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Urbanização Progressiva: alternativa para a informalidade
Alternativas de urbanização progressiva podem apoiar estados e municípios no enfrentamento das necessidades habitacionais e de infraestrutura, especialmente da população de baixa renda.
No Brasil, os problemas urbanos associados ao crescimento urbano e à pobreza, gerados especialmente pela informalidade da ocupação urbana e da precariedade da infraestrutura e serviços urbanos, têm se mostrado um desafio insuperável para o poder público.
Em que pese os esforços já empreendidos, o acesso à moradia pela população de baixa renda tem sido possível, em grande parte, em função do auto empreendimento da habitação e da não aplicação estrita das normas urbanísticas de parcelamento, uso e ocupação do solo.
A habitação resultante desse processo é, em geral, não autorizada, de baixo custo e padrão de qualidade, situada em áreas restritivas à ocupação e sem infraestrutura urbana.
Nesse contexto residem os desafios de melhorar o desempenho e aumentar a eficácia da política urbana e habitacional, tornando acessível o acesso à habitação para a população de baixa renda; aperfeiçoar o ambiente regulador do planejamento e da gestão urbana; e tornar eficiente a aplicação dos limitados recursos públicos na maior medida possível.
Diante desses desafios, alternativas de urbanização progressiva podem apoiar estados e municípios no enfrentamento das necessidades habitacionais e de infraestrutura, especialmente da população de baixa renda.
Os “aglomerados subnormais”, assentamentos urbanos com condições habitacionais e de ocupação precária, alcançam mais da metade dos domicílios nos municípios de Belém (55,5%) e de Manaus (53,37%), sendo também em número elevado em Salvador (41,83%) e em Vitória (33,15%).
Além disso, a população que vive em áreas de risco, sujeitas a alagamentos ou desmoronamentos, totalizava 8,3 milhões de habitantes em 2010, situados em 872 municípios no Brasil.
Essa situação é complexa e de difícil solução a curto prazo. Ela se deve, entre outros fatores, às condições socioeconômicas dos domicílios de baixa renda, aos limitados recursos financeiros que impedem a promoção de programas robustos para o acesso dos pobres à terra, habitação e à infraestrutura, e à harmonização e aperfeiçoamento da regulação urbana e ambiental.
Assim, diante da escassez de recursos financeiros suficientes para programas urbanos e habitacionais e da magnitude da população que vive em assentamentos precários, programas de urbanização progressiva têm se apresentado com resultados satisfatórios a médio e longo prazos, no Brasil e em outros países.
A atual abordagem adotada pela Nova Agenda Urbana, aprovada na Conferência das Nações Unidas para Moradia, e o Desenvolvimento Urbano Sustentável fortalece a implantação de programas de urbanização progressiva. São recomendadas a adequação dos marcos regulatórios, envolvendo o planejamento da expansão urbana e o desenho urbano e a flexibilidade dos planos diretores para permitir ajustes decorrentes de mudanças econômicas, sociais e demográficas ao longo do tempo.
Na execução de programas de urbanização progressiva, seja em áreas informais consolidadas ou em novos parcelamentos urbanos, o poder público pode adotar a urbanização consorciada, mediante a aplicação de “operações urbanas consorciadas”. É um instrumento urbanístico instituído pelo Estatuto da Cidade, com ações coordenadas pelo município, em que há concessão de benefícios e recebimento de contrapartidas, mediante concertação público-privada, com a participação de moradores visando melhorias sociais, valorização ambiental e transformações urbanísticas estruturais.
Entre outras ações, estão previstas a modificação de índices e características do parcelamento, uso e ocupação do solo e das normas de edificação, melhorias urbanísticas e a previsão de incentivos a tecnologias visando a redução de impactos ambientais.
O investimento em infraestrutura de forma progressiva e em paralelo com a regularização fundiária pode favorecer os custos de implantação e evitar o deslocamento da população de baixa renda. Superar restrições legais e administrativas que dificultam a provisão de infraestrutura no atendimento da habitação informal é crucial, uma vez que essas restrições tornam mais caros os terrenos com serviços e mais demorada a sua provisão.
Um bom exemplo é o novo Marco Legal do Saneamento, que permitiu a implantação de saneamento nas favelas e assentamentos precários sem regularização fundiária. Isto pode ser considerado um grande avanço, especialmente no caso de assentamentos populosos, com alta densidade, já consolidados e que não ocupam áreas de risco.
Isso pode melhorar a situação sanitária dos assentamentos que despejam água servida e esgoto em vias públicas e cursos d’água, situação comum em diversas cidades do Brasil. Um exemplo da importância dessa medida ficou evidente durante a pandemia, onde foram instaladas emergencialmente pias e sistemas sanitários nesses assentamentos, em diversas cidades do país.
O parcelamento do solo urbano para habitação com infraestrutura básica inicial mínima, mas progressiva, pode tornar o acesso à habitação mais acessível para a população de baixa renda, viabilizando as etapas e os custos de implantação do parcelamento.
A infraestrutura progressiva aliada ao aperfeiçoamento da regulação de parcelamento e uso do solo urbano para programas habitacionais — removendo entraves excessivamente restritivos à oferta de solo urbano — podem aliviar a pressão causada pela especulação de terras e encorajar o envolvimento do setor privado.
Urbanização da favela Dois de Maio. (Imagem: SEHAB São Paulo)Urbanização da favela Dois de Maio. (Imagem: SEHAB São Paulo)
A abordagem progressiva com relação à provisão de infraestrutura, no entanto, requer monitoramento e assistência técnica aos domicílios e à população. A adoção de parâmetros e sistemas de infraestrutura adequados à localização dos assentamentos — como, por exemplo, em baixadas e próximos às faixas de rios e córregos — e quanto aos acessos viários, abastecimento de água, esgoto (sistema condominial) e águas pluviais (microdrenagem e sistemas alternativos de manejo) de tecnologia adequada podem reduzir os custos e aumentar a provisão dos serviços públicos, equipamentos urbanos e comunitários.
O Brasil reúne muitas experiências de urbanização de favelas e de novas áreas para urbanização, especialmente a partir do Programa Favela Bairro no Rio de Janeiro (1993–2010) — mediante ações integradas de urbanização e promoção habitacional, acessibilidade, infraestrutura e equipamentos públicos e comunitários — e do Programa Habitat-Brasil BID nos anos 1990 e 2000, com muitas lições aprendidas pelas prefeituras municipais e pelo Distrito Federal.
O Programa Federal Habitar-Brasil/BID promoveu ações integradas de urbanização de assentamentos precários para melhorar os padrões de habitabilidade e a qualidade de vida das famílias com até três salários mínimos mediante regularização fundiária e desenvolvimento comunitário em regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e capitais.
Uma outra importante contribuição do programa foram as ações de modernização e desenvolvimento institucional dos municípios mediante o Plano Estratégico Municipal para Assentamentos Subnormais (PEMAS), contendo políticas e programas, e o aperfeiçoamento do planejamento, gestão e regulação urbanística, como contrapartida para a destinação dos recursos financeiros do Programa.
Mesmo com todo esse esforço na execução, persistiam obstáculos relacionados à aprovação, licenciamento de projetos, e regularização fundiária — valendo observar que tais procedimentos ainda necessitam de aperfeiçoamento.
Nesse contexto, destaca-se a lei federal de regularização fundiária de 2017 que agilizou e simplificou procedimentos, fortalecendo as ações do programa federal “Casa Verde e Amarela” instituído em 2021, o qual contempla ações associadas de regularização fundiária e melhoria habitacional — reforma ou ampliação — permitindo melhorias dos assentamentos precários para famílias com renda mensal de até R$ 2 mil.
Urbanização da favela Nossa Senhora Aparecida. (Imagem: SEHAB-São Paulo)Urbanização da favela Nossa Senhora Aparecida. (Imagem: SEHAB São Paulo)
A Lei de Parcelamento do Solo Urbano de 1979 permite o parcelamento do solo em zona urbana e expansão urbana apenas mediante provisão de infraestrutura básica, como o escoamento das águas pluviais, iluminação pública, esgotamento sanitário, abastecimento de água potável, energia elétrica pública e domiciliar, e vias de circulação.
No caso da população de baixa renda, os parcelamentos devem estar situados nas zonas habitacionais declaradas por lei como de interesse social, e a infraestrutura básica consiste, no mínimo, de vias de circulação, escoamento das águas pluviais, rede para o abastecimento de água potável, e soluções para o esgotamento sanitário e para a energia elétrica domiciliar.
No entanto, essas exigências devem ser cumpridas em uma única etapa. Para a efetividade da infraestrutura progressiva nos empreendimentos de parcelamento do solo urbano, inclusive de baixa renda, é necessário ajustes na Lei de Parcelamento uma vez que é exigida a completa implantação da infraestrutura urbana no ato do registro do loteamento.
Como exemplo de urbanização em larga escala há o caso do Bairro Uberaba com 3,1 mil habitações em Curitiba, viabilizado mediante a articulação com o Ministério Público, permitindo o parcelamento e a construção das habitações.
A seguir, exemplo de urbanização em Curitiba, em habitações precárias mediante a articulação com o Ministério Público, permitindo o parcelamento e a construção das habitações.
Visando ações para a urbanização progressiva em novas áreas para o parcelamentourbano, Shlomo Angel, pesquisador do Marron Institute of Urban Management de NYU,elaborou o “Programa de Expansão Urbana” para municípios, indicando o planejamento — não necessariamente a execução — da infraestrutura previamente à construção das moradias, podendo ser executada de forma progressiva para que possam orientar, apoiar, promover e acomodar o crescimento esperado, evitando a ocupação de áreas inadequadas e a proliferação de áreas precárias.
O objetivo é preparar a cidade para a expansão e o adensamento urbano a partir da expansão urbana ordenada mediante aquisição de terras em parceria pelo poder público antes das pressões do crescimento urbano, prevendo o desenvolvimento urbano futuro através do desenho da “grade de ruas”, ou “grelha viária”, e permitindo que a cidade se desenvolva ao longo dos anos.
Assim, as cidades com rápido crescimento devem estabelecer áreas de expansão que possam acomodar o crescimento esperado, prevendo vias arteriais e espaços públicos, onde o sistema viário e a infraestrutura é implantada progressivamente, conforme necessário.
Nesse entendimento, enfrentar os desafios da urbanização brasileira requer política urbana eficaz e o aperfeiçoamento do ambiente normativo, com alternativas para a urbanização progressiva de assentamentos precários e novas áreas urbanizadas — juntamente com outras medidas de aproveitamento da ocupação do solo urbanizado — visando a sustentabilidade da urbanização progressiva e o cumprimento dos objetivos do desenvolvimento sustentável.
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