De quiosques e ambulantes

26 de abril de 2024

Diálogos possíveis

Diálogo 1

–  Para esse lugar não ficar vazio, para ele ter vida, propusemos uns quiosques para atrair as pessoas.

– Vocês conhecem alguns quiosques aqui na cidade?

– Sim.

– Onde eles ficam?

–  Em volta das paradas de ônibus, no caminho do estacionamento do parque até a pista de caminhada…

– Hum… Onde tem gente, então?

– Normalmente, sim.

– Vocês acham que essa gente foi pra lá atraída pelo quiosque, ou os quiosques se instalaram lá porque tinha gente passando ou permanecendo? (já foi o tempo em que, neste ponto, eu fazia gracinha lembrando a propaganda do Tostines da década de 1980: meus alunos hoje são todos deste século, não iriam entender).

– Os… quiosques se instalaram porque tinha gente? (Resposta dada com cautela. Sorrio.)

– É o mais provável. Mas e quiosques como os que ficam no meio dos estacionamentos do Setor de Indústria? (o Setor de Indústria e Abastecimento/SIA só tem… Oooh! Lotes enormes para indústrias moveleiras, marmorarias, concessionárias, lojas de materiais de construção, etc.). Eles não estão na passagem, não estão vinculados às paradas de ônibus, não estão próximos a locais de permanência, mas eles estão lá, firmes. Por que será?

– Porque eles vendem comida, e não tem nenhum outro lugar no SIA que venda comida. E aí as pessoas não têm alternativa!

– Boa! A quantidade de pessoas que precisa se alimentar parece valer o investimento num quiosque. Assim, se oferece, com mais estrutura, algo que falta ali. Uma coisa boa de se pensar, então, é que um quiosque só vai atrair gente se o que ele oferecer for muito necessário ou único, e se o próprio comércio do lugar não tiver para oferecer (ou não puder oferecer, por conta da legislação). Em outras palavras, quando ele for o oásis no deserto da monofuncionalidade. Mas…. se as atividades na região puderem ser diversificadas, não há necessidade de serem complementadas por tantos quiosques: o comércio regular vai dar conta.

Diálogo 2

– Como nesse lugar já tem ambulantes, propusemos uns quiosques para eles desenvolverem melhor suas atividades.

– Mas essa é uma solução para que problema?

– É uma forma de eles não terem que levar e trazer sua mercadoria todo dia, e de poderem ter estoque e tal.

– Quanto será que custa levar e trazer a mercadoria todo dia, montar uma banca no espaço público e recolhê-la no fim da tarde, além da amolação, do cansaço e do gasto com deslocamento?

– Não sabemos.

– Eu também não, mas será que custa mais ou menos que construir e mobiliar um quiosque, mantê-lo, pagar luz, água, se preocupar em trancar a mercadoria, além do que se deve pagar ao governo?

– Menos, com certeza.

– O que vendem esses ambulantes?

– Capinha de celular, roupa íntima, caqui.

– A mercadoria deles parece ser algo que deslancharia num quiosque, a fim de valer o investimento?

– Hum… não muito.

– Os ambulantes ficam lá o dia todo?

– Não, só de manhã e no fim da tarde, quando o pessoal está voltando pra casa.

– Então, se nem eles ficam por lá boa parte do tempo, pra que iriam querer um quiosque?

– É, pensando bem…

– Talvez, se há a necessidade de trazer um pouco de conforto para essa atividade, que é presente nesse espaço, vocês possam propor algo que os organize e apoie: uma cobertura, bancos, banheiros públicos. Algo que possa ser utilizado quando eles estiverem presentes e que, quando eles não estiverem, fique legal também, e possa abrigar outras práticas. Algo flexível.

– Mas, e se eles ficassem o dia todo?

–  Se eles ficassem o dia todo, até em fins de semana; se levassem mesas, cadeiras, toldos; se virassem referência e começassem a chamar gente… talvez, considerando todo o contexto, seria o momento de se pensar em quiosque. Ou não.

(Saio pra comer um cachorro-quente no Landi, na 405 Sul. Eles estão lá 6 noites por semana, há mais de 35 anos. Sucesso absoluto. Nada de quiosque.)

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Caos Planejado.

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Arquiteta, professora da área de urbanismo da FAU/UnB. Adora levantamento de campo, espaços públicos e ver gente na rua. Mora em Brasília. ([email protected])
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