O que o Parque Ibirapuera em São Paulo tem a ver com o Nobel de Economia?
Na perspectiva do desenvolvimento econômico, vemos que alguns aspectos da configuração urbana de São Paulo são excludentes.
Diferente do que se imagina, a receita dos operadores de transporte público aumentaria com a redução do preço da passagem. Mas como reduzir a tarifa?
15 de dezembro de 2017Desde as jornadas de junho de 2013, ficou claro que a população não está satisfeita com o transporte coletivo no país, especialmente pelo valor da tarifa. Um estudo do IPEA de 2011 analisou a evolução da tarifa e o comportamento da demanda por transporte coletivo de 1998 a 2008. O trabalho concluiu que a variação de usuários é elástica em relação à tarifa — ou seja, se a tarifa aumentar em 1%, o número de usuários vai cair em mais do que 1%. Isso significa que, diferente do que se imagina, a receita dos operadores de transporte público aumentaria com a redução do preço da passagem.
Visto que o valor cobrado é um dos fatores que mais colaboram para o círculo vicioso de degradação do transporte coletivo, seu barateamento deveria ser prioridade nas cidades brasileiras. Isso acarretaria no aumento do número de passageiros e, consequentemente, no aumento da receita dos operadores, gerando investimento no sistema e melhorando a qualidade do serviço.
Esse fato não é novidade. A dúvida é: de que forma e com que instrumentos seria possível baratear a tarifa?
Cabe aqui uma nota: evidente que parte do problema vem de distorções no sistema, como o excesso de gratuidades e isenções. É muito comum usuários de menor renda arcarem com gratuidades concedidas a pessoas de renda mais alta. No entanto, apenas eliminar essas discrepâncias não seria o suficiente para reverter o ritmo de crescimento das tarifas. É preciso buscar outras fontes.
Ao contrário de boa parte das grandes cidades dos Estados Unidos e da Europa, na América Latina, em geral, a remuneração ainda é feita exclusivamente por meio da tarifa, com algumas exceções como São Paulo e Bogotá. Em algumas cidades da Europa, por exemplo, apenas cerca de metade dos custos dos operadores são cobertos pela tarifa, sendo o restante financiado por subsídios públicos ou outras fontes de receitas.
No caso do Brasil, existe o artifício do vale-transporte, em que o trabalhador desconta 6% de seu salário para pagar pelo trajeto até o trabalho, e o excedente deste valor é arcado pelo empregador. O problema desse tipo de política é que ela só afeta trabalhadores com carteira assinada. Num país onde o grau de informalidade chega perto dos 40%, alcançando 80% entre os trabalhadores de baixa renda, o vale-transporte é pouco eficiente como política social direcionada aos mais carentes. Em outro estudo, o IPEA concluiu que apenas 26% dos trabalhadores de baixa renda eram atendidos pela política em 2011.
A teoria microeconômica pode ajudar a propor soluções para o problema do financiamento do transporte público por meio do estudo das externalidades. Externalidades ocorrem quando o consumo ou a produção de algo por parte de alguém acarreta em ganhos (externalidades positivas) ou prejuízos (externalidades negativas) para terceiros, sem que isso seja planejado. O clássico exemplo de externalidade negativa é a fábrica que despeja resíduos em um rio, poluindo-o e gerando um prejuízo para qualquer um que faça uso dele. O que se recomenda nessa situação é que os custos sociais (externalidades negativas) sejam “internalizados” pelo produtor das externalidades — no caso, a fábrica. Uma forma eficiente de se fazer isso seria cobrando uma taxa proporcional à poluição do rio, para que a empresa leve em consideração os impactos ao meio ambiente.
Do ponto de vista da mobilidade urbana, a maior parte das externalidades negativas são geradas pelos automóveis individuais, cujo uso desmedido é responsável pelos crescentes congestionamentos, pela piora da qualidade do ar e pela maior probabilidade de acidentes de trânsito. Quem utiliza seu carro costuma levar em consideração somente custos pessoais, como combustível e estacionamento, e não os custos sociais já mencionados. Sob a ótica do transporte coletivo, esse fenômeno é ainda mais problemático em função dos atrasos que o excesso de carros impõe aos ônibus.
Uma alternativa já aplicada em cidades como Londres, Madrid, Estocolmo e Singapura é a taxa de congestionamento, uma das recomendações do Guia de Gestão Urbana. Neste sistema, um veículo individual é obrigado a pagar uma taxa para utilizar certa via ou acessar determinada região da cidade, geralmente o centro. Dessa forma, os custos sociais seriam “internalizados” pelos motoristas.
Um exemplo famoso da aplicação da taxa de congestionamento é o da capital da Suécia, Estocolmo. Iniciado em 2006, o sistema ficaria ativo por seis meses, e só seria continuado após a realização de um referendo popular. O resultado do referendo foi positivo, com 53% dos votos a favor da manutenção da taxa. Em 2011, estimou-se uma redução de 20% do tráfego na região central de Estocolmo. Atualmente o sistema já possui cerca de 65% de aprovação da população, mostrando que, à medida em que os efeitos positivos da taxa são sentidos, sua aprovação tende a aumentar.
No Brasil, a Política Nacional de Mobilidade Urbana, criada pela Lei 12.587/12, já regulamenta e permite esse mecanismo como possível fonte de recursos para investimento em infraestrutura ou subsídio à tarifa do transporte público. Resta aos gestores municipais começar a adotá-la.
Outra maneira de fazer com que os automóveis lidem com os problemas que causam é por meio de uma taxa sobre a comercialização de combustíveis, principalmente se aplicada dentro do perímetro urbano. No Brasil, desde 2001 já existe a CIDE-Combustíveis (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico), um tributo que incide sobre a importação e comercialização de combustíveis fósseis e que deve, necessariamente, ser utilizado para programas ambientais. Hoje, porém, só 7,25% dos recursos recolhidos pela CIDE-Combustíveis são destinados para os municípios — justamente onde o investimento é mais importante.
De todas as propostas aqui apresentadas, o imposto sobre combustíveis é a que está mais próxima de se tornar realidade. Desde 2007 já existe a Proposta de Emenda à Constituição 159/2007 (PEC159/07), que cria uma espécie de CIDE-Municipal. Pela proposta, os municípios seriam autorizados a criar um imposto incidente sobre as vendas de gasolina no varejo, e todo o valor arrecadado seria utilizado no investimento ou custeio dos sistemas de transporte urbano.
Um estudo preliminar realizado pela Fundação Getúlio Vargas concluiu que a criação do imposto reduziria a inflação. Isso porque o aumento de preços da gasolina seria mais do que compensado pela redução dos valores das tarifas de transporte urbano. Uma simulação realizada pelo estudo na cidade de São Paulo também concluiu que um imposto de R$ 0,10 sobre o litro de gasolina seria suficiente para reduzir os valores de tarifa de ônibus em até R$ 0,30.
Já chegamos à conclusão de que o vale-transporte é uma política insuficiente no contexto brasileiro. Qual seria, então, a solução mais próxima? Além dos usuários, as empresas públicas e privadas também são beneficiadas por um sistema eficiente, em função do ganho de produtividade advindo de funcionários menos estressados e cansados e, também, em função da diminuição das abstenções e atrasos que ocorreriam.
Pensando nisso foi formulado, na França, o Taux Du Versement Transport (TVT), um imposto incidente sobre a folha salarial de todas as empresas públicas ou privadas com mais de nove empregados, e responsável por 37% das receitas dos sistemas de transporte urbano e metropolitano. Assim como nas propostas anteriores, este projeto sofreria resistência. Implantado, porém, como um substitutivo ao vale-transporte, poderia ser mais justo e eficiente em beneficiar a população mais necessitada, visto que o benefício seria divido entre todos os usuários do sistema — mesmo os que não se encontram no mercado formal.
Um instrumento eficiente na geração de recursos para a infraestrutura de transportes é o da captura de valor de habitações e estabelecimentos comerciais. A captura funciona da seguinte forma: ao construir uma nova linha de metrô, por exemplo, os imóveis localizados nas suas proximidades são valorizados. Como nos exemplos anteriores, o que a teoria econômica sugere é que se “internalizem” as externalidades — ou seja, que parte da valorização do entorno seja “capturada” pelo poder público para ajudar a financiar os investimentos em infraestrutura.
Um modelo particularmente interessante de captura de valor imobiliário é o de São Paulo, existente desde a década de 1980. Quando a prefeitura planeja um projeto de reurbanização ou infraestrutura em determinada região da cidade, ela vende títulos para empresas de construção civil em leilões. Esses títulos nada mais são do que permissões para as empresas construirem além das alturas permitidas pelo plano diretor na região.
O exemplo mais clássico dessa prática é o do modelo “rail plus property” (trilhos mais propriedade, em tradução livre), do Mass Transit Railway (MTR) de Hong Kong. A gestão do MTR é feita pela MTR Corporation Limited (MTRCL), uma empresa de capital misto cujo acionista majoritário é o governo de Hong Kong. Além de operadora, a MTRCL também é uma das maiores incorporadoras de empreendimentos imobiliários de Hong Kong, desenvolvendo diversos projetos no entorno de onde serão as futuras linhas de metrô — também construídas por ela. Seus empreendimentos, depois de finalizados, podem ser vendidos para ajudar a custear os investimentos na expansão do sistema, ou alugados para gerar receitas constantes. Hoje o MTR possui dois dos maiores arranha-céus de Hong Kong, assim como diversos shopping centers, escritórios e residências que geraram uma receita de mais de 270 milhões de dólares só em 2012 para o sistema por meio de aluguéis.
Um problema desse tipo de instrumento é que ele não é capaz de financiar a operação do sistema no longo prazo, já que a arrecadação do incremento de valor é feita apenas uma vez e, portanto, não é capaz de influenciar diretamente o valor da tarifa. No entanto, melhorias nos sistemas de transporte reduzem os custos dos operadores e, por consequência, a necessidade de financiamento, impactando a tarifa.
Bem executado, o aluguel de espaços em estações e terminais se torna um excelente instrumento de arrecadação. No Brasil, esse tipo de sistema costuma gerar receitas singelas, insuficientes para arcar com custos de operação do transporte público.
Um caso particularmente interessante é o do metrô de Chicago, o METRA. A maioria das suas estações possui espaços para aluguel que incluem pequenos estabelecimentos comerciais. O grande diferencial do METRA, no entanto, é o MetraMarket. Localizado no nível do solo, ao lado de um dos terminais mais movimentados da rede, o MetraMarket é um mercado de quase 10.000 metros quadrados, com os mais diversos estabelecimentos comerciais, incluindo um mercado municipal com produtos locais. O local é visitado por mais de 120.000 pessoas diariamente somente em função do fluxo de entrada e saída dos passageiros da estação — uma excelente localidade para a instalação de um estabelecimento comercial. Todo o espaço no Market foi alugado a preços de mercado, e o contrato de locação prevê, além do valor base, um adicional em percentual das vendas, gerando receitas que são utilizadas para garantir a expansão do sistema e o custeio da operação.
Diante dessas possibilidades, conclui-se que não faltam possibilidades para melhorar o financiamento do transporte coletivo nas cidades brasileiras. É claro que será necessária vontade política e mobilização por parte da sociedade para que algumas destas medidas se concretizem. No entanto, o primeiro passo para a solução do problema é a informação das partes, para que possamos cobrar as medidas concretas de nossos governantes.
Mateus Bandeira da Cunha é formado em engenharia civil e faz mestrado em economia aplicada — ambos pela UFRGS. Seu texto, presente nesta página, ficou em 3º lugar no Concurso de Artigos do Caos Planejado.
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Eu adicionaria ainda uma forma de cobrança aonde o passageiro pague pela distância que utilizar o sistema. Isso incentivaria muito as pessoas utilizarem o transporte público quando precisam percorrer pequenas distâncias. Estabalece-se um limite do valor que, caso a pessoa faça uma grande viagem, ou queira dar o “jeitinho brasileiro” e não registrar sua saída (como funcionam os metrôs) pagam a taxa máxima. Cidades como Sydney já adotaram esse modelo, confesso que desconheço se efetivamente aumentou o numero de usuários, mas certamente melhor a experiência deles.
texto faz refletir sobre vários aspectos. pensando como um todo, para o bem da sociedade e maquina publica. Mesmo que pese no bolso do contribuinte, que já tem uma enorme carga tributária para arcar. Sendo melhor, direcionar estas arrecadações para um propósito mais social e justo. E não bancar estes salários/verbas , quantias astronômicas, para parlamentares/executivo/judiciário, que não abrem mão dos seus ganhos imorais.
Eu adicionaria a essa lista…
* Publicidade nos veículos (incluindo envelopamento total)
* Remoção de firulas como carregadores de celular e Wi-Fi (ar condicionado tem que ter, o resto não… talvez só em terminais mesmo)
Também poderia se incluir a preferência absoluta dos ônibus nas vias através de faixas exclusivas ou corredores. Com uma fluidez maior, o mesmo veículos consegue fazer um número maior de viagens reduzindo os custos do sistema.
Artigo muito bem escrito, conteudo muito apropriado e otimas ideias. Traz muito o que refletir
Faltou a principal delas: permitir a livre concorrência entre os modais, e entre várias empresas do mesmo modal. Tal como vocês citam no caso de Lima, Peru.
Aqui, na Região Metropolitana de Porto Alegre, no início dos anos 2.000, foi realizado o PITMURB (Plano Integrada do Transporte Metropolitano de Passageiros) que levou à conclusão de que o Sistema Metropolitano sobreposto ao Sistema Urbano de Porto Alegre representava uma irracionalidade de 30% ou seja, 30% das viagens dos ônibus ao centro de PoA seriam desnecessárias.
Concordo com o Eng. Mateus Bandeira Cunha quando diz:
“conclui-se que não faltam possibilidades para melhorar o financiamento do transporte coletivo nas cidades brasileiras. É claro que será necessária vontade política e mobilização por parte da sociedade para que algumas destas medidas se concretizem.”
Acrescento a necessidade das instituições públicas serem menos corporativistas e mais comprometidas com os interesses públicos que justificaram a sua razão de ser. Além disso, um sistema regulador equidistante e independente.
Por fim e não menos importante, nos falta seriedade e comprometimento na GESTÃO PÚBLICA e vergonha na cara.