Belém nas alturas: as verticalizações na Metrópole da Amazônia
Imagem: Luciano Martins/Flickr.

Belém nas alturas: as verticalizações na Metrópole da Amazônia

Conheça a história do processo de verticalização da Metrópole da Amazônia e saiba como ela pode inspirar novas políticas urbanas.

25 de abril de 2019

“Santa Maria de Belém do Grão-Pará é uma cidade surpreendentemente aberta para o sol e para a vida. O velho povoado de Francisco Caldeira Castelo Branco cresceu e se modernizou, mas não perdeu seus vínculos com o passado. Nos parques, a paz do ambiente se mistura com o refrigério das sombras de árvores seculares.”

É assim que inicia um documentário produzido pela Agência Nacional em 1975 sobre a cidade de Belém, preservado e disponibilizado pelo Arquivo Nacional. Também conhecida como “Metrópole da Amazônia” e “Cidade das Mangueiras”, a capital do estado do Pará se localiza na região norte do Brasil, sendo uma das principais metrópoles da região, rivalizando com a cidade de Manaus em influência e poderio econômico.

É conhecida por suas grandes obras arquitetônicas construídas durante o período de ouro da cidade, como o Theatro da Paz, fruto do dinheiro dos magnatas da borracha. A cidade também oferece um rico material para análise do processo de verticalização. Investigando-o, somos capazes de reconhecer que este processo não é simples, único e homogêneo, mas complexo e singular para cada cidade e respectivo período histórico.

Verticalização incentivada 1930-1940

Assim como ocorreu em outras cidades brasileiras — como São Luís —, Belém viveu na década de 1930 sob a gerência de um interventor da ditadura Vargas, que buscava modernizar a cidade, seja incentivando uma nova arquitetura por meio da construção de edifícios públicos em estilo modernos, seja atualizando os instrumentos urbanísticos.

Na capital paraense, esse movimento é liderado por Magalhães Cardoso Barata, um jovem tenente que assume o cargo dia 12 de novembro de 1930. Em sua gestão, promove uma radical mudança na Avenida 15 de Agosto (atual Avenida Presidente Vargas), incentivando a substituições dos antigos casarões coloniais por edificações verticais modernas.

Barata buscou também alterar a configuração de usos da rua, substituindo os comércios por edifícios de escritórios e hotéis, dando à avenida uma nova atmosfera, mais próxima do ideal moderno que buscava inserir, conforme relata Fábio de Assis Melo, pesquisador da verticalização na cidade de Belém.

Elementos como a infraestrutura da avenida, os esgotos sanitários — construído pelos ingleses no início do século —, a existência de uma linha de bonde como garantia à mobilidade, entre outros, foram fatores fundamentais para a escolha do local.

Além de não ser um processo espontâneo, mas induzido, a reformulação de Barata não conseguiu alterar de forma significativa a dinâmica no eixo proposto, conforme destaca Túlio Chaves, também pesquisador do processo de verticalização na capital paraense.

Outro ponto que explica o insucesso da iniciativa de modo inicial se deve à estagnação econômica que o estado passou durante esse período, fator apontado por diversos especialistas. Todavia, o processo, ainda que limitado, foi capaz de impactar a forma da cidade. Sobre este aspecto, Chave afirma:

“O processo de verticalização sentido em Belém na década de 1940 tornou-se símbolo do crescimento urbano da cidade no período. Mesmo que possa ser classificado como “reduzido” ou mesmo “limitado”, pois se concentra inicialmente em uma avenida, a gradativa formação do túnel de arranha-céus dava à região um ar de metrópole inspirado no já consagrado processo de verticalização norte-americano e, no caso brasileiro, na então capital federal, o Rio de Janeiro, e em São Paulo. ”

Avenida Presidente Vargas em meados do século XX, Belém
Avenida Presidente Vargas em meados do século XX. (Imagem: IBGE)

Ademais, as edificações eram de baixo gabarito, de até cinco pavimentos, número semelhantes às edificações anteriores da Belle-époque paraense. A novidade era o uso dos elevadores, locados de forma central à edificação, como destaque,  e uso de tecnologias construtivas modernas, como o concreto armado.

Da década de 1940 até meados da década de 1950, o processo foi consolidado e uma verticalização mais acentuada foi verificada, sobretudo no eixo já definido por Barata. Foi quando a iniciativa privada tomou a frente do processo, promovendo a construção de diversas edificações no período, até que o poder público retomou o protagonismo, tornando-o obrigatório.

Verticalização imposta: 1950-1979

Na década de 1950, um homem de negócios conhecido na cidade — português de nascimento, mas radicado em Belém — começa a levantar fundos para a construção de uma edificação vertical, que levaria seu nome, na Avenida 15 de Agosto: o Edifício Manoel Pinto da Silva.

Em 1951, inaugura-se o primeiro de seus três blocos, com doze pavimentos. Além de sua altura elevada, a edificação se destacava no skyline da cidade por estar localizado em uma cota elevada da zona central da capital paraense.

Com o sucesso do empreendimento, o português tem a ideia de construir uma edificação ainda mais alta para a cidade, a fim de criar um marco arquitetônico na metrópole. Para tal, convida Antônio Alves de Noronha, o mesmo engenheiro que calculou a estrutura da ponte Rio-Niterói.

Como resultado, tivemos a inauguração do segundo bloco em 1960, com incríveis 26 andares, tornando-o o quarto edifício mais alto no Brasil à época, conforme relata Melo.

Devido à fama da edificação e o impacto que ela causou na sociedade, outras edificações verticais com gabaritos generosos surgiram em sua proximidade. A legislação municipal incentivou a construção de outros arranha-céus, aprovando, em 1956, uma lei que tornava obrigatório um gabarito mínimo de doze pavimentos para edificações na Avenida Presidente Vargas, antiga 15 de Agosto, cuja alteração de nomenclatura se deu na mesma época.

Barata, que foi prefeito em outras oportunidades (1943-1945) e (1956-1959), chegou a ver, portanto, parte do seu sonho de cidade realizado.

Edifício Manoel Pinto da Silva, Belém
Edifício Manoel Pinto da Silva. (Imagem: Expedição Pará/Flickr)

Mello destaca que o uso misto, tão presente no início da década 1950, passa a ser abandonado gradativamente, até que nas décadas posteriores, ganha espaço o uso exclusivamente residencial. Na década de 1960, a verticalização é espalhada para outros setores da cidade, especialmente ao longo das avenidas Braz de Aguiar, Serzedelo Correa e Nazareth.

Em geral, essas edificações eram construídas de um modo semelhante à Copacabana: ocupação total do lote, sem recuos ou afastamentos e com pouquíssimas vagas de garagem. Em 1970, o processo se consolida e o padrão se mantém praticamente inalterado. Todavia, esse tipo de ocupação foi desincentivado ao longo da década, até que foi proibido em 1979, sob a forma de lei.

Belém e a verticalização “à brasileira” pós-1979

Ao final da década de 1970, Davina Lima, em pesquisa sobre mercado imobiliário e preservação do patrimônio histórico em Belém, destaca que é realizado um esforço institucional, em um trabalho liderado pela CODEM (Companhia de Desenvolvimento e Administração da Área Metropolitana) de Belém, para alterar os parâmetros e tipologia construtiva que existiam na cidade.

A partir disso, foi instituído o LISNUSO, o Sistema Normativo do Uso do Solo Urbano do Município de Belém. Em 1979, como resultado destes esforços, é promulgado o primeiro ordenamento urbano que regula o solo privado em Belém sob a ótica modernista — e um grande salto no urbanismo intervencionista, pouco existente até então.

Passou-se então a serem exigidos recuos e afastamentos obrigatórios, além de limitar o índice de aproveitamento de uso do solo em até 4. Com a lei, tivemos a separação da cidade por zonas, de acordo com suas respectivas atividades, fato que permanece inalterado e reforçado nas legislações atuais. Dessa maneira, a cidade se distanciou de um urbanismo próximo ao experimentado por Copacabana, e passa a inserir uma urbanidade artificial presente em bairros modernistas como a Barra da Tijuca, também localizado na capital fluminense.

Em 1988, com o advento da nova Constituição Federal, que alterou e criou uma nova orientação para a política urbana, tivemos a manutenção do limite do índice de aproveitamento em 4, enquanto em outras regiões foi diminuído para 2.

Além disso, lotes com menos de doze metros de testada não estavam autorizados a construir edificações verticais. Como efeito, os incorporadores tiveram de adquirir, muitas vezes, dois ou mais lotes para construir seus empreendimentos, encarecendo-os e deslocando as habitações de classe média para bairros mais afastados, conforme destaca Chaves.

Também foram inibidas as construções de edificações verticais menores, pois pequenos lotes apresentam essa tendência, devido à logica estrutural necessária para levantar grandes edifícios, que precisam de uma grande base, que não é possível em pequenos lotes.

Porto
Porto de Belém. (Imagem: Wikimedia)

Outro incentivo perverso que se cria com uma resolução dessa é a criação, cada vez maior, de condomínios fechados e independentes, que não dialogam com o restante da cidade, fato que é alimentado também pelas exigências dos recuos frontais obrigatórios. Com isso, cria-se uma calçada monótona e sem vida, além de reforçar a divisão entre comércio, trabalho e moradia.

Em 2008, o atual plano diretor da cidade seguiu a mesma lógica adotada desde 1979, de inibição da verticalização. Todavia, a cidade parece se verticalizar apesar da intenção de seus planejadores. Centenas de empreendimentos foram concluídos na última década.

Entretanto, assim como ocorre em todo o Brasil, a verticalização artificial não oferece as vantagens que a verticalização espontânea apresenta, tampouco ameniza os problemas que ela traz.

Belém, perspectivas para o futuro

Cidades são laboratórios de teorias e legislações urbanas. Uma mesma cidade pode apresentar um rico material de análise sobre diferentes teorias urbanas, legislações e prática urbanística. Olhar o passado é fundamental para compreender o presente e construir o futuro.

A verticalização compreende um fenômeno natural para as grandes cidades, especialmente nos tempos atuais, em que a demanda por terra urbana é crescente. Verticalizar, portanto, é uma alternativa real para as metrópoles brasileiras. Seu custo-benefício supera as adversidades criadas pelo processo, como perda de ambiência e eventuais ilhas de calor, que podem e devem ser mitigadas.

Skyline de Belém
Skyline de Belém a partir da Ilha do Combú. Em primeiro plano, o Rio Guamá. (Imagem: MTur Destinos – Bruna Brandão/Flickr)

Belém adotou diferentes políticas urbanas para a sua verticalização ao longo do século XX. Atualmente, sua legislação é complexa e, por vezes, contraditória, inibindo grandes índices de aproveitamento, ao mesmo passo que privilegia grandes empreendimentos, ao restringir as construções aos grandes lotes.

Dessa maneira, é necessário que erros do passado não voltem a se repetir. Verticalização não é um processo que deva ser criado de forma artificial, mas sim corresponder a um processo natural, como resposta espontânea que moradores e empreendedores criam para resolver demandas de habitação, comércio, escritórios, lazer, entre outros.

Também não deve ser criminalizada, pois acarreta em efeitos perversos, como aumento da distância entre periferia e centro, que encarece a infraestrutura e dificulta a mobilidade urbana. Com isso em mente, é possível criar uma Belém mais aberta para a vida urbana e dinâmica, proporcionando melhores condições e oportunidades para os seus habitantes.

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  • “Não imagina o resto do país a metrópole cosmopolita que é Santa Maria de Belém do Grão-Pará”

    Euclydes da Cunha

  • Parabéns pelo trabalho e pelas ideias. Queremos convidar você para uma palestra para o Sonduscon Pará. Como devo proceder?

  • Olá, boa tarde! Moro em Belém e esse artigo expressa um pensamento livre das amarras ideológicas vigentes. Me identifico bastante com a ideia de liberdade. Parabéns, ganharam um leitor e divulgador da página!