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Entre 1989 e 2021, o SimCity inspirou — ou talvez enganou — uma geração de crianças a entrar no planejamento urbano com a ideia de gerenciar cidades como máquinas.
Enquanto trabalhava em Raid on Bungeling Bay — um jogo sobre bombardear cidades —, o lendário designer de jogos Will Wright descobriu que se divertia mais projetando as cidades do que as destruindo. Ele então se perguntou se os jogadores iriam gostar de ter essa mesma oportunidade. Quatro anos depois, o resultado foi SimCity, um jogo que partiu das bases de um jogo tradicional, trocando as fases por uma jogabilidade aberta e os objetivos claros por um sandbox, uma “caixa de areia” para criar.
Os jogadores receberam uma área sem nada construído, uma pilha de dinheiro e algumas ferramentas básicas de planejamento antes de poderem fazer o que quiserem.
O conceito inicialmente confundiu os líderes do setor. Quem gostaria de jogar um jogo que você não pode vencer? Após várias rejeições pelas principais editoras, Wright co-fundou a sua própria, a Maxis, em 1987, e encontrou a Broderbund como distribuidora, mais conhecida na época por jogos de entretenimento educacional, como Where In the World Is Carmen Sandiego?
Um pingo de cobertura positiva em veículos convencionais como o The New York Times garantiu ao SimCity um primeiro culto de seguidores. Com relançamentos no Super Nintendo em 1991 e no Windows em 1992, ele se tornou um best-seller.
SimCity foi o primeiro videogame a incluir um manual de instruções com bibliografia. Depois de explicar mecanismos como gerenciamento de tráfego e finanças municipais, o guia casualmente orienta os jogadores a lerem pesos pesados do planejamento urbano como Kevin Lynch e Le Corbusier, um livro obtuso sobre projeções populacionais, e a revista mensal da American Planning Association.
O próprio Wright admitiu que a série SimCity foi fortemente inspirada por Urban Dynamics, um texto técnico do Jay Wright Forrester, engenheiro do Massachusetts Institute of Technology. O livro, revisado por William Patterson para uma edição de 1971 da Reason, postula que podemos modelar as cidades como entradas e saídas, para o benefício de uma melhor formulação de políticas.
Para Forrester, uma cidade pode ser dividida em um conjunto simples de variáveis — população, habitação e indústria — e controlada mecanicamente por planejadores. Dessa estrutura emerge um controverso caso para a remoção de favelas e programas de reconstrução — programas da moda na época da publicação, em 1969.
Como os fãs de longa data saberão, destruir e reconstruir bairros casualmente em resposta às métricas de planejamento é um elemento importante do SimCity.
Embora a série confie excessivamente na capacidade de gerenciamento de cima para baixo, sua ênfase na governança baseada em dados é, no entanto, renovadora. As métricas do SimCity fornecem aos jogadores indicadores claros do sucesso urbano: encurte os trajetos, mantenha as habitações acessíveis, reduza a poluição e sua cidade prosperará.
Como argumenta o empresário cívico de tecnologia Devin Balkind na Gotham Gazette, as cidades do mundo real têm muito a aprender com a SimCity a esse respeito. Espantado com a forma como a série apresenta as principais métricas, Balkind pede aos leitores que considerem como podemos oferecer “aos nova-iorquinos uma interface no estilo SimCity para sua cidade”.
O SimCity também se preocupa exclusivamente com o planejamento de infraestrutura, como estradas, redes de esgoto e parques. Cada cidade na série começa com uma rede de estradas, construída de acordo com as especificações do jogador. Planeje uma rede de ruas e estacionamentos que possa lidar com o crescimento a longo prazo ou arrisque o colapso do tráfego e uma população infeliz.
Falando historicamente, as cidades americanas planejaram ruas e parques antes do crescimento, principalmente no caso do plano da cidade de Nova York de 1811, que dividiu Manhattan em uma grade de ruas e avenidas.
Ainda hoje, onde as cidades permitem que algum crescimento ocorra, normalmente se dá de forma ad hoc, resultando em redes de ruas suburbanas repletas de becos sem saída, curvas confusas e rodovias sobrecarregadas. Fora um punhado de pequenas cidades no Texas, poucas e preciosas cidades estão planejando o tipo de crescimento ordenado que o SimCity exige dos jogadores.
Se há um espaço onde o SimCity reflete perfeitamente o status quo do planejamento urbano é, ironicamente, em sua instituição mais disfuncional: o zoneamento. As cidades usam o zoneamento para determinar quais usos são permitidos, onde e em quais densidades.
No SimCity, o zoneamento é o início e o fim de todas as regulamentações de uso da terra. Cada cidade do Sim City começa primeiro com as ruas, seguindo imediatamente para o zoneamento, exigindo que os jogadores decidam antecipadamente para onde irão as áreas residenciais, comerciais e industriais, e com quais densidades.
Como as condições mudam com o tempo, grande parte do jogo envolve os jogadores lutando para corrigir o zoneamento post hoc.
Os problemas com o zoneamento, tanto nas cidades reais quanto no SimCity, são múltiplos. Como muitos jogadores apontaram em resposta ao reboot do SimCity em 2013, a mistura de usos que tradicionalmente caracteriza cidades densas — como apartamentos sobre lojas — não é permitida.
Pior ainda, o zoneamento muitas vezes suprime artificialmente as densidades e bloqueia o crescimento, aumentando os custos de habitação no processo. Enquanto no SimCity os jogadores podem alterar o zoneamento unilateralmente para acomodar uma população crescente, a política do zoneamento mostra que isso raramente acontece no mundo real.
Curiosamente, o último lançamento, simplesmente chamado de SimCity, dispensa esse tipo de política mais do que as anteriores, o que pode ajudar a explicar a relevância cada vez menor da série. Ainda mais do que no ano em que a série começou, em 1989, o planejamento urbano é uma atividade intensamente política.
Na medida em que isso evita que bairros sejam demolidos para renovação urbana ou rodovias, isso é uma coisa boa. Se os planejadores vão demolir bairros inteiros, os residentes pelo menos merecem ser ouvidos. Mas, na medida em que impede as cidades de construir a infraestrutura necessária ou liberalizar o zoneamento, isso é uma coisa ruim. Em ambos os casos, a importância crescente de variáveis políticas, como grupos de bairros recalcitrantes ou disputas intergovernamentais, devem ser refletidas em uma simulação do planejamento da cidade.
Considere um caso aparentemente inócuo, como construir um prédio de apartamentos. No SimCity, basta definir o zoneamento e permitir que isso aconteça, supondo que haja demanda por moradias. Na maioria das cidades americanas, especialmente ao longo das costas, isso exigiria uma mudança no zoneamento, seguida por um estudo ambiental e uma extensa revisão pública.
Talvez ninguém queira jogar um jogo em que pessoas aleatórias gritem com você como parte de uma audiência pública. Mas em que ponto a série perde o direito de ser chamada de simulador de planejamento urbano?
O truque com os jogos simuladores é encontrar um equilíbrio entre diversão e realismo. O problema é que a série SimCity cada vez mais falha ao não alcançar nenhum dos dois. Concorrentes como Cities: Skylines derrotaram SimCity trocando realismo por diversão, concedendo aos jogadores poderes quase ilimitados — enquanto ainda inexplicavelmente exigem zoneamento. Os recentes lançamentos derivados da franquia SimCity, incluindo o jogo mobile SimCity BuildIt, dispensam completamente a tarifa básica de planejamento urbano.
Quando Will Wright apresentou pela primeira vez a ideia do SimCity aos editores, poucos conseguiram engolir a ideia de que os jogadores poderiam gostar de planejar linhas de esgoto e gerenciar a poluição do ar.
Quem pode dizer que, com o design certo, lutar com NIMBYs, brigar para acomodar patinetes elétricos e competir por verbas federais não pode ser divertido? Os céticos devem se lembrar que uma das séries de simulação mais populares hoje é sobre agricultura.
Entre 1989 e 2021, o SimCity inspirou — ou talvez enganou — uma geração de crianças a entrar no planejamento urbano com a ideia de gerenciar cidades como máquinas. Com a próxima geração de urbanistas crescendo a base de uma dieta constante de memes cínicos de planejamento e políticas YIMBY, retornar às raízes de SimCity com um pouco de realismo chato pode ser apenas o que a série precisa.
Dê aos jogadores a opção de experimentar ideias emergentes sobre trânsito e reforma de leis de zoneamento e um novo SimCity político pode realmente dar origem a uma geração de planejadores de cidades preparados para jogar o jogo.
Artigo publicado originalmente em Reason em 2 de setembro de 2020. Traduzido por Gabriel Lohmann.
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Indo um pouco na contramão: eu gostei do último SimCity, ele permitia a criação de “regiões metropolitanas” – e poderia ter ido mais nesse caminho, já que a interdependência entre as cidades era um trunfo do programa. Terem projetado a aplicação para uso “online”, contudo, custou bastante caro à empresa.
SimCity era incrível, um dos fatores que me fizeram dispertar a paixão que tenho hoje pelo urbanismo. Eu era completamente viciado na minha infância e adolescência no SimCity 4 e depois no “SimCity 5”, o citado no artigo. Curiosamente um dos motivos que o Reboot fracassou, além de muitos erros da própria desenvolvedora, foi a limitação que os usuários relataram sobre o tamanho limitado da cidade, o recurso dos outros SimCitys que permitia mudar completamente o terreno em que será ou que já está sendo construído a cidade, onde eu lembro de algum desenvolvedor falar que tirou esse recurso do jogo para o jogador não se sentir um deus fazendo o que desejar na cidade, trazendo um realismo.
Já o Cities Skylines é algo totalmente o oposto, muito personalizado e dinâmico, ele é bem mais completo em relação as políticas públicas e as possibilidades de modificações. Ao meu ver ele soube dosar muito melhor a parte de políticas e diversão de uma forma muito mais completa, principalmente em comparação ao SimCity de 2013, apesar de alguns poucos pontos o SimCity ainda ser melhor. Enfim, minha esperança seria um novo SimCity com o melhor de dois mundos, os acertos dele e os do Cities, assim trazendo mais “realismo” e diversão para os futuros amantes do urbanismo. Uma pena o estúdio da Maxis ter sido fechado, o que torna a chance de isso acontecer mínima.
Indo um pouco na contramão: eu gostei do último SimCity, ele permitia a criação de “regiões metropolitanas” – e poderia ter ido mais nesse caminho, já que a interdependência entre as cidades era um trunfo do programa. Terem projetado a aplicação para uso “online”, contudo, custou bastante caro à empresa.