Por que os condomínios existem?
Imagem: Ermitaño/Flickr.

Por que os condomínios existem?

Urbanistas e arquitetos costumam ser críticos à ideia dos condomínios, mas até onde eles são realmente danosos para a cidade?

25 de outubro de 2012

O origem dos condomínios precede a atuação do arquiteto e do incorporador. Atualmente, uma série de legislações regulam o uso e a ocupação do solo nas cidades brasileiras. Regras municipais estabelecem bairros estritamente residenciais de baixa densidade com recuos de ajardinamento, com terrenos grandes sem possibilidade de parcelá-los. Muitas vezes tais regras incidem em terrenos próximo aos centros urbanos, onde a demanda por habitação é grande. Neste caso, os terrenos invariavelmente serão destinados a grandes residências de alto padrão, a única alternativa restante de ocupação depois de aplicadas todas essas regras e sofridas as pressões do mercado imobiliário.

Com população que exerce forte influência política nas decisões urbanas da cidade, esses bairros dificilmente se verticalizarão, sendo sempre um “vazio” de densidade, aumentando distâncias de deslocamento, impedindo o atendimento das demandas do mercado imobiliário para uma determinada zona, criando grandes desigualdades de renda entre bairros adjacentes e desfigurando metrópoles vibrantes ao limitar a interação das edificações com o espaço público adjacente.

As demais consequências de metrópoles com zonas de baixas densidades, segregação de usos e de grandes desigualdades de renda convivendo próximas umas às outras resultam em consequências negativas já comentadas nas seções anteriores.

No Brasil, alguns destes bairros foram loteados segundo estas regras e acordadas pelos compradores, em terrenos então ainda afastados dos centros. Assim foram os empreendimentos da City of São Paulo Improvements (ou simplesmente Companhia City), que depois tiveram suas regras urbanísticas incorporadas pelo zoneamento do Plano Diretor de São Paulo.

José Marinho Nery Jr, Doutor em Arquitetura e Urbanismo pela FAU-USP, comenta em texto sobre o zoneamento como um instrumento de segregação em São Paulo:

“Descendo o espigão da Paulista, o loteamento do Jardim América, em local bem distante do Centro para os padrões do início do século XX, já ocupando as áreas alagadiças da bacia do rio Pinheiros, foi outro que trouxe à cidade um novo marco na maneira de construir espaços residenciais elegantes.

Empreendido por uma empresa estrangeira, a City of São Paulo Improvements, por volta do ano de 1915, o projeto desse loteamento foi elaborado pelo famoso escritório dos ingleses Barry Parker e Raymond Unwin, de acordo com a idéia de garden-city e apresentou na cidade uma inovação ao estabelecer um tipo de zoneamento particular.

Esse loteamento, além de estabelecer o caráter exclusivamente residencial unifamiliar, regulamentava no contrato de compra do imóvel todas as regras de ocupação e aproveitamento dos terrenos: número máximo de pavimentos, taxa de ocupação, recuos, tamanho mínimo dos lotes, frente mínima, localização das edículas, tamanho e características dos fechos dos lotes (Rolnik, 1997). Ao seu lado, em 1921, foi construído o Jardim Europa, de mesmo padrão urbanístico, cuja planta foi elaborada pelo engenheiro Hipólito Pujol (Porto, 1992).”

Claro que, diferente de condomínios privados, atualmente cada lote é uma propriedade individual que está sujeita à legislação municipal sobre edificações, e decisões urbanas estritamente a partir dos incorporadores dos loteamentos não seriam viáveis como nestes empreendimentos históricos da City. Porém, imaginemos casos onde não tivéssemos essa diferenciação legal entre loteamentos e condomínios ou casos de condomínios propriamente ditos, obras privadas com maior autonomia do poder municipal, estando no direito dos proprietários manter seu próprio código construtivo. Este modelo é basicamente o que segue nos empreendimentos elaborados pela Alphaville, sendo os primeiros em Barueri, Grande São Paulo, agora replicados pelo país inteiro. Segundo site institucional da construtora:

“As regras construtivas são essenciais para garantir o padrão das casas. Todos os empreendimentos Alphaville têm normas específicas de qualidade construtiva e de ocupação. Com o contrato de compra e venda, o cliente Alphaville recebe também a documentação completa e detalhada sobre os cuidados empregados na construção das casas. Esse conjunto inclui as normas de uso e de ocupação do solo, que funciona como uma espécie de lei de zoneamento particular. Aplicadas às edificações, essas regras estabelecem parâmetros e limites como o número máximo de pavimentos, a metragem mínima de recuos e o limite de impermeabilização do solo, entre outros itens. Isso garante a qualidade urbanística do condomínio, ocupado de forma ordenada.”

Mesmo sendo atualmente distantes dos centros, assim como era o Jardim Europa ou Alto de Pinheiros décadas atrás, os empreendimentos da Alphaville podem vir a se tornar estas enclaves que prejudicam não só o crescimento da cidade como grande maioria dos seus moradores, caso haja o desejo de uma grande maioria em alterar as regras mas não haja uma organização interna que consiga mudar suas regras de ocupação de solo ou vender o empreendimento em conjunto. No caso de Alphaville, todos os projetos prevêem a criação de uma associação de moradores para a autogestão da área, o que facilita esta transformação ao longo do tempo. No entanto, sabemos que a dificuldade de compra e redesenvolvimento destes grandes lotes continua sendo um objetivo difícil de alcançar.

Problema de mesma natureza também ocorre em prédios depreciados nos centros históricos das nossas metrópoles, onde é muito difícil comprar prédios inteiros, mesmo que abandonados, pela falta de concordância entre os diversos proprietários. Em Cingapura, um dos meios usados para resolver esta questão é através do uso do poder de coerção do Município para desapropriar edificações onde há mais de 90% de aprovação entre os moradores para a venda da propriedade. No entanto, Cingapura é uma cidade-estado de partido único, onde ações deste tipo que violam expressivamente a propriedade de uma minoria são relativamente comuns no ambiente construtivo, e eu não consideraria esta posição desejável para os habitantes das nossas cidades.

Uma nova opção seria tentar criar mecanismos institucionais dentro das associações de moradores e condôminos semelhantes aos de uma empresa aberta, que não precisa da concordância entre todos os acionistas para tomar grandes decisões ou para ser vendida. Cláusulas expressando previamente qual proporção de moradores deve existir para a venda do imóvel ou quais moradores tem um voto maior que outros ajudariam a impedir que brigas entre condôminos prejudicassem não só os moradores como o resto da cidade. Isto agregaria valor ao empreendimento ao prometer aos compradores menos dores de cabeça e brigas entre condôminos a longo prazo. Ao mesmo tempo, isso deveria estar aliado a um conjunto de regras municipais que permitisse esse redesenvolvimento de acordo com as necessidades da demanda existente para a região, sem limitações artificiais superiores às estabelecidas no condomínio.

Assim, como regra geral, percebe-se que condomínios e bairros de baixa densidade que se tornam cada vez mais próximos às atividades urbanas centrais são gradualmente pressionados pelo mercado imobiliário para densificarem, se verticalizarem e atualizarem sua atividade, caso não exista uma proteção legal do Município para que isto não ocorra. Com os devidos ajustes contratuais entre os condôminos, os condomínios chamados pejorativamente de “feudos” por arquitetos, urbanistas e defensores do espaço público nas cidades dificilmente existiriam em uma cidade sem essas proteções, mas provavelmente continuariam sendo construídos nos arredores das cidades.

Críticos deste modelo construtivo vêem um problema intrínsico nos condomínios, além da sua repercussão no trânsito e no desenvolvimento da cidade já comentado. A criação de muros tornariam as ruas mais perigosas, já que as calçadas adjacentes seriam desertas e careceriam da vigilância natural dos moradores.

Outro problema seria um perigo ainda mais grave para o morador, onde o assaltante, após entrar na propriedade, estaria invisível aos olhos dos passantes, protegido pela própria barreira que foi construída para impedir sua entrada. Além disso, o isolacionismo é visto como uma atitude egoísta, já que vira as costas (e, teoricamente, contribui) para os problemas da cidade.

O problema visto de forma mais direta é a construção do muro propriamente dito, e não necessariamente do que está atrás dele (condomínio vertical, horizontal ou uma residência unifamiliar). É bastante possível que condomínios horizontais sejam mais duramente criticados por se assemelharem fisicamente aos feudos do passado, embora a comparação formal mais próxima seria de residências unifamiliares muradas, já que feudos eram propriedades de um único aristocrata, e não de vários (sem considerarmos as diferenças mais óbvias como ausência de escravidão).


Construir um muro em uma única residência unifamiliar é pior do que a construção de condomínios fechados — esses, sim, um verdadeiro feudo.


De qualquer forma, imagino que, se o isolacionismo e a criação de muros são ruins, construir um muro em uma única residência unifamiliar seja pior do que a construção de um condomínio fechado — esse, sim, um “verdadeiro feudo”.

O próprio conceito de condomínio vem de uma vida em comunidade onde há interação entre os moradores, em que os custos da segurança e dos serviços e a organização dos assuntos do condomínio são feitas de maneira mais comunitária do que moradores em residências unifamiliares separadas.

Restaurantes, farmácias e até colégios, facilitando a vida dos moradores, também são acusados de contribuirem para este isolacionismo, mas não acho que seja uma acusação que deva ser levada tanto em consideração quanto o da segurança. Se eles serão alvo de crítica, deve-se criticar também serviços de delivery usados por praticamente todo mundo hoje em dia, e até mesmo o telefone e a internet, artifícios que possibilitam a permanência do cidadão em casa e a sua “segregação” do resto da cidade.

Voltando à questão da diminuição da segurança e vida urbana por causa dos muros, estatísticas recentes me levam a concordar com meus colegas arquitetos e urbanistas, porém especificamente quando se trata de centros urbanos que permitem circulação de pedestres e uma certa “vida urbana”.

Tanto as observações de Jane Jacobs no seu célebre “Morte e Vida das Grandes Cidades Americanas” como estudos da Polícia Militar do Paraná conduzidos pelo comandante Roberson Bondaruk chegam à mesma conclusão: “A visibilidade é a melhor arma contra o crime. Tem um princípio que se chama vigilância natural”.

Claro que câmeras de segurança, boa iluminação e uma portaria 24h também são outras medidas importantes, mas Roberson aponta: “Entre ter uma casa cercada por grades ou muros, a casa sem grades e nem muros acaba sendo mais segura. Uma casa que não tem muros, não tem grades cria essa barreira psicológica que é mais efetiva do que a barreira física. O que cria na cabeça do criminoso uma dúvida: será que tem um alarme, será que tem um sensor de movimento? Na dúvida, ele prefere assaltar outra casa”.

De qualquer forma, após alguns anos de pesquisas e conclusões como estas o mercado de construção já está se adaptando para construir sistemas de segurança mais eficientes, uma forma natural de adaptação sem necessidade de mais marcos legais e restrições construtivas que podem vir a mudar de cenário no futuro. No entanto, em uma cidade mais dinâmica, onde há menos leis de segregação de usos, limitações de densidades e afastamentos obrigatórios todo o debate sobre muros não precisaria existir, já que são estas barreiras legais — e não físicas — que verdadeiramente limitam a interação das edificações com o espaço público.

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  • É uma grande perda de tempo ficar discutindo se casa sem grade/sem muro é mais seguro que casa com grade/com muro ou com porcaria nenhuma. A grande questão urbanística relevante é: de que forma podemos utilizar da melhor forma possível o espaço da cidade de forma a proporcionar menores distâncias de locomoção (todo mundo que mora em condomínio fechado tem de usar o carro toda hora pra fazer tudo o que aumenta a poluição; um bairro de mansões como Jd. Europa ocupa muita área comparada a um hipotético bairro de prédios de 4 andares), aumento de densidade populacional de maneira uniforme (sem bolsões de prédio gigantescos que tornam o trânsito das grandes cidades um inferno), aumento da área verde e eixos de desenvolvimento que facilitem a locomoção das pessoas entre casa/trabalho. Porque uma cidade funcional melhora a economia local, gera mais empregos e diminui a criminalidade. Aí vocês não precisam ficar discutindo aqui o que é seguro; se uma casa com muro ou sem muro. Mesma preocupação egoística de moradores de condomínio: to seguro na minha bolha que se dane o que acontece lá fora, to protegido to armado. Que patético.

    • Oi Lucas, concordo contigo que esta não é a questão principal, e por isso o assunto teve um papel secundário no artigo. No entanto, achei importante mencionar o assunto visto que, querendo ou não, é o que muitas pessoas pensam ao optarem por condomínios. Agradeço a leitura, abs!

      • Entendo perfeitamente! A questão do muro é realmente secundária. E perdoe-me as expressões mas esse assunto me inquieta bastante pois a urbanização ou a falta dela sempre foi um câncer para as cidades brasileiras e gestão após gestão continuamos com a mesma lógica privatista de condomínios murados, prefeituras corruptas que em troca de suborno liberam áreas enormes que poderiam servir para moradias de baixa renda com potencial de milhares de unidades mas que são utilizadas pela iniciativa privada para construir prédios gigantescos de luxo que ficam muitas vezes sub-ocupados, dentre diversos outros problemas que tornam as cidades nesse país disfuncionais, poluídas, caras, sem áreas verdes suficientes (maioria concentrada em bairros nobres) e violentas.

  • Este argumento de que a casa sem barreiras é mais segura que uma casa com barreiras é meramente retórico. Duvido muito que a casa do comandante Roberson seja sem barreiras. Se for, duvido que ele durma tranquilamente a noite, deixando sua pistola no trabalho. Uma casa cercada por grades, com cerca elétrica, alarme e um morador armado, de preferência contando com um cachorro bem anti-social no quintal certamente está muito menos vulnerável e muito mais protegida que uma casa sem muros e grades.

  • Gostei do texto, discordo em um ponto: cercas são sim mais eficazes que muros, justamente porque permitem a visualização e vigilância sem a mesma exposição da ausência completa de barreiras. Um ladrão pode achar que há uma armadilha em uma casa totalmente desprotegida, mas é só porque é algo novo, inédito na região, ao passo que quando todos ou a maioria adotar este padrão, logo deixará de causar dúvida e os assaltos ressurgem. Sou totalmente favorável à visualização/vigilância maior, mas isto também implica no passeio público ser frequentado e isto, por sua vez, de segurança, como rondas policiais frequentes. Qualquer sociedade precisa de métodos preventivos de segurança, isto é bem sabido e consensual, mas aparentemente só lembramos disto e nos esquecemos da necessária e igualmente importante repressão, pré-condição para eliminação e educação de elementos desviantes.
    Novamente, parabéns pelo texto.