% daqueles que estavam mudando de moradia vinham de bairros com renda abaixo da média.
Os especialistas em política habitacional há muito falam sobre a “filtragem” como um processo que cria moradias populares. A ideia é que o estoque habitacional se torna menos desejável à medida que envelhece, e os edifícios mais antigos se tornam um tipo de moradia acessível nas cidades com um suprimento constante de novas residências.
Como a filtragem ocorre ao longo de décadas, pode parecer que ela tem pouca relevância para lidar com a escassez de moradias de hoje. Mas a recente pesquisa sobre cadeias habitacionais mostra que as novas moradias têm um impacto muito mais imediato nos degraus inferiores da escada habitacional.
Construir um novo prédio de apartamentos libera espaço em bairros mais antigos e menos desejáveis em questão de meses, não décadas.
Outra maneira de pensar sobre isso é que as cadeias habitacionais são o mecanismo que faz a filtragem acontecer: conforme uma cidade constrói novos prédios de apartamentos de alto padrão, ela cria vagas em prédios de apartamentos mais antigos.
Quanto mais rápido novos prédios de apartamentos são construídos, mais vagas são criadas e mais cedo os prédios de apartamentos antigos são “filtrados” para níveis de renda mais baixos.
Esta pesquisa tem implicações claras para a regulamentação habitacional. O debate é frequentemente enquadrado como uma luta entre incorporadores que querem construir moradias a preços de mercado e ativistas de habitações populares que querem forçá-los a construir unidades acessíveis.
Mas, na realidade, esses objetivos não estão em conflito: a construção de mais moradias pressiona para baixo o aumento de aluguéis em todas faixas de renda.
As pessoas que estão realmente preocupadas com a acessibilidade de uma moradia devem encorajar a construção de unidades a preço de mercado — incluindo apartamentos “luxuosos”.
Artigo publicado originalmente em Full Stack Economics em 13 de setembro de 2021. Traduzido por Gabriel Lohmann.
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Nunca entendi como funciona essas habitações sociais que fazem na europa. Como por exemplo essa que fizeram em Embassy Gardens em Londres. Eles constroem no mesmo lugar uma quantidade de apartamento para aluguel social, mas como isso funciona? Quem é o dono do apartamento, o governo? Ele que aluga o apartamento para moradia social? Isso realmente funciona? Acho a ideia muito boa, de misturar as classes num mesmo bairro, ate no mesmo edifício. Da uma sensação de pertencimento para todos, nao fica um gueto.
Pq isso nao é usado aqui no Brasil?
Obrigado