Bairros nunca tiveram o propósito de serem imutáveis
As mudanças nos bairros e nas cidades ao longo dos anos é natural e tentar impor restrições para elas é um equívoco.
A acessibilidade desempenha um papel-chave no desenho e avaliação de políticas de transporte, ajudando a equilibrar as oportunidades entre ricos e pobres.
19 de março de 2019A acessibilidade desempenha um papel-chave como mecanismo para o desenho e avaliação de políticas de transporte. Ao incorporar este indicador, as discussões sobre o desempenho dos sistemas de transporte, além dos custos, do nível do serviço, frequências, horários e outras métricas utilizadas na prática são enriquecidas. Essa visão leva em conta os desequilíbrios territoriais, que levariam ao desenvolvimento de sistemas de transporte progressivos que ajudam a fechar a lacuna entre ricos e pobres, um grande problema nas cidades do mundo em desenvolvimento.
A aplicação de métricas de acessibilidade que examinam o desempenho do Sistema Integrado de Transporte Público (SITP) em Bogotá pode se tornar um elemento comum entre o conjunto de ferramentas de planejamento de transporte nas cidades que buscam melhorar a conectividade do transporte público. Este estudo tem o objetivo de enriquecer os debates sobre transporte urbano e inclusão social.
Bogotá iniciou a implantação do SITP em 2012. Entre esse ano e 2015 atingiu aproximadamente 74% de implantação, entre rotas, paradas, pátios, motoristas e veículos. Mudanças no sistema de transporte durante este período redefiniram as condições de viagem, que tiveram impacto na acessibilidade.
A cidade de Bogotá apresenta diferenças importantes na distribuição da população em todo o seu território. As áreas mais densas da cidade estão localizadas na periferia, onde estão os bairros mais vulneráveis, principalmente nas bordas sul e oeste. Adicionalmente, o setor residencial da cidade é dividido em estratos socioeconômicos, classificação que estimulou a segregação espacial na cidade, onde os estratos mais baixos estão longe dos principais centros de emprego e têm baixos níveis de acessibilidade.
A evolução do transporte público em Bogotá tem sido marcada por grandes desafios e alguns erros. O esquema tradicional de fornecimento de transporte público caracterizou-se pelo excesso de oferta de ônibus com baixa qualidade de serviço, aumentando o congestionamento e com efeitos negativos na segurança rodoviária. Como resultado de tais esforços, o sistema de BRT de Bogotá, chamado Transmilenio (TM), nasceu no final da década de 1990. No entanto, nessa época, a maioria das rotas do sistema tradicional continuava funcionando normalmente. Para melhorar a organização do sistema e sua eficiência, os governos locais decidiram implementar o SITP, que incorporou um controle centralizado de rotas e veículos, e uma integração da tarifa para a operação de todo o sistema.
A apressada implementação do sistema, somada às ineficiências da administração, à forma de contratação e às restrições orçamentárias, fez com que a implementação do SITP permanecesse incompleta no que diz respeito ao seu desenho conceitual.
Neste caso, a acessibilidade foi definida como “a facilidade de chegar aos destinos desejados, dadas as oportunidades disponíveis e os custos associados à viagem desde a origem até o destino”. De acordo com essa definição, o número de oportunidades disponíveis e sua distribuição no território tornam-se características essenciais para determinar a acessibilidade que um indivíduo pode ter.
Portanto, mercados de trabalho centralizados e estruturas urbanas espacialmente segregadas podem implicar desigualdades que afetam diretamente a capacidade de diferentes grupos sociais de acessar o transporte e essas oportunidades. Os sistemas de transporte urbano, como o transporte público, desempenham um papel importante para que indivíduos e grupos sociais possam superar tais desigualdades sociais e espaciais, não apenas facilitando o acesso ao mercado de trabalho formal, mas também as inúmeras oportunidades adicionais que oferece uma cidade.
Diante disso, a acessibilidade de um indivíduo ou grupo ao trabalho através do sistema de transporte público é estimada como o número total de locais de trabalho que podem ser acessados a partir de sua residência dentro de um tempo de viagem definido. A concentração de empregos em áreas específicas de Bogotá, entre outros elementos, tem causado problemas significativos de desigualdade no acesso a oportunidades de trabalho, afetando especialmente grupos de baixa renda.
O centro da cidade e sua expansão para o norte concentram quase 44% das atividades relacionadas ao emprego, em 12% da área urbana. O processo de urbanização de Bogotá fez com que a população de renda mais alta se deslocasse progressivamente para o norte, enquanto a população de baixa renda se mudasse para o sul ou para os municípios vizinhos.
Os tempos médios de viagem em Bogotá ainda são altos. De acordo com os dados analisados, em 2011 o tempo médio de viagem em todos os modos de transporte foi de 59 minutos e, em 2015, 56 minutos. No entanto, enquanto o tempo de viagem é entre 80 e 110 min para os estratos socioeconômicos de menor renda; para alta renda, está entre 50 e 70 minutos em 2011. Em 2015, o resultado ficou entre 70 e 80 minutos para todos os estratos. Em 2015, para uma determinada família atingir 25, 50 e 75% das oportunidades de emprego, o tempo de viagem foi, respectivamente, de 58, 71 e 101 minutos. Isso representa um aumento entre 4 e 16% em relação a 2011 (antes do SITP).
Em 2011, dentro de uma hora de viagem, era possível atingir 79% dos postos de trabalho na cidade, enquanto em 2015 esse número caiu para 34%. Em resumo, as curvas de acessibilidade dos estratos mais altos mostram um aumento na acessibilidade ao trabalho devido à proximidade geográfica das áreas de concentração de emprego.
Este resultado é consistente com o que foi observado, uma vez que as áreas de renda mais alta alcançam mais de 50% do emprego em menos de 50 minutos. Na direção oposta, as curvas dos estratos mais baixos permitiram observar que o tempo médio de acesso ao emprego pode chegar a até 2 horas de viagem.
As áreas localizadas mais próximas dos corredores da TM e do centro da cidade tendem a mostrar valores de tempo inferiores à média da cidade. No caso dos estratos socioeconômicos mais baixos, os tempos aumentam 1,5 vezes em comparação com a média. Isso permite deduzir que a proximidade da enorme infraestrutura de transporte parece estar relacionada a melhores níveis de acessibilidade, em termos de tempo de viagem.
Apesar de todas as áreas de atuação do SITP mostrarem uma deterioração no indicador de acessibilidade, o noroeste da cidade apresentou maior queda em seus níveis de acessibilidade, já que seu indicador teve uma redução de 73%. Em outras palavras, antes da implementação do SITP, seus moradores poderiam chegar a 56% dos empregos na cidade em 1 hora de viagem.
Após a implementação do SITP, este indicador foi reduzido para apenas 15%. Embora o novo sistema de transporte público tenha aumentado sua cobertura espacial para quase toda a cidade, a acessibilidade (medida dessa forma) continua limitada para as pessoas que utilizam o sistema de transporte público de Bogotá.
Por fim, o indicador de acessibilidade apresentado permite evidenciar valores para subsidiar a tomada de decisão, visando reduzir as desigualdades presentes na cidade. A utilização deste tipo de indicadores permite visualizar as consequências distributivas das decisões técnicas. No entanto, o indicador de acessibilidade é um instrumento importante e poderoso para avaliar o desempenho de um sistema de transporte público.
O caso da implementação do SITP em Bogotá permite ser uma referência para o desenho de futuras políticas de transporte em contextos similares. Embora o sistema de transporte tenha sido reorganizado, o SITP não mitigou os efeitos negativos sobre a acessibilidade, afetando principalmente as áreas mais vulneráveis da cidade.
Para maiores informações: Guzman, L.A.; Oviedo, D.; Cardona, R. Accessibility Changes: Analysis of the Integrated Public Transport System of Bogotá. Sustainability 2018, 10, 3958.
Artigo traduzido por Gabriel Lohmann.
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