Lições da ciclovia da Afonso Pena, em Belo Horizonte
A pesquisa em Belo Horizonte mostra que muitas resistências comuns às ciclovias são, na verdade, equivocadas e sem fundamento.
Em busca do turismo global, cidades abriram suas portas. O turismo é uma atividade extremamente lucrativa para qualquer região, mas nem tudo são flores.
9 de fevereiro de 2018Cidades investem em turismo e proteção da cultura local de diferentes formas: construindo museus, protegendo seu patrimônio histórico com subsídios públicos ou restringindo seu desenvolvimento orgânico para preservar característica de determinado ponto da sua história.
Em busca do turismo global, cidades abriram suas portas para que pessoas do mundo inteiro pudessem conhecer esses locais, reforçando o caldeirão de culturas e possibilitando sociedades mais diversas. Tal fator também é diretamente relacionado ao enriquecimento da população global ao longo das últimas décadas. Apenas na China foram 500 milhões que saíram da extrema pobreza, gerando uma nova classe média com ambições de viajar e explorar outros países e culturas.
Entre as regiões que melhor aproveitaram esse boom do turismo está a Europa ocidental. Mesmo os países que investem pouco em turismo de forma direta, como a França, contam com orçamentos na casa dos bilhões para investimentos em cultura — um dos principais fatores na atração desses turistas na região. A União Europeia também conta com uma série de subsídios ao turismo na região, como o tradicional programa de intercâmbio Erasmus, que move cerca de €15 bilhões.
Esse incentivo artificial a locais já naturalmente atraentes fez com que a economia de muitos destes países passasse a se basear nessa atividade. O turismo é responsável por 18% do PIB da Grécia. Na Itália e na França os números chegam a 11% e 10%, respectivamente. Mesmo com as riqueza culturais e históricas inegáveis desses países, é possível imaginar que, sem esses investimentos massivos, as cidades e as economias desses países teriam evoluído de maneira muito diferente.
Por essas características que críticos como Ignasi de Solà-Morales comparam esses países com destinos exclusivamente criados para o turismo com os parques temáticos da Disney. Em uma análise controversa, mas um tanto razoável, a vontade de “consumo turístico” dos visitantes é semelhante: uma família pode decidir visitar Roma ou visitar a Disney em suas férias, como produtos concorrentes. Tais visitas são feitas, muitas vezes, sem conhecer detalhes ou entender a relevância histórica do local, mas incentivadas pelo aspecto puramente fotográfico ou cênico de obras como o Coliseu ou a Torre Eiffel.
A ironia desses históricos investimentos e proteções arquitetônicas é que muitos moradores dessas cidades agora abominam seus turistas. Em Barcelona, um dos epicentros desse movimento, é possível ver pichações dizendo “El Turisme Mata Els Barris”, catalão para “O turismo mata os bairros”. As acusações se dão, em parte, pelo descaso dos turistas com o patrimônio histórico local, ao sobrecarregarem as ruas ou então beberem e comerem sobre ruínas milenares. No entanto, uma crítica mais sofisticadas e cada vez mais comum diz respeito à superpopulação, que estaria encarecendo a moradia nestas cidades. Tal fato é potencializado pelo aumento dos aluguéis de curta duração para viajantes através de plataformas digitais como o AirBnB.
O AirBnB é uma plataforma digital que facilita que proprietários disponibilizem seus imóveis (inteiros ou parte deles) para aluguel de curta duração. É evidente que o AirBnB faz sucesso em cidades onde a demanda por estadias curtas é grande — de forma geral, cidades com alto potencial turístico. Minha cidade natal de Porto Alegre, por exemplo, não teve adesão tão significativa da plataforma, pois não há tal atratividade em grande escala. Já cidades como o Rio de Janeiro e São Francisco têm centenas de imóveis disponíveis pelo aplicativo, sinal de que realmente faltava opções mais acessíveis para este tipo de ocupação.
Ao facilitar muito o acesso a esses imóveis, o AirBnb logicamente afeta essas cidades. O número de visitantes tende a aumentar, já que o custo total da viagem diminui consideravelmente com a redução dos gastos com estadia. O mercado hoteleiro se vê cada vez menos relevante e, assim como os taxistas com a popularização do Uber, tentam proteger seus interesses. Mas será que a plataforma é realmente perigosa para a cidade, especialmente para seus habitantes que vivem de aluguel? Ou ela só responde a uma demanda que já existe, oferecendo a essas cidades todas as vantagens que o choque de diferentes culturas pode trazer?
Diversas cidades, de Veneza a Barcelona, têm sido afetadas drasticamente pelo turismo, que se tornou um fator importante no seu desenvolvimento. Ironicamente, essa abertura de portas incentivada pelo poder público deu origem a uma série de críticas por parte dos habitantes dessas cidades, que culpam turistas e iniciativas como o AirBnB por uma série de problemas — em especial o aumento dos valores dos aluguéis.
Com padrões rigorosos de avaliação cruzada tanto dos proprietários como dos próprios hóspedes, assim como políticas de seguro generosas, “ficar em um AirBnB” se tornou uma maneira mais barata e mais autêntica de viajar, já que o contato direto com moradores locais é muito mais intenso. Viajantes acabam, muitas vezes, se tornando amigos dos hospedeiros, em uma experiência muito diferente da que estamos acostumados com o setor hoteleiro tradicional.
Os fundadores do AirBnB apostaram em um conceito que poucos acreditavam dar certo: o da “economia colaborativa”. As pessoas se hospedariam na casa de estranhos em suas viagens a outras cidades? Os números mostram que sim: a plataforma já tem mais de 150 milhões de usuários, e a empresa é uma das startups mais valiosas do mundo.
Durante as Olimpíadas de 2016, o AirBnB fez uma parceria com a cidade do Rio de Janeiro para permitir que a ferramenta atendesse aos milhares de turistas sem obrigar a cidade a aumentar o número de hotéis de forma desnecessária. Já Belo Horizonte, que também recebeu jogos, agiu no sentido de incentivar a construção de hotéis para o evento, resultando em uma série de torres subutilizadas espalhadas pela cidade.
Embora cidades com maior número de imóveis no AirBnB sejam afetadas pela plataforma, não acho que os sinais de transformação estejam levando à morte das comunidades. Pelo contrário: elas estão deixando essas comunidades mais diversas, de acordo com os potenciais e as necessidades das suas cidades.
O que o AirBnB permite é equilibrar oferta para ocupações de curta duração em ambientes urbanos onde essa oferta não pode ser expandida. Fica claro que, em lugares onde o AirBnB faz sucesso, existia um déficit de imóveis ou quartos para curta duração — é exatamente por esse motivo que a plataforma se popularizou nessa região. Ou seja, o AirBnB permite que a própria natureza da cidade seja “desvendada”, já que existia uma necessidade de espaços para curta duração que não estava sendo atendida e que, até então, não era viável para o setor hoteleiro.
Isso, por si só, não configura destruição, mas transformação. Um bairro pode ser muitas coisas e ter múltiplos usos ao longo da sua vida. Dizer o que um bairro deve ser, obrigatoriamente e para sempre, é uma abordagem não diferente de um pensamento modernista, já obsoleto, que defende a “organização” da cidade, zoneando-a por atividades: setores residenciais, comerciais e industriais. Esse conceito é ultrapassado pois não só obriga as pessoas a se deslocarem (geralmente em automóveis individuais) para qualquer atividade, mas também porque congela o bairro em uma determinada característica pré-concebida.
O que é interessante sobre o cadastramento de um imóvel no AirBnB é quão dinâmica é essa mudança de perfil dos bairros. É possível que esse caráter de curta duração se perca com o tempo, e nada impede que esses imóveis sejam revertidos em residências permanentes. O mesmo não pode ser dito dos hotéis, que seriam a alternativa anterior para atender a demanda por estadias de curta duração. Os imóveis também podem ser cadastrados pontualmente, por motivo de grandes eventos que trazem um número não usual de visitantes, expandindo a capacidade para estas pessoas sem precisar construir uma oferta permanente de hotéis que não se sustentariam em outros períodos.
O aumento do preço reflete um aumento na demanda pelo bairro com esta nova configuração. Os proprietários ganham com a valorização do seu imóvel, os comerciantes locais ganham com o aumento do movimento, os moradores e consumidores locais ganham com o aumento de opções. Porém, os problemas afloram quando a cidade limita rigidamente o seu crescimento, impossibilitando uma resposta natural a tal aumento de demanda por espaço: este é o efeito atual nestes grandes centros de turismo.
Outra crítica às opções de estadia curta é o encarecimento da moradia para quem aluga, dado que proprietários tiram o imóvel do mercado de longa duração, resultando em um aumento de preço. Uma explicação para este fenômeno é que as leis de oferta e demanda da economia não permitem que todas as preferências em jogo sejam atendidas simultaneamente: não é possível que uma cidade restrinja sua oferta imobiliária para fins históricos, se torne extremamente atraente por causa disso, e queira, ao mesmo tempo, preços baixos e receber poucos turistas. Não há nada intrinsecamente errado em uma cidade querer preservar seu patrimônio histórico, mas isso terá um custo de oportunidade de crescimento, deixando de investir em matrizes econômicas não necessariamente ligadas ao turismo, e uma limitação da expansão da oferta imobiliária, trazendo aumento de preços frente a um aumento de demanda. Se Veneza ou Barcelona, por exemplo, permitissem a construção de edifícios com índices de aproveitamento de seus terrenos significativamente mais altos que os atuais, a tendência seria diminuir a pressão imobiliária — mas as cidades provavelmente perderiam o apelo turístico que possuem hoje.
A acusação de “ameaçar a vida de um bairro”, na verdade, seria coerente ao condená-lo a uma única característica para a eternidade. Um bairro vivo, por definição, se transforma ao longo do tempo, em forma, tamanho, uso e tipos de usuários. Como bem disse Jane Jacobs, em seu célebre “Morte e Vida das Grandes Cidades”:“Tratar de uma cidade, ou mesmo de um bairro, como se fosse um grande problema arquitetônico, capaz de ser resolvido através de um trabalho disciplinado de arte, é cometer o erro de tentar substituir a vida pela arte. Os resultados de tão profunda confusão entre arte e vida não são nem arte, nem vida. Eles são taxidermia.”
Cidades que decidem preservar suas características históricas geram algumas externalidades positivas para a humanidade e se tornam museus a céu aberto, mas não são vivas como Jacobs descreveu. Infelizmente é muito difícil ser um centro de turismo e de preservação da história e, ao mesmo tempo, uma cidade viva.
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“Tais visitas são feitas, muitas vezes, sem conhecer detalhes ou entender a relevância histórica do local” Bem, voce vai lá justamente para conhecer esses detalhes, geralmente acompanhado de um guia, como os famosos “free walking tour” 😛
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