Vendedores ambulantes e mercados públicos podem impulsionar cidades prósperas e inclusivas
Foto: Wikimedia Commons

Vendedores ambulantes e mercados públicos podem impulsionar cidades prósperas e inclusivas

Os espaços públicos precisam de todo o espectro de atividades comerciais, das informais às formais.

16 de junho de 2025

Vendas informais, mercados formais e comércios convencionais de rua são todos necessários para sustentar um espaço público e uma economia local inclusivos, inovadores e vibrantes. A percepção negativa sobre o comércio informal é um problema que afeta cidades em todo o mundo, mas a integração bem-sucedida desses vendedores à vida urbana pode contribuir significativamente para o dinamismo de uma cidade próspera.

Estratégias de apoio ao comércio ambulante e aos mercados locais podem torná-los parte integrante de espaços públicos vivos e criar uma “cidade-mercado”, onde diversas formas de empreendimentos econômicos integrados ao espaço urbano possam florescer.

Ao redor do mundo, os mercados e a vida social que eles estimulam, além dos meios de subsistência que sustentam, refletem o que há de melhor nas cidades.

Leia mais: A comida e o espaço público: ambulantes

As cidades se formaram, primeiramente, em torno de comércios de rua informais, e talvez o erro mais recorrente delas seja justamente os momentos em que buscam eliminar essa função primordial. Em bons ambientes de mercado, cada vendedor concorre para contribuir com a experiência compartilhada e com as necessidades dos clientes — por meio da qualidade de seus produtos, da forma como os apresentam e da conexão humana que estabelecem.

Frequentemente, uma boa gestão e organização ajudam a facilitar o papel dos vendedores no apoio aos seus espaços públicos e comunidades. Com esse suporte na qualificação do espaço, as ruas, espaços públicos e mercados podem se tornar mais autogeridos e auto-organizados.

Infelizmente, a maioria das cidades não possui uma visão para o papel positivo do comércio ambulante. Em diversas partes do mundo, governos estão removendo vendedores de rua e destruindo feiras locais. Em muitos casos, substituímos um comércio que ativa o espaço público e impulsiona a vida social por um varejo internalizado que apenas extrai valor de sua proximidade com o fluxo de pedestres. O comércio deixa de ter como função a criação de um lugar atrativo (placemaking) para apenas se apropriar do lugar. Nós criamos cidades que excluem justamente essa forma mais elementar de atividade econômica, muitas vezes sob o pretexto de planejar de forma restrita para a mobilidade, o desenvolvimento econômico ou um “design de primeiro mundo”.

Os tão celebrados edifícios “de primeiro mundo”, como o exemplo abaixo, contribuem pouco com as ruas. Vendedores ambulantes poderiam ajudar a trazer de volta a vida pública a muitos desses espaços.

Edifício corporativo no Morumbi, em São Paulo. Foto: Wikimedia Commons

Ao planejarmos segundo os ideais majoritariamente ocidentais de maximizar o fluxo de diversos modos de transporte, maximizando os aluguéis comerciais e dando ênfase aos conceitos de design e branding, acabamos esquecendo o propósito central dos sistemas de transporte e das ruas: criar lugares nos quais as pessoas queiram estar. Boas ruas não têm uma separação clara entre o público e o privado, entre atividades transitórias e permanentes, e também se ancoram em objetivos públicos que, muitas vezes, são comunicados informalmente.

À medida que deixamos de investir e até desprezamos esses espaços “caóticos” e autogeridos, os negócios neles inseridos foram forçados a operar em situação de marginalidade ou sobrevivência.

Mas quando apoiados e valorizados, os vendedores ambulantes e a energia que eles trazem podem contribuir para dar identidade às cidades e criar lugares icônicos, que se tornam motores culturais. Podemos pensar, por exemplo, nos vendedores de livros às margens do Sena, em Paris; no mercado de flores de Mumbai; nos artistas e quiosques das Ramblas de Barcelona; no mercado flutuante de Bangkok; ou na feira de fim de semana de La Paz, na Bolívia, onde mulheres indígenas dão vida e propósito a várias ruas.

Artistas de rua em Barcelona. Foto: Social Life Project

Muitas cidades se destacam em um tipo específico de mercado público, e outras podem aprender com elas. Já escrevemos sobre uma variedade de mercados: feiras em bairros carentes como o East New York Farms!, no Brooklyn (NY); feiras sazonais como as de Budapeste; mercados com áreas abertas e outras cobertas, como o Flint Public Market; mercados em edifícios como os de Barcelona; feiras em praças como o Viktualienmarkt, em Munique; ou mercados locais como o Borough Market, em Londres.

Feira de natal em Budapeste. Foto: Social Life Project

Para ajudar as cidades a apoiar uma gama mais ampla de comércios e atividades econômicas locais que impulsionam os espaços públicos, é preciso começar com o apoio às calçadas e à venda nelas. Ter um espectro mais fluido de mercados cada vez mais organizados, começando pelos vendedores ambulantes (que podem ser novos empreendedores), também pode abrir mais oportunidades para a mobilidade, além de gerar cidades mais acessíveis para todos.

A chave para o sucesso de todos os tipos de mercado e comércio é garantir que eles contribuam para os espaços públicos aos quais estão conectados e também se beneficiem deles. Certamente, os esforços para “colocar ordem” no comércio informal por meio de remoções ou regulações são frequentemente realizados de maneiras que inviabilizam seu potencial de qualificação do espaço. Promover o comércio ambulante como parte de uma iniciativa de placemaking pode criar destinos, incubar novos negócios e oferecer uma fonte essencial de renda com baixa barreira de entrada e produtos a preços acessíveis, que muitas cidades não estão oferecendo de forma suficiente.

Leia mais: De quiosques e ambulantes

O placemaking como processo, seja conduzido de forma informal ou formal, parte da maximização do uso público e da gestão do espaço, ao invés de começar com soluções de design ou objetivos mais restritos. Onde não existe uma capacidade de autogestão do comércio informal, o placemaking pode gerar participação, autorregulação ou até formalização por meio de investimentos que elevem o papel do vendedor.

O comércio precisa ser incentivado e desafiado a contribuir com o espaço público. Onde não há regulação da venda informal, é necessário somar infraestrutura e normas adequadas. O varejo formal, por sua vez, deve se abrir para fora para somar ao comércio informal e se beneficiar dele, revitalizando a conexão social e a economia local. A cidade saudável, inovadora e equitativa do futuro será uma “cidade-mercado”, com um espectro completo de mercados informais e formais, todos competindo para contribuir com a vida pública.

Artigo publicado originalmente em Social Life Project, em março de 2024.

Para que as cidades sejam mais diversas e dinâmicas, é fundamental que o planejamento urbano priorize os espaços públicos, onde a vida social e as trocas entre pessoas florescem. Por muito tempo, porém, os planos têm seguido o caminho contrário. Para entender mais sobre esses problemas e como resolvê-los, inscreva-se na nossa lista e receba conteúdos exclusivos.

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