Áreas de recreação nas edificações: tirando as pessoas das ruas

Áreas de recreação nas edificações: tirando as pessoas das ruas

Em tempos de vitalidade urbana, cidades compactas e para as pessoas, a recreação privada é um caminho inverso ao que deveríamos focar.

3 de maio de 2019

A criação de espaços de uso comum e áreas de recreação datam de meados do século XX. Nesta época, poucos edifícios eram cercados e a questão da segurança não existia como nos dias atuais. Neste texto iremos abordar a evolução desta área na legislação urbanística da cidade do Rio de Janeiro.

As legislações iniciais da cidade do Rio de Janeiro não abordavam as áreas de recreação, tratando de matérias pertinentes como cocheiras, estábulos, vilas, chaminés e casas de madeira.

Nem mesmo o Decreto do Distrito Federal n° 6.000 de 1 de julho de 1937, considerado o Código de Obras mais consistente da primeira metade do século XX, abordava esta questão, exceto no que diz respeito a escolas e asilos.

Somente com o decreto do Distrito Federal n° 10.753 de 24 de janeiro de 1951 é permitido a utilização do “pilotis”, de uso comum, e a ocupação acima do último pavimento e sua não contagem no número de pavimentos de uma edificação e a não permissão do fechamento do pavimento aberto.

Em 1956, a Lei n° 848, dispõe sobre a obrigatoriedade de áreas destinadas a recreação infantil nos prédios de apartamentos. Estas poderiam se localizar nas áreas de frente ou de fundo do lote, no terraço da cobertura da garagem situada nos fundos do lote e no terraço de cobertura do edifício, devendo sua localização ser escolhida de maneira tal que a mesma tenha insolação diária garantida durante todo o ano. Nos edifícios sobre pilotis, a área coberta poderia situar-se no pavimento térreo.

Esta área deveria ter a proporção mínima de setenta e cinco decímetros quadrados por quarto existente no edifício, devendo ser contínua e não podendo, entretanto, ser inferior a 40m². A área de recreação apresentaria forma que permitisse a inscrição no seu piso de uma circunferência com raio mínimo de 2,5m e ser parcialmente coberta até o máximo de 50% de sua superfície.

A incorporação das áreas de recreação às edificações cria sérios danos à vitalidade da região
A incorporação das áreas de recreação às edificações cria sérios danos à vitalidade da região. (Imagem: DCArquitetura)

Em 1968, o Decreto n° 1.077, que regulamentou a Lei n°1574/1967 (Lei do Desenvolvimento Urbano e Regional do Estado da Guanabara), determinava que os “playgrounds” nas edificações residenciais multifamiliares deveriam possuir local centralizado para administração, área de recreação com proporção mínima de 0,5m² por compartimento habitável.

O Decreto “E” n° 3.800 de 1970, que aprovou o novo Código de Obras do Estado da Guanabara, determinava que o “pavimento destinado às dependências de uso comum (pilotis) obrigatório ou não, deverá ficar situado ao nível do meio-fio ou sobre a parte da edificação com uso comercial ou destinada a estacionamento”. e que este pavimento não seria computado na dimensão vertical dos prismas de iluminação e ventilação, nem sua área computada no cálculo da ATE.

Já como capital do estado, após a fusão, o prefeito Marcos Tamoyo assinou o Decreto n° 51 de 1975 que no seu artigo 5º incisos I e II, determinava que, acima do último pavimento das edificações afastadas das divisas, seriam admitidos terraços descobertos para qualquer uso (piscinas, belvedere, dependências de unidades residenciais ou de cobertura, assim como compartimentos destinados as atividades sociais dos condomínios (salas para recreação ou festas), obedecido um afastamento mínimo 5m em relação ao plano da fachada.

Em 1976 o Decreto n° 322 de 1976, no seu artigo n° 137, exigia, acima de sete unidades residenciais, uma área de recreação não inferior a 40m². O Regulamento de Construção de Edificações Residenciais Multifamiliares de 1988 determina que esta área seja calculada na proporção de 3m² para cada unidade residencial.

Em 2016 começamos a ver um recuo neste processo de áreas comuns privadas. A Lei Complementar n° 166 de 2016 faculta a construção de área de recreação até 100 unidades residenciais. Nos edifícios que tivessem mais que 100 unidades passaria a ser exigido 1m² de recreação para cada unidade.

A recreação foi ganhando força com o aumento da insegurança nas ruas e foi usado para valorizar comercialmente os novos empreendimentos. O marketing imobiliário passou a chamar estas áreas como ‘condomínios clube’. Nestes tempos que os urbanistas falam tanto de vitalidade, cidades compactas e para as pessoas, a recreação privada é um caminho inverso ao que deveríamos focar, tirar as recreações do espaço privado para que elas tenham que usar os espaços públicos é o caminho para a vitalidade nas cidades.

Texto publicado originalmente em DCArquitetura em 14 de janeiro de 2019.

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  • E o recuo no que diz respeito a áreas de lazer é pontual. Com vista a reduzir custos para eventuais edificações para o Minha Casa, Minha Dívida em regiões periféricas da cidade.

  • “Para todo problema complexo existe sempre uma solução simples elegante e completamente errada”, essa frase resume bem a ideia de que privatizar a cidade inteira e cobrar ingresso é a solução. Tanto que quando estudamos casos bem sucedidos de urbanismo nunca é um parque murado e fechado, e sim espaços público vitais e democráticos.

    É uma questão de lógica o fato da privatização ser excludente, visto que a iniciativa privada visa unicamente o lucro e grande parcela da população possui baixa renda, não dispondo de poder aquisitivo para pagar por lazer, algo que é constitucionalmente previsto a todos os cidadãos de forma gratuita.

    A tua afirmação de que é zero o incentivo para a utilização de espaços públicos não é verdade. Sugiro que pesquise a respeito da recém inaugurada obra de requalificação da Orla do Guaíba em Porto Alegre. Um espaço com imenso potencial e que anteriormente era subutilizado, hoje em dia é uma área com movimento intenso de pessoas, tanto durante o dia quanto a noite, e que também é público, democrático e seguro. Esse é apenas um exemplo de requalificação de espaço público bem sucedido, sendo um esforço conjunto de inciativa público-privado. Se pesquisares um pouco mais irá encontrar outros.

  • Entendo o excesso de regulamentação, porém eu não vejo problema na recreação dentro do espaço privado.
    Existe uma demanda por um espaço de recreação com segurança e privacidade, o mercado atendeu essa demanda.
    Não é apenas um fenômeno exclusivo dos condomínios.
    No Brasil se você procura um espaço de recreação ou um espaço comercial com privacidade e segurança, então você procura um espaço administrado pelo setor privado visando o lucro e o bem estar.
    Os espaços com maior segurança dentro do Brasil são espaços privados.
    Então fica a pergunta: não seria mais fácil privatizar o que restou de espaço público?
    Por que não focar na privatização das ruas,praças e avenidas e fazer valer o sistema de preços para esses espaços?

    • O artigo trata exatamente o contrário disso. A sensação de insegurança nas ruas é um resultado da falta de pessoas ocupando espaços públicos, e não o inverso. A recreação em condomínios tira as pessoas da rua e aumenta a insegurança de quem circula em espaços públicos. Privatizar ruas, praças e avenidas, cobrando para serem utilizadas, vai contra o direito da população, independente da classe social, de ter acesso a lazer de forma democrática.

      • Discordo completamente.
        A insegurança nas ruas públicas não é um mero sentimento subjetivo relacionado a sensação.
        A falta de pessoas ocupando os espaços é uma falácia, tendo em vista que os bairros mais afastados ou de periferia são bairros onde os espaços são ocupados pelos moradores com maior frequência e mesmo assim a falta de segurança ainda existe.
        É preciso separar e medir os incentivos, quais os incentivos para o espaço público funcionar e atender as demandas?
        A reposta é zero.
        Uma vez que a administração desses espaços está sujeita ao capricho ou boa vontade de uma “autoridade pública”.
        Dentro do mercado, pelo contrário, existe grande interesse em zelar pelo espaço e atender as demandas por segurança e privacidade.
        O modelo defendido pelo artigo é uma modelo que em tese se sustenta exclusivamente na “boa vontade” do poder público e como mostra a realidade, é um modelo fracassado.
        Outra falácia é acreditar que a privatização dos espaços é excludente
        Muito pelo contrário, a privatização dos espaços faz valer a regra básica econômica da escassez, assim fazendo valer o sistema de preços.
        Dentro de um sistema de preços livre, qualquer espaço pode operar conforme sua demanda.
        O modelo atual, além de ter carência de incentivos, também ignora completamente a regra de escassez, assim caindo no erro fatal de realizar livre oferta de um bem escasso, assim gerando congestionamentos, transtornos e violência.

        O espaço é um recurso escasso portanto o seu uso racional deve ser feito através do sistema de preços que operam sobre as regras de oferta e demanda.
        Escrever o contrário em um pedaço de papel e chamar de “direito” não vai mudar a realidade das coisas.