O triunfo dos shoppings na América Latina
Imagem: Abdias Jr/Flickr.

O triunfo dos shoppings na América Latina

Enquanto a América do Norte fecha seus shoppings, a América Latina não para de inaugurá-los. Como explicar essa diferença?

17 de outubro de 2018

Muito se fala sobre a morte dos shoppings na América do Norte. E não é difícil entender o porquê: dezenas de centros comerciais fecharam na última década e estima-se que 25% dos cerca de 1,1 mil que ainda funcionam nos Estados Unidos estarão fechados em 2022. Os incorporadores não têm construído novos shoppings desde 2006 (com exceção de um na estranha terra de Sarasota, Flórida). Mas na América Central e do Sul, a história é bem diferente: os incorporadores passaram a última década inaugurando tantos centros comerciais quanto permitiam os investidores.

De Monterrey a Montevidéu, há uma explosão sem precedentes na construção de shoppings na América Latina. De acordo com estudos, estima-se que 100 novos centros comerciais foram construídos apenas em 2016. Atualmente, o maior centro comercial do Hemisfério Ocidental está localizado no Panamá.

Com essa nova onda de shoppings, surge a cultura dos shoppings: como os adolescentes americanos nos anos 80 e 90, os adolescentes latino-americanos hoje gastam cada vez mais tempo visitando estes centros comerciais, usando os produtos de Abercrombie & Fitch e American Eagle. Por que os shoppings florescem na América Latina e morrem na América do Norte?

Os gerentes de shoppings na América do Norte que tentam sobreviver ao colapso do varejo podem aprender algumas coisas com seus vizinhos do sul. Várias tendências estão impulsionando essa mudança: algumas boas, outras ruins. Para começar, o crescimento da classe média na América Latina tem sido uma parte fundamental da história. Segundo o Banco Mundial, a classe média na América Latina cresceu 50% entre 2003 e 2009, e agora representa 30% da população, fato inédito. Em termos reais, isso significa que 50 milhões de latino-americanos agora desfrutam de maior segurança financeira e têm algum dinheiro extra para gastar nos clássicos produtos de shoppings, como nozes torradas e os famosos spinners.


Os gerentes de shoppings na América do Norte que tentam sobreviver ao colapso do varejo podem aprender algumas coisas com seus vizinhos do sul.


Quando a classe média americana cresceu entre 1945 e 2005, isto se traduziu na compra de automóveis, na suburbanização e na construção de shoppings. A versão latino-americana segue um roteiro semelhante. E como o varejo tradicional está com dificuldade nos Estados Unidos devido ao aumento no varejo online e à receita estagnada depois de 2008, as redes varejistas, incorporadores e investidores estadunidenses têm muitas razões para buscar oportunidades ao sul.

The Arcade Cleveland, Cleveland, Ohio, construído em 1890.
(Imagem: Erik Drost, Flickr)

Segurança

Mas o medo do crime violento e a relativa falta de ambientes urbanos de alta qualidade também são fatores que contribuem para a ascensão dos centros comerciais na América Latina. Em cidades como San Salvador ou Bogotá, os shoppings representam um lugar seguro para compras e os gerentes de shoppings investem muito em segurança. Isto se combina com a falta de serviços de entrega à domicílio confiáveis que impedem o setor de comércio eletrônico de atender o crescente número de compradores latino-americanos de classe média

Por outro lado, na maioria das cidades americanas, o crime violento diminuiu drasticamente ao longo dos últimos 25 anos, e bairros urbanos transitáveis, ocupados por restaurantes, bares, salões de beleza e lojas de varejo, estão prosperando. Nesse sentido, o declínio dos shoppings norte-americanos reflete uma tendência positiva: as principais ruas que os centros comerciais anteriormente ameaçavam estão se revigorando. Esses bairros repletos de comodidades também estão em uma posição melhor do que os shoppings suburbanos para se defender da ameaça das compras online.

Usos múltiplos

Os gerentes de shoppings na América do Norte que tentam sobreviver ao colapso do varejo podem aprender algumas coisas com seus vizinhos do sul. Por exemplo, nos Estados Unidos e no Canadá, os shopping centers ainda são ancorados em grande parte por grandes varejistas, como Sears, JC Penney e Macy’s. E a medida que o sucesso dessas grandes lojas diminuiu, arrastam com elas os centros comerciais aos quais estão vinculados. Na América Latina, por outro lado, existe uma grande variedade de negócios que funcionam como âncoras. Os supermercados são comuns nos shoppings da América Latina e são frequentemente encontrados no final de longos corredores com lojas menores, o que cria um fluxo constante de tráfego de pedestres.

Além do varejo, os shoppings latino-americanos tendem a abrigar outros serviços importantes, incluindo call centers, instalações médicas e escritórios (nesse sentido, eles têm um espírito mais próximo da visão original do arquiteto austríaco Victor Gruen, designer dos primeiros shoppings fechados, que considerava suas criações como centros de uso misto, não “gigantescas máquinas de compras”). Em um típico dia de trabalho, uma praça de alimentação é cheia de funcionários uniformizados, ao invés de pais que ficam em casa e adolescentes que faltam à escola. Cada vez mais, estão incluindo apartamentos e condomínios nestes shoppings. Essa diversidade de usos e usuários poderia torná-los mais sustentáveis ​​no longo prazo.

Gran Torre Santiago (à direita), maior arranha-céu da América Latina, parte do conjunto de 4 prédios do Costanera Center em Santiago, Chile. O complexo inclui lojas, restaurantes, supermercados, cinemas, hotéis, escritórios, além de um mirante 360º para a cidade. (Imagem: Javo Alfaro, Flickr)

Por outro lado, não é incomum encontrar centros comerciais completamente dedicados a produtos ou indústrias que não sejam roupas: na Cidade da Guatemala, você pode encontrar shoppings completos dedicados à boa gastronomia ou ao design de interiores. Ambas as disposições continuam sendo raras nos Estados Unidos e no Canadá.

Quando nos sentimos nostálgicos pelos shoppings, talvez o que realmente sentimos seja nostalgia de uma época em que a renda aumentava e a qualidade de vida das pessoas comuns estava melhorando. Hoje, é isso que está acontecendo em grande parte da América Latina. Mas, à medida que ela começa sua era de shoppings e a americana se desvanece, os amantes do formato poderiam esperar encontrar um modelo mais duradouro para o futuro dos shoppings no sul – e deveríamos mudar a política de uso do solo para refletir isto.

Texto publicado originalmente no site CityLab em 25 de novembro de 2017. Traduzido para o português por Gabriel Lohmann, com revisão de Anthony Ling.

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