A revolução silenciosa dos carros autônomos
Foto: Wikimedia Commons

A revolução silenciosa dos carros autônomos

Depois de anos de ceticismo, os carros autônomos emergem com força e começam a redesenhar a mobilidade urbana. Precisamos nos preparar para as mudanças que vêm pela frente.

11 de dezembro de 2025

2016 parecia um ano de glória para os carros autônomos. A Waymo deixa de ser um projeto dentro da Google e formaliza seu spin off como uma empresa própria. A Uber entra no mercado de carros autônomos em parceria com a Volvo, montando um centro de desenvolvimento em San Francisco. O valor de mercado de empresas desenvolvendo carros autônomos dispara. O noticiário brasileiro cobria a euforia de perto, levantando o debate a respeito da segurança (ou não) da tecnologia no futuro.

A tecnologia, nada trivial, avançou mais devagar do que muitos imaginavam e, não se concretizando na mesma velocidade da cobertura midiática, o assunto parecia ter morrido. Alguns até devem ter reforçado seu ceticismo, imaginando mais uma promessa furada.

No entanto, 2025 marca o ano da revolução silenciosa dos carros autônomos. Em dezembro deste ano, a Waymo anunciou o recorde de 450 mil viagens realizadas por semana. Em sua maior praça, São Francisco, a empresa já é a segunda maior empresa de corridas por aplicativo, tendo ultrapassado a Lyft com entre 20% e 25% de todas as corridas realizadas na cidade.

A Tesla é uma concorrente que vem atrás, prometendo incomodar a dominância da Waymo no mercado. A empresa de Elon Musk tem o posto de montadora de automóveis mais valiosa do mundo por seguir uma estratégia diferente: enquanto a maioria das empresas de carros autônomos utiliza o LiDAR — tecnologia que emite um laser em alta frequência mapeando o ambiente ao seu redor em 3D —, Musk acredita que se humanos conseguem dirigir utilizando como receptores de informação apenas seus olhos e ouvidos, carros deveriam conseguir dirigir sozinhos utilizando apenas câmeras e sensores mais convencionais. Assim, a promessa é de que os carros Tesla que já estão no mercado conseguiriam ser automatizados apenas com uma atualização do seu software.

Carro da Waymo, concorrente da Tesla, com um sensor LiDAR acoplado. Foto: Wikimedia Commons

A realidade é que, com a explosão dos modelos de inteligência artificial a partir do aumento da capacidade computacional nos últimos dois anos, a indústria dos carros autônomos foi enormemente beneficiada, podendo acelerar e refinar os modelos que já tinham acumulado milhares de quilômetros de dados no mundo real nos anos anteriores.

Anúncios agora se proliferam, como a Zoox, da Amazon, inaugurando uma fábrica com capacidade para produzir 10 mil carros autônomos por ano, e a Volkswagen anunciando o lançamento do ID.Buzz, modelo que substituiu a Kombi, em versão autônoma no ano que vem. Na China, a Pony.ai opera mais de 900 carros em Pequim, Shanghai, Guangzhou e Shenzhen e, até o final de 2026, planeja chegar a 3000 veículos e ampliar suas operações para outros oito países. Seoul, correndo atrás, lançou um serviço de micro-ônibus autônomo ao longo do seu emblemático arroio Cheonggyecheon.

Leia mais: Viagens compartilhadas usando veículos autônomos

O que isso significa para as cidades e os sistemas de transporte?

O primeiro impacto direto dos veículos autônomos é justamente nos motoristas, profissionais que serão substituídos pela tecnologia. Em 2016, a justificativa da Uber em desenvolver seus próprios carros autônomos era porque sabia que essa tecnologia seria o maior risco para sua própria disrupção, dado que o serviço fundamental que ela presta é conectar motoristas e passageiros. Se motoristas deixam de existir, desaparece o diferencial da Uber perante seus concorrentes. Sentindo a pressão, a Uber fechou cedo uma parceria com a Waymo em Austin e Atlanta, permitindo chamar um Waymo através do seu aplicativo. Apesar de líder de mercado, a Uber passou a ser o trampolim para a escalada da sua nova concorrente.

Só nos Estados Unidos, há pelo menos 2 milhões de motoristas trabalhando em plataformas como Uber e Lyft, e a Uber possui mais de 7 milhões de motoristas globalmente, sendo o Brasil a sua maior praça global, com 1,4 milhões de motoristas cadastrados. O número de motoristas de caminhão nos Estados Unidos e no Brasil chega ao dobro, outra profissão que também pode estar prestes a ser substituída.

Para as cidades, o horizonte com carros autônomos não é tão claro. O maior benefício direto é a redução de mortes no trânsito, dado que a vasta maioria dos acidentes são causados por falha humana e carros autônomos já se mostram muito mais seguros que motoristas humanos. Considerando frotas elétricas e sem precisar remunerar o motorista, também é possível prever uma redução drástica no custo de viagens, assim como na demanda por estacionamentos: se o carro não encontra uma vaga, pode ficar rodando e voltar para buscar o passageiro.

E o trânsito?

Urbanistas desenham uma série de hipóteses sobre o que pode ocorrer com o trânsito, a depender de como esses veículos serão regulados e incorporados ao ambiente urbano. Por si só, carros autônomos tendem a dirigir melhor e, em escala, utilizariam melhor a malha viária ao reduzir os acidentes, as distâncias entre os veículos e também os tempos de resposta para aceleração. No entanto, o cálculo não é tão simples.

Solly Angel, em “Planet of Cities”, descreve que, historicamente, a cada introdução de uma tecnologia de transporte — da carroça puxada à cavalo a linhas de bondes a rodovias — ocorre uma onda de espraiamento das manchas urbanas. Isso ocorre porque, ao reduzir o custo do deslocamento, há uma valorização da terra em locais mais distantes, induzindo a ocupação de periferias. Esse efeito, sem qualquer regulação do uso viário, leva ao aumento do uso do automóvel e, consequentemente, do trânsito.

Ao mesmo tempo, o que pode ser um benefício na redução de custos operacionais e vagas de estacionamento pode significar milhares de veículos rodando vazios pela cidade, ocupando espaço público “de graça” ao invés de pagar pelo seu espaço em uma garagem. Caso isso ocorra, talvez seja finalmente o efeito necessário para a sociedade entender o custo do espaço ocupado pelos carros nas ruas, tornando mais politicamente palatável o avanço nas políticas de taxa de congestionamento.

As cidades brasileiras precisam se preparar — e rápido — para a introdução de carros autônomos no meio urbano, antes que seja tarde.

Talvez a consequência mais avassaladora da redução de custos operacionais do transporte individual seja mais um golpe na demanda do transporte público de massa, que há anos vem perdendo passageiros e hoje exige subsídios intensos para viabilizar as operações. Caso sigamos um debate meramente em nível de financiamento do transporte público, sem ajustes operacionais, veremos o colapso total do sistema, exigindo subsídios ainda mais exorbitantes do que são modelados atualmente.

Leia mais: Carros autônomos são novo desafio no Brasil | Entrevista com Anthony Ling

O que essas hipóteses mostram é que as cidades brasileiras precisam se preparar — e rápido — para a introdução de carros autônomos no meio urbano, antes que seja tarde. Uma revolução dessa magnitude não deveria ser tão silenciosa.

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